A coluna desta semana do "Warm Up", do jornalista brasileiro Flávio Gomes, fala da decoração do novo Honda e do facto de ele mostrar-se sem patrocinadores visíveis pode indicar uma nova era na Formula 1; pela primeira vez, desde 1968, a tendência é o desaparecimento dos patrocinadores nos chassis dos carros.
Eis o artigo:
"A decisão da Honda de nem procurar patrocinadores para seus carros em 2007 escancarou uma nova realidade da Fórmula 1: a categoria, agora nas mãos das montadoras, virou um negócio barato para empresas que trabalham com receitas de bilhões. Hoje, a F-1 é um verdadeiro campeonato mundial de marcas. E estas só precisam vender seus carros. O resto, panelas, cigarros, seguros de vida e bebidas, que se dane.
Não deixa de ser curioso. Desde que Colin Chapman decidiu “vender” o nome da Lotus a uma marca de cigarro, no final da década de 60, patrocínio virou uma palavra mágica na F-1. As equipes eram equipes, não conglomerados industriais. Para colocar um carro na pista, precisavam arrumar dinheiro em algum canto. As carenagens se transformaram na salvação da lavoura. Nelas cabia tudo. Anuncie aqui!, gritavam os carros, e foram prontamente atendidos por empresas de todos os tipos e tamanhos, dispostas a divulgar suas marcas pelo mundo.
No início, os grandes mecenas vieram da turma do tabaco: Gold Leaf, John Player Special, Chesterfield, Marlboro, Camel, Rothmans, Gauloises, Gitanes, e depois Lucky Strike, Mild Seven, Benson & Hedges... A F-1, na medida em que ia se popularizando graças à TV, se transformava num ótimo veículo de propaganda para marcas globais. Os carros viraram colchas de retalhos, com adesivos por todos os lados. Macacões e capacetes foram invadidos por logotipos.
Houve até um caso curioso, e extremo, no GP do Canadá de 1992. A March se viu sem um níquel depois que sua principal patrocinadora, a japonesa Leyton House, enfrentou problemas com a polícia por fraudes financeiras. Em Montreal, o chefe do time, Nick Underwood, deu uma entrevista a um jornal local e falou sobre a penúria que a equipe vivia. O repórter, meio que na brincadeira, publicou no texto o telefone da March, na linha “se você estiver interessado em colocar sua empresa no carro, espaço é o que não falta”. Em uma hora, a equipe recebeu 14 ligações. Oito contratinhos foram fechados, a 4 mil dólares canadenses cada, permitindo que um restaurante, uma oficina especializada em freios e uma revenda Suzuki estampassem suas marcas nos carros de Karl Wendlinger e Paul Belmondo. Sorte das sortes, Wendlinger fez uma das maiores corridas de sua vida e chegou em quarto...
Mas os tempos são, definitivamente, outros. Voltemos à Honda e seu carro “pelado”, aberto a quem contribuir com entidades que zelam pelo meio-ambiente. A montadora japonesa produziu, no ano passado, 3.633.813 automóveis no mundo todo. Vendendo 15 mil carros, digamos, a 20 mil euros cada, paga as contas de seu time de F-1. Dá 0,4% de sua produção. Mais um pouquinho e dá para colocar, também, a Super Aguri na pista. Patrocinador para quê, se uma campanha publicitária mundial para ligar sua imagem à defesa da natureza custaria muito mais do que isso? Usa-se a F-1 e pronto. O recado está dado.
Há outros exemplos: A BMW faturou 49 bilhões de euros e colocou no mercado 1.373.970 carros no ano passado. A Mercedes vendeu um pouco menos: 1.260.600. A Renault e sua subsidiária Nissan despejaram nas ruas 5.911.171 veículos, faturando 41,5 bilhões de euros. A Toyota, então, é covardia: de suas fábricas saíram 7.710.000 carros. O orçamento de uma boa equipe de F-1 hoje bate nos 300 milhões de euros por temporada. No caso da BMW Sauber, é menos de 1% do que a montadora fatura por ano. De novo: patrocinador para quê?
A Red Bull é outra que, se não faz carros, também prescinde de anunciantes. Seus dois times constam do balanço anual da empresa como verba de publicidade para um faturamento que, em 2006, bateu na casa dos 2,64 bilhões de euros vendendo latinhas. Seus carros não divulgam praticamente nada além da bebida energética que dá asas. Não precisam ganhar nada, basta que apareçam bem na fita.
Há o caso específico da Ferrari, que tem produção reduzida — foram 5.671 carros vendidos em 2006, para um faturamento de 1,447 bilhão de euros. Mas por ser a Ferrari, patrocínio vem fácil: Shell, Martini, Alice, AMD, Acer, Mubadala e Fiat bancam a brincadeira dos carrinhos vermelhos. Restam Spyker e Williams. A primeira faz séries limitadas de carros-esporte, e ainda tem de buscar dinheiro por aí. E a segunda é a última das moicanas, que tende a desaparecer ou ser comprada por alguém.
Em resumo, F-1 virou troco de pinga para os atuais envolvidos. Há dois anos, Max Mosley queria ver o capeta, mas não as montadoras. Fez uma cruzada pró-times independentes. Excomungou as fábricas, que “vão e vêm ao sabor de seus balanços financeiros”.Pois elas dominaram tudo.
São as voltas que o mundo dá.
Flavio Gomes
Flavio Gomes
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