segunda-feira, 28 de julho de 2025

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Uma das histórias mais fabulosas da história do automobilismo aconteceu, faz esta segunda-feira 90 anos. A história de um Golias que foi derrubado em casa, perante o seu público por um David que é, ainda hoje é considerado como um dos melhores de sempre. E os oponentes estavam tão convencidos que iriam ganhar que nem sequer arranjaram nem a bandeira, nem o hino do piloto que acabaria por ganhar. Que, por sorte, tinha na sua maleta.

Esta é a estória de Tazio Nuvolari e, provavelmente, a vitória mais espetacular da história do automobilismo no século XX. E de onde, a partir dali, Ferdinand Porsche apelidou-o de "o melhor piloto do passado, presente e do futuro". E este Grande Prémio é "A Vitória Impossivel".

Estamos em 1935, e os carros alemães dominam as pistas europeias. Desde a ascensão de Adolf Hitler ao poder, um dos objetivos é mostrar a superioridade da engenharia alemã. E que melhor lugar que as pistas de corrida um pouco por toda a Europa? Auto Union e Mercedes eram as equipas que, com quase um milhão de "reichsmarks" cada um, subsidiados pelo governo, decidiram montar cada um a sua equipa de automobilismo. No campo da Mercedes, tinham Rudolf Caracciola, Manfred von Brauchitsch e o italiano Luigi Fagioli, enquanto na Auto Union estavam Bernd Rosemeyer, Hans Stuck e outro italiano, Achille Varzi

A partir de 1934, começaram a ganhar corridas, e a meio de 1935, dominavam o panorama automobilístico. A única oposição de relevo vinha da Alfa Romeo, que naquele ano, tinham uma equipa com o monegasco Louis Chiron, o italiano Antonio Brivio e sobretudo, Tazio Nuvolari. Já era um veterano - em 1935, já tinha 42 anos! - e os seus carros, o modelo Tipo B, eram geridos pela Scuderia Ferrari, liderados pelo ex-piloto Enzo Ferrari. Contudo, nesse ano, todos já notavam que o carro era inferior às máquinas alemãs - o Alfa tinha 290 cavalos para um motor de 3,2 litros, em contraste com os 375 cavalos dos Mercedes, de 4 litros e os 5 litros dos Auto Union, com a mesma potência - e apenas com a destreza do piloto é que seria capaz de superar, com a ajuda de outros fatores, como a sinuosidade dos circuitos ou o estado do tempo.

O Grande Prémio da Alemanha era, então, a mais importante corrida do ano. Disputado no Nurburgring Nordchleife, os 23 quilómetros de extensão à volta do monte Eiffel eram intimidantes. E naquele final de semana, o tempo não ajudava: molhado e ventoso. Mas cerca de 300 mil espectadores tinham ido para ver a corrida. 

Algo estranho a Auto Union não tinha, em relação à Mercedes: um piloto de ponta. Se eles tinham Rudolf Caracciola, por exemplo, na marca das quatro argolas, Rosemeyer ainda era muito jovem, Stuck era bom, mas não excepcional, e Varzi, italiano, não queria competir com Nuvolari, logo, tinha poder de veto. Para piorar as coisas, ele era viciado em morfina, e isso poderia afetar a sua condução. Logo, ele estava na Alfa Romeo, frustrado por não poder guiar as poderosas máquinas alemãs.  

Os alemães tinham de vencer... ou vencer. A Mercedes tinha cinco carros inscritos, para Rudolf Caracciola, Manfred von Brauchitsch, Hans Geier, um jovem Hermann Lang e o italiano Luigi Fagioli. A Auto Union tinha Hans Stuck, Bernd Rosemeyer, Paul Pietsch e outro italiano, Achille Varzi. 

A ordem de partida para o Grande Prémio fora definida por... sorteio, com o primeiro lugar a ficar com Hans Stuck. Nuvolari ficou com o segundo, Renato Balestero ficou com o terceiro, e o melhor dos Mercedes foi Von Brauchitsch, com o quinto. 

A largada para a corrida de 22 voltas foi péssima para Nuvolari, que caiu para terceiro, atrás de Stuck e Von Brauchitsch. Para piorar as coisas, Brivio não completa a primeira volta e Chiron, sempre discreto, abandona na quinta volta. Em suma, Nuvolari sempre andou sozinho contra os alemães. Contudo, Nuvolari decide manter-se na pista, conseguindo manobrar bem debaixo de chuva, com pneus adequados, e para melhorar as coisas, os carros alemães param mais vezes, chegando ao ponto de, no final da décima volta, ele ser o líder da corrida. 

Foi nessa altura que foi às boxes... e as coisas correram muito mal. No total, ele durou dois minutos e 14 segundos - o que era demasiado, mesmo nesse tempo - e quando regressou à pista, era sexto. E a partir dali, não tinha outra hipótese que andar no limite da pista e das suas capacidades, bem como a do carro. Com isso, começou a recuperar posições, passando os carros alemães, que tinham os seus problemas - Rosemeyer tinha uma fuga de combustível, por exemplo - e no inicio da última volta, era segundo, a 35 segundos de Von Brauchitsch.

Nuvolari sabia que iria apanhar o piloto alemão, mais cedo ou mais tarde, porque ele tinha ainda outro problema: os pneus do seu Mercedes estavam completamente desgastados por causa das condições da pista, e também por causa do ritmo de Nuvolari, do qual acusou a pressão e o obrigou a andar no limite, destruindo os seus pneus. O italiano pressionou, e passou-o facilmente. E para piorar as coisas, Von Brauchitsch furou no gancho Karrusell e perdeu ainda mais tempo, acabando na quinta posição, a mais de seis minutos do vencedor. 

No final, mais de 300 mil espectadores estavam silenciados com o feito de Nuvolari, que tinha deixado Stuck a 2.14 minutos e Caracciola a 3.09. Os organizadores não tinham nem uma bandeira italiana, nem um disco com o hino, e ele forneceu ambos, sem problema algum. No final, a imprensa italiana chamou ao seu feito "A Vitória Impossivel". 

Esta vitória foi, de certa forma, uma vingança a Varzi, por o ter desprezado. Os alemães passaram a olhar para o "Mantuano Voador" com outros olhos, mas foi apenas em 1938, quando Rosemeyer morre, é que tem a sua chance de guiar as máquinas alemãs. Já tem 45 anos, mas tempo suficiente para mostrar o seu talento nas pistas.   

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