À altura em que escrevo estas linhas, é provável que o GP da China possa ser, ou adiado, ou cancelado para 2020. Mas não quer dizer absolutamente nada, porque a Liberty Media quer ter um subsitituto para a prova poderá ser cancelada... ou adiada. Seja como for, este ano teremos a estreia absoluta do Vietname e o regresso da Holanda, 35 anos depois, numa nova versão do circuito de Zandvoort, um clássico do automobilismo à beira-mar.
Mas como, por agora, temos Xangai no calendário, dir-vos-ei que temos 22 provas no calendário. A única saída foi o da Alemanha, que provavelmente regressará em 2021. É o calendário mais longo de sempre, e poderá não ficar por aqui. A Liberty Media quer mais corridas, alargando o calendário para 24 ou 25, com a inclusão de uma segunda corrida nos Estados Unidos, em Miami, para ser mais preciso. E claro, outros lugares poderão querer a corrida, como a Arábia Saudita, que poderá injetar 60 milhões de dólares para acolher no calendário, na sua estratégia de abrir o país ao mundo.
Se chegarmos a 25 provas, será quase uma corrida a cada duas semanas no calendário anual. Em 2019, foi a primeira vez desde 1963 que tivemos uma corrida em dezembro, e com o crescente alargamento do calendário, não ficaria admirado se tivermos corridas em janeiro ou fevereiro. No último caso, a última corrida foi em 1982, na África do Sul, e no segundo mês do ano, a mais recente prova data de 1979, com o GP do Brasil, em Interlagos.
Para o fã do automobilismo, pode ser o paraíso, mas para quem anda no circo, é um inferno. Um fim de semana de Formula 1 são seis dias: quarta-feira chegas ao circuito, quinta-feira é passada a montar os carros e reconhecer a pista a pé, e sexta, sábado e domingo para a corrida. Segunda-feira é para empacotar tudo e rumar ao aeroporto mais próximo, rumo à próxima corrida. Multiplicado por 25 são... 150 dias por ano. Mas depois acumula vinte dias passados dentro de aviões, em voos de dez, doze horas, de um lado ao outro do mundo. 170, 180 dias. É metade do ano num trabalho que o coloca fora de casa. Fantástico para um solteiro, mas para alguém casado e com filhos pequenos, é um pesadelo. Mesmo que seja o teu trabalho de sonho, é uma profissão de desgaste rápido. Só os loucos pelo automobilismo é que têm uma longa carreira nisto.
E nem falo sobre os mecânicos, pilotos, administrativos. Os profissionais da comunicação, que acompanham isto o tempo todo, também têm uma vida de saltimbanco. E por vezes, até chegam antes de toda a gente, porque querem conhecer os lugares que visitam. Não devem ter vida própria, mas têm. E digo isto tudo porque há uns tempos, um engenheiro da Haas, Thomas Dob, reagiu violentamente aos elogios de Jean Todt sobre o calendário da FIA. Numa declaração à UOL Esporte, no Brasil, ele afirmou que é uma profissão desgastante.
“Segundo ele, devemos estar felizes por não ver nossos filhos. Isso é um ultraje. Esta é a opinião de uma pessoa que vem à corrida na sexta-feira e sai no domingo. Ele não passa tanto tempo na pista quanto nós. Muitos de nós fazemos isso há anos, e encontrar outro emprego não é fácil.”, comentou.
Os que aplaudem as corridas no sofá não fazem ideia de como este sonho se torna num pesadelo. A NASCAR, por exemplo, tem um calendário muito maior, mas todas as corrias são nos Estados Unidos. Ali, as equipas sempre podem fazer uma maior rotação entre mecânicos e engenheiros, para evitar o desgaste e as saudades de casa. Toda a gente tem familia, e as ausências ressentem-se.
Outro que criticou recentemente este alargamento do calendário foi Franz Tost, o homem forte da (agora) Alpha Tauri, que afirmou à americana Racer que 22 provas é o limite absoluto.
“Se tivermos mais corridas no futuro, acho que as equipas precisam trocar de pessoas – mecânicos, engenheiros. Caso contrário, seria demais para elas.", começou por dizer.
“Não, não fizemos alterações [este ano]. É apenas uma corrida a mais que no ano passado. O prazo é quase o mesmo do ano passado. Há mais uma corrida durante a temporada, mas não precisamos mudar as pessoas rotativamente. Começamos em março e a última corrida é no final de novembro, não há uma grande mudança", continuou.
“Em 2019, começamos a temporada no dia 17 de março e terminamos no dia 1º de dezembro. E em 2020, começaremos no dia 15 de março e a última corrida será no dia 29 de novembro. Não há grande diferença.”
Tost pode até dizer que aguenta mais uma prova, mas é o limite. A partir dali, é território desconhecido. É certo que a Liberty Media quer mais dinheiro injetado na competição, ter mais corridas, mas isto não é a NASCAR. 24, 25, 26 provas espalhadas pelo mundo... e ainda há as férias de agosto, onde por três semanas, não se pensa na Formula 1. Imaginem se algum dia isso acabar?
Sou do tempo em que a Formula 1 tinha 16, e todos andavam felizes, sem grandes queixas. Mas mesmo assim, andar quatro, cinco ou mais meses fora - porque havia as semanas de testes em lugares quentes como o Rio de Janeiro ou Kyalami, na África do Sul, onde as pessoas poderiam até descontrair entre testes. Agora, não: é uma vida sempre a correr, entre circuitos e aeroportos. Onde está o prazer nisso? Pode ser excitante por uma, duas ou três temporadas, mas ao fim de meia dúzia, são poucos os resistentes, são os que querem realmente isto e não têm familia à espera em casa. Ser um eterno saltimbanco, por muito que gostem do desporto.
Em suma, tem de haver um limite no calendário, sob pena de isto se descontrolar, e o sonho virar pesadelo..