terça-feira, 9 de setembro de 2025

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Quando há precisamente 80 anos, a 9 de setembro de 1945, numa pista desenhada no Bois de Boulogne, 16 carros alinharam para uma corrida de automóveis, sabiam perfeitamente o que estavam a fazer: era a primeira corrida na Europa desde 1940, e pouco mais de seis anos e uma semana depois da última corrida de Grand Prix, que acontecera em Belgrado, então capital da Jugoslávia, e no mesmo fim de semana em que as tropas nazis entraram Polónia adentro, marcando o inicio da II Guerra Mundial. 

O nome da corrida marcava exatamente o ambiente dessa guerra, que tinha acabado quatro meses antes: "Coupe des Prisoniers": a Taça dos Prisioneiros. E desses 16 pilotos, todos franceses, estava alguma da fina flor automobilística francesa, toda em máquinas de antes da guerra. E o vencedor foi Jean-Pierre Wimille, num Bugatti Type 59, que batera Raymond Sommer. E entre os inscritos estava, por exemplo, Philippe Etancelin e Pierre Levegh, que uma década depois morreria em Le Mans, numa máquina da Mercedes.

Mas essa não era a única corrida dessa tarde. Antes tinha havido a "Coupe Robert Benoist", em tributo a um destacado piloto francês, vencedor das 24 Horas de Le Mans em 1937, pela Bugatti, que na guerra se tornou agente secreto, capturado pelos nazis e executado quase um ano antes dessa corrida, a 11 de setembro de 1944, altura em que o seu país estava a ser libertado pelos Aliados.

E curiosamente, Wimille fora o piloto que co-guiou o carro que os levou à vitória em Le Mans. Logo, foi apropriado que ele tenha saído como vencedor da corrida principal, mas não da "Coupe Robert Benoist". Aí, quem ganhou foi Aldo Gordini, filho de Amedée Gordini, o fundador da preparadora com o mesmo nome. 

Assim sendo, é uma boa altura de falar sobre Jean-Pierre Wimille. De um vencedor antes e depois da Guerra, quer em Le Mans, quer noutras competições importantes, e de alguém que poderia ter sido o primeiro francês campeão de Formula 1, se não tivesse havido a guerra, e se não tivesse morrido antes do primeiro campeonato do mundo. Bem como os seus feitos como herói da Resistência. 

Nascido a 26 de fevereiro de 1908 no 16º Bairro de Paris, o pai de Wimille era jornalista desportivo, especializado em automobilismo. Cedo surgiu a sua paixão pelos automóveis, e começou a correr em 1930, no GP de Pau, num Bugatti. No ano seguinte, foi segundo classificado no rali de Monte Carlo, num Lorraine-Dietrich, nos anos seguintes foi piloto da Bugatti, onde se tornou companheiro de equipa de Robert Benoist, 13 anos mais velho que ele. O seu grande ano é o de 1936, quando ganha o GP de França, o Deauville Grand Prix e o Grand Prix de la Marne, em Reims. Corre na Vanderbilt Cup, em Nova Iorque, onde acaba em segundo lugar, apenas batido por Tazio Nuvolari.

A sua primeira vitória em Le Mans, em 1937, acontece com Benoist a seu lado. A corrida foi muito complicada: no final da primeira hora, o piloto René Kippeurt perdeu o controle do seu Bugatti na curva Maison Blanche e no acidente, fora projetado para o meio da pista, com os carros a tentarem fugir do seu corpo inconsciente, para não atropelá-lo. No final, onze carros acabaram por se envolver na carambola, e a corrida foi interrompida para remover os destroços dos carros. Kippeurt acabou por morrer no incidente, e outro piloto, o britânico Pat Fairfield, ficou gravemente ferido, acabando por morrer dia e meio depois, na madrugada de segunda-feira. 

Wimille safou-se bem desse acidente, mas o seu rival, o seu compatriota Raymond Sommer, forçou o seu motor para tentar abrandar o seu carro e este não aguentou. Acabou por abandonar algumas voltas depois e a partir dali, Wimille e Benoist limitaram a gerir a liderança e acabar no lugar mais alto do pódio com sete voltas de avanço sobre o Delhaye de Joseph Paul e Marcel Mongin. Depois disto, Benoist, então com 42 anos, decidiu pendurar o capacete de forma definitiva. 

Dois anos depois, com as nuvens de guerra já a pairar sobre a Europa, Wimille regressou a Le Mans com a Bugatti e o mesmo Type 57, mais desenvolvido e com o seu compatriota Pierre Veyron a seu lado. Agora liderados por Jean Bugatti - que iria morrer quatro meses depois, a 27 de agosto, num teste - acabou com quatro voltas de avanço sobre o Delage de Louis Gerard e Georges Monneret. O que ninguém sabia era que, quando as 24 Horas de Le Mans regressaram, aconteceu uma década mais tarde, e com Wimille já morto. 

Em setembro, a guerra começou e as provas automobilísticas foram restritas. As 24 Horas de 1940 foram marcadas para junho, mas a invasão nazi, a 10 de maio desse ano, acabou por cancelar o evento. Wimille, entretanto, manteve a ligação com a Bugatti, construindo protótipos para superar as restrições de gasolina. Um carro elétrico foi construído, em colaboração com Marcel Lesurque

Mas enquanto isso acontecia, Benoist decidiu colaborar com a Resistência. Com a criação, na Grã-Bretanha do SOE, Special Operations Executive, com o objetivo de efetuar ações de sabotagem atrás das linhas inimigas, muitos franceses - e outra gente de outros países ocupados pelas forças nazis - foram treinados em várias táticas de sabotagem, não só de linhas elétricas, como de linhas férreas, fábricas e outras unidades industriais. E também de transmitir mensagens para Londres, para dar noticias de movimentações de tropas inimigas, e também de transportar aviadores em fuga através de "rat channels", basicamente uma rede de pessoas que acolhiam esses aviadores dos Aliados - e prisioneiros de guerra em fuga de campos de prisioneiros - para países neutrais como a Espanha e Portugal, e assim irem para Londres.

Em 1943, Bentoist, em conjunto com o britânico William Grover-Williams, o primeiro vencedor do GP do Mónaco, em 1929, fundaram uma rede, de seu nome "Chestnut" (Avelã) onde recrutaram outros membros, um deles, Wimille. A rede funcionou ao longo de 1943, mas a policia secreta alemã, nomeadamente a SD (Sicherhienstdienst), um ramo da Gestapo, estava atento a todos os grupos da Resistência, e tentava tudo para infiltrar, e depois destruir. Essas redes não aguentavam mais do que alguns meses, antes de serem descobertos. A Chesnut foi desmantelada a 31 de julho de 1943, numa operação contra o castelo onde morava Benoist, prendendo o seu irmão, Marcel, e Grover-Williams.

Robert não estava lá e acabou por escapar para o Reino Unido, onde se especializou em explosivos e regressou a França no inicio de 1944, onde voltou a estar em contacto com Wimille, que entretanto, tinha montado uma rede clandestina, recrutando alguns membros da sua família, incluindo a sua noiva, Cristiane de la Fressange, uma aristocrata. Com a chegada das tropas aliadas à Normandia, a 6 de junho, a atividade da Resistência aumentou significativamente, bem como a repressão por parte da SD. Benoist foi capturado a 18 de junho, e Wimille estava no limite, por vezes evadindo a captura porque não estava no lugar errado, à hora errada. 

Wimille acabou por sobreviver à Libertação, a 25 de agosto. Benoist e Grover-Williams, não. O primeiro foi executado no campo de concentração de Buchenwald, o segundo em Sachenhausen, algures em março de 1945, nas semanas finais da guerra. 

Depois do conflito, Wimille regressou à competição, correndo pela Alfa Romeo, que tinha guardado os seus carros de corrida, modelo 158, e construídos em 1938, num celeiro. Ganhou o Grand Prix des Nations, em Genebra, em 1946, os Grandes Prémios da Suíça e da Bélgica, em 1947, e os Grandes Prémios da França e da Itália, em 1948. 

No meio disto tudo, Wimille casava com De la Fressange, tinha um filho, e construía carros aerodinâmicos de estrada, com motores Ford V8 montados na traseira, que não davam mais de 66 cavalos, mas eram capazes de andar a mais de 160 km/hora. No final, foram construídos oito exemplares.   

No final de 1948, Wimille foi para a Argentina, no intuito de participar em algumas das corridas que aconteciam nesse país. Participante no GP de Buenos Aires, num Simca-Gordini, ao lado de Amedée Gordini, a 28 de janeiro, durante os treinos, ele acelerava para marcar um tempo quando perdeu o controlo do seu carro e bateu contra uma árvore, matando-o de imediato. Tinha 40 anos.   

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