sexta-feira, 2 de maio de 2008

A vida de Gilles Villeneuve - 1ª parte, o inicio

Lá no Forum do Autosport tenho um senhor, de seu "nickname" Villickx, que nos brinda de quando em quando com exclenetes artigos sobre os seus ídolos. E desde há algumas semanas, ele anda a colocar uma extensa biografia sobre a vida do Gilles Villeneuve. E como daqui a alguns dias comemoramos mais um aniversário da sua morte, achei por bem colocar aqui esta história. Já escrevi a biografia dele no ano passado, mas este vai um pouco mais longe...


Hoje, coloco a primeira parte dessa biografia, que abarca os primeiros 24 anos de vida. Nos próximos dias coloco as outras partes, à média de um por dia.



GILLES, o meu tributo. - 1ª Parte (1950/1974)



Eram 6 horas da manha em Richelieu na província do Quebéc no Canadá, e no dia 18 de Janeiro de 1950 (e não 52, como muitas biografias mencionam por culpa de Gilles), quando nasceu, Joseph Gilles Henri Villeneuve, filho de Georgette e Seville Villeneuve, que se transformaria num dos maiores ídolos e um ícone do automobilismo de competição mundial.

Gilles possui uma história totalmente diferente dos pilotos da sua época ou dos anos sucedâneos e assim cativa pela diferença, pelo espírito, pelo facto de ter vencido porque simplesmente teve talento para isso.

Gilles Villeneuve e as suas características de piloto e homem já foram por muitos descritas mas para mim ele é sinónimo de uma paixão e entrega á competição automóvel num nível até então nunca alcançado e foi a prova que nem sempre as leis da Física se aplicavam de modo igual, a todos.

A presença de Gilles num grid de um GP, mesmo que num longínquo 18º lugar, significava, para mim, a convicção de que algo ou tudo podia acontecer pois era assim que ele era…fazia sonhar, e mais importante ainda, fazia … acontecer. Mas como me dizia o meu Pai…é melhor começar pelo começo.

O Pai de Gilles, Seville, profissionalmente, era afinador de pianos e a sua Mãe Georgette, uma dona de casa. Não possuíam grandes posses mas as suficientes para uma vida simples e boa. Viviam numa pequena cidade de 4.000 habitantes chamada Richelieu, no interior do Quebéc e mais tarde mudaram-se para Berthierville. O pequeno Gilles desde muito cedo demonstrou uma preferência por questões mecânicas sendo os seus brinquedos preferidos tudo que fosse mecânico como carros, camiões, guindastes, etc. e as suas brincadeiras eram essencialmente á volta das potencialidades dos mesmos.



Um pouco mais velho e sob a batuta do Pai apaixonou-se e descobriu a musica tornando-se num razoável tocador de piano e um compulsivo estudioso e tocador de trompete. Os estudos estavam em 12º lugar nas suas prioridades e o seu sonho de criança era tornar-se no melhor trompetista (para não variar), do mundo. Estudava e praticava uma média de 5 a 6 horas por dia, para desespero da família, calculo eu. Alcançou um excelente nível com esse instrumento mas desde sempre se queixou que o seu saliente beiço superior o impedia de progredir pois magoava-se muito e essa foi a desculpa final para abandonar essa actividade alguns anos mais tarde.

Em miúdo, Gilles que era um péssimo e desinteressado aluno foi inscrito pelos seus Pais, não por isso mas por um estilo de educação, no Seminário de Jolliette como interno. Odiou cada dia, cada refeição, cada regra. Livre e sonhador, como era, não é de se estranhar. Tinha 10 anos quando pela primeira vez o seu Pai, conhecido na região por conduzir rápida e loucamente e também sofredor de vários acidentes automobilísticos, o deixou guiar a carrinha VW da família. Apaixonou-se para sempre.

Com 15 aninhos e sem carta espatifou o Pontiac Grand Parissienne 66, a nova aquisição e motivo de orgulho familiar, após tê-lo roubado á sucapa. Despistou-se, á noite e á chuva, a 160km/h levando no seu percurso dois postes telefónicos. Destruição total do carrinho mas “desta vez” não o conseguiu levar de volta as boxes...ups, casa. Aos 16 anos obteve finalmente a carta e vários outros acidentes ocorreram e o seu Pai descreveu-o assim: “Gilles era desprovido do sentimento do medo. Ele guiou sempre muito rápido, no limite. Ele sempre fez tudo o que guiava ir à velocidade que aquilo dava”.

Foi também aos 16 anos que conheceu e começou a namorar aquela que seria a sua mulher e mãe dos seus filhos: Joann Barthe. Nesta altura já Gilles (muito tarde para os padrões actuais) buscava a competição mas no ambiente em que estava enquadrado não tinha grandes hipóteses e assim restava-lhe algumas corridas de dragsters e um oval em terra que existia nos arredores da sua Berthierville, que ele “comia” numa pick-up de 5ª mão ou no seu Ford Mustang de 67. Pela primeira vez assistiu a uma corrida no recém inaugurado circuito de Mont Tremblant em St. Jovite e dessa experiência relatou o seguinte: “Tudo aquilo pareceu-me completamente inacessível para mim. Tudo era caríssimo. Mas também reparei nos pilotos e achei que 90% deles eram uns piços. Travavam cedo demais, faziam as curvas todas erradas. Pensei que aquilo era fácil. Achei que eu conseguia fazer melhor que eles”.

No Canadá caem em média, em cada ano, 1,60mt de neve e todos os desportos de Inverno são extremamente populares. Nessa época surgiu com uma imensa popularidade o snowmobile que basicamente é uma moto de quatro rodas, sem rodas e com 2 pequenos skis dianteiros e uma “lagarta” de borracha para propulsionar o zingarelho. Esta moto tornou-se muito popular e as marcas existentes competiam entre si em campeonatos organizados como forma de se promoverem.


Gilles era um excelente praticante destas maquinetas que chegavam aos 160 km/h e após alguns bons resultados em corridas amadoras com uma moto dada pelo seu Pai aceitou um convite da Skyroule para se tornar um dos seus pilotos oficiais no campeonato do Quebéc. Estávamos nesta altura em 1970 e ainda sem ter 20 anos completos casou com Joann no dia 17 de Outubro pois … estava já na calha o futuro campeão de champ-cars e de F1 Jacques Villeneuve. Nas snowmobile, primeiro com a Skyroule, e depois com a Motoski, Gilles era o homem a bater pois a sua técnica pessoal e a sua coragem ilimitada tornavam-no inalcançável. Nesse ano foi campeão do Quebéc e ganhou ainda o Campeonato Mundial de 440cc em Nova York, para de seguida no dia 17 de Abril de 1971 se tornar o pai babado do pequeno Jacques.


Na época de 71/72 aos comandos das Alouette, Gilles repetiu o título de campeão do Quebéc ganhando 10 das 14 provas desistindo por problemas mecânicos as outras 4. A época de 72/73 viu Gilles ganhar o campeonato Canadense de Snowmobile e o nascimento da sua filha Melanie. Contudo, o snowmobile só podia ser praticado no Inverno e o complemento ideal era o automobilismo que se praticava essencialmente na Primavera e no Verão e Gilles, que tinha esgotado a categoria de snowmobile ganhando tudo o que havia para ganhar, e a conselho de um seu mecânico, inscreveu-se em 73 na famosa escola de condução de competição Jim Russel, em Mont Tremblant.

Sem qualquer dificuldade “licenciou-se” com mérito e obteve a sua licença desportiva. “Sai de pista por diversas vezes. Mas, diverti-me imenso e ganhei 70% das corridas”. Assim, Gilles descreveu a sua primeira experiência competitiva em 4 rodas no Campeonato do Quebéc de Formula Ford. Com pouquíssimo dinheiro, pois as únicas receitas que tinha para sustentar a família e a competição provinha dos prémios de corrida do snowmobile, e sem nome na categoria, Gilles correu neste campeonato com um carro já com dois anos. Contudo ele era muito melhor que a concorrência directa e ganhou o titulo de "Rookie do Ano" e Campeão da categoria em 1973 ganhando 7 das 10 corridas disputadas.

Na snowmobile, mais uma vez, Gilles ganhou o que havia a ganhar na sua terra e ganhou a mais prestigiada corrida da categoria em Eagle River no Wiscosin/USA, na categoria rainha de 650cc contra os melhores pilotos internacionais. Para 1974, e após a sua excelente estreia em 4 rodas na F. Ford, Gilles já só pensava em como evoluir nas categorias e a única evolução que existia era a Formula Atlantic. A Formula Atlantic era já bastante sofisticada para os padrões Canadenses pois usava motores Ford Cosworth de 1600cc preparados em Inglaterra e pneus slicks, e era para ai que Gilles queria ir.

Com um background já muito razoável em outras categorias, com uma enorme popularidade pessoal e com boas referências pessoais conseguiu negociar um lugar na Ecurie Canada por USD 70.000, que era a participação de patrocínios do piloto que a equipa exigia. Gilles não tinha um centavo disponível e a única possibilidade de fazer algum dinheiro era através da venda do único bem que possuía: a casa móvel onde morava com a sua mulher e os seus dois filhos desde que tinha casado. Mas mesmo essa casa estava hipotecada ao Banco!

Gilles não hesitou e comunicou á mulher que a casa tinha sido vendida e que dai em diante não haveria vida fácil. Dali em diante a família viajaria de corrida em corrida na caixa aberta do pai de Gilles e de noite dormiriam acampados numa pequena tenda. Nos testes de pré-época, e para piorar ainda mais a situação Gilles, apesar de mostrar uma rapidez instantânea, destruiu os dois March da equipa e o dinheiro da equipa desaparecia a olhos vistos.

Quando o campeonato começou só havia pneus para 4 corridas. Na estreia, no circuito de Westwood, em Vancouver, costa Oeste do Canadá, Gilles conseguiu um 3º lugar depois de uma emocionante corrida que deixou a equipa muito optimista mas … foi só isso que conseguiu. A equipe tinha seríssimos problemas financeiros não evoluía e os pneus não esticaram. Nas outras 5 corridas, Gilles só conseguiu terminar uma, no 22º lugar após sofrer problemas eléctricos.

Vários tinham sido os acidentes que Gilles já tinha sofrido desde os seus 15 anos, quando roubou o carro do seu Pai. Nas snowmobiles, vários foram os voos a mais de 100km/h, e nos carros Gilles fez justiça ao nickname que mais tarde Enzo Ferrari lhe daria que seria de "Príncipe da Destruição", mas nunca se tinha magoado seriamente até ao dia 1 de Julho de 1974, quando no exigente e belíssimo circuito de Mosport, Gilles destruí mais uma vez o pequeno March amarelo contra os guard-rails. Desta vez foi grave e como consequência Gilles partiu uma perna de forma grave o que o impediu de correr algumas corridas. Mesmo com a perna engessada tentou faze-lo e só não o fez porque não conseguia cumprir a regra que obrigava os pilotos a saírem em 60 segundos do carro!

No final da época, Gilles estava falido, mas também totalmente obcecado com a sua carreira pois sentia que podia triunfar, sentira o gosto e não ia abandonar o seu sonho.

(continua amanhã)

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