terça-feira, 13 de maio de 2008

A vida de Gilles Villeneuve - Parte 8, a época de 1980

Por fim, o forista Villickx publicou ontem mais um capítulo da vida de Gilles Villeneuve, o piloto canadiano que ficou na história pelo seu estilo exuberante e espectacular, que lhe granjearam adeptos em todo o mundo, quer durante, quer depois da sua morte. Hoje, vai-se abordar a época de 1980, que foi exactamente o contrário da época anterior...


GILLES, o meu tributo. - 8ª Parte
1980

Se os anos 50 tinham sido de Fangio, os 60 de Clark, os anos 70 não foram de ninguém, porque essa década reuniu a geração de pilotos mais brilhante jamais vista até então na história da F1. Nestes anos de glória, os adeptos viram e vibraram por Stewart, Lauda, Fitipaldi, Rindt, Hunt, Andretti e Scheckter, todos eles a consagrarem-se campeões do mundo, e pilotos do calibre de Peterson, Ickx, Cevert, Amon e Villeneuve, entre outros, que não o conseguiram.

Contudo, raras vezes tinha-se assistido ao surgimento de alguém com o ímpeto, força e vontade de ganhar, como Gilles Villeneuve, e é bom não nos esquecermos que no final de 1979, Gilles tinha somente competido em 34 corridas de Formula 1!

Porem, a grande maioria dessas 34 corridas foram recheadas de ímpeto e espectacularidade, e mesmo que não se contassem os resultados nesse período, que já de si tinham sido brilhantes, já tinha feito em pista muito mais que muito boa gente que já se tinha sagrado campeão. Do ponto de vista competitivo, Gilles, no mínimo, tinha demonstrado que não perdia para ninguém. Os seus colegas de equipa, Hunt, Mass, Reutemann e Scheckter, e a grande maioria dos seus pares, eram unânimes em considera-lo rapidíssimo e provido de dotes superiores na arte de condução. Reconheciam que os limites de Gilles eram diferentes dos deles, e que ele estava pronto a usa-los e testa-los bem mais do que seria normal.

A imprensa especializada e os seus “opinion leaders”, como Nigel Roebuck (Autosport), Johnny Rives (L´Équipe), Denis Jenkinson (MotorSport) e os italianos Giorgio Piola, Franco Lini e Pino Allievi, eram seus fans assumidos e unânimes em afirmar que Gilles era superior á restante safra. Somente Gérard Crombac, do Sport Auto, apontava algumas reticências a Gilles, essencialmente pela sua brutalidade com o material e a sua expansividade com um carro nas mãos. Quando via Gilles num qualquer lugar, aos piões com o seu Ferrari 308GTB, o que era usual, comentava, como bom Francês, entre dentes: “Jimmy jamais faria isto”, referindo-se obviamente ao seu grande amigo e super campeão Jim Clark.

Tinha ainda no seu patrão, Enzo Ferrari, e na sua equipa, admiradores ardorosos da sua combatividade e da sua personalidade. Publicamente era adorado por milhões de fans, que religiosamente ligavam as suas televisões ao Domingo para ver o que é que ele daquela vez ia fazer, e em Itália era um Deus vivo.

Assim, e como era normal, iniciava-se em 1980 uma década que muitos pensavam - e eu sem dúvida incluía-me nesses - poder vir a ser a década de Gilles Villeneuve. Vamos lá:

Com o seu vice-campeonato e as suas performances, Gilles saia consagrado de 1979 e isso trouxe-lhe algumas recompensas. O “supermercado”, que era o seu fato de competição, quintuplicou de valor, e Ferrari passou a pagar-lhe cerca de 500 mil dólares por época, mais despesas e prémios por pontuação, o que já era um bom salário para a época. Nessa altura também, Teddy Mayer, da Mclaren procurou Gaston Parent para tentar contratar Gilles, e ofereceu-lhe 800 mil dólares por época, mais despesas, sujeito a negociação. Mas Gilles agradeceu e declinou, pois era homem de uma palavra só, e a sua palavra estava empenhada com Enzo Ferrari.

Finalmente, ele estava em condições de dar á sua família a recompensa por tudo o que os tinha feito passar na sua caminhada, e como homem de família que era não se fez de rogado. Foi nessa altura que se mudou para Mónaco, onde comprou uma "villa" com piscina, e o seu primeiro helicóptero, que a partir dai seria a sua arma preferida para aterrorizar os seus amigos (que o diga Jody). Mas se tudo lhe corria de feição na sua vida particular, as coisas não eram tão brilhantes no que dizia respeito á sua carreira, pois o Ferrari de 1980, que seria o T5, era um fiasco!

Jody Scheckter contou assim: “Foi um péssimo ano para a Ferrari, um dos piores. O carro comia borracha, tinha um péssimo efeito-solo. Onde todos ganharam velocidade nós perdemos. O que a Ferrari fez foi pegar no T4, que era um bom carro, e modificaram-lhe a frente num daqueles workshop em que tudo se baseia na teoria. Assim quando o carro ficou pronto constatamos que era muito pior que o antigo.”

As casas de apostas de Londres apontavam Gilles como o grande favorito para 80 e pagavam 3/1, Jones, que tinha dominado a segunda metade da temporada anterior, estava cotado a 7/2, Jody a 4/1 e Reutemann a 5/1. A realidade não foi nada disso.

Gilles conseguiu apenas seis pontos no campeonato e Jody, o campeão do mundo, dois. A Ferrari conseguiu somente oito pontos no campeonato de construtores. Alan Jones, no seu Williams, foi o campeão com 71 pontos, fruto de 5 vitórias, 3 segundos lugares e dois terceiros. Nelson Piquet, com o Brabham, foi vice-campeão com 3 vitórias e 2 segundos lugares. O Ferrari foi uma decepção estrondosa, pois além de não conseguir alcançar o efeito-solo tinha um defeito de concepção que o fazia comer pneus com um apetite voraz e raríssimas foram as corridas em que ambos os carros não foram obrigados a troca-los.

A classificação média de Gilles nos treinos foi 12º (pior um 22º) e Jody foi 17º (pior um 26º/DNQ). Por algumas vezes, Gilles deu o ar da sua graça com os seus arranques fabulosos ou com algumas recuperações fantásticas e nunca se poderá dizer que ele não deu o máximo. Aliás, filosoficamente, por altursa do GP de Inglaterra, ele declarou que este ano estava a esforçar-se muito mais que o ano anterior, mas como era pelo oitavo lugar, as pessoas não notavam e não valorizavam.

Show mesmo deu no GP do Mónaco ,que era o seu preferido, e era-o porque era onde melhor podia medir os seus limites. Gilles considerava os treinos de qualificação em Mónaco o lugar ideal para poder saber se estava ou não em forma. Media-a pela quantidade de vezes que “beijava” os "guard-rails" em slides controlados. Gerald Donaldson, na biografia da sua autoria sobre Gilles Villeneuve, afirma que nos treinos de qualificação de 5ª feira, à chuva, ele teria tocado/beijado nos "guard-rails" entre 20 e 30 vezes. Estava endiabrado e esse esforço deu-lhe o 2º lugar da classificação, com um carro em média 3 segundos mais lento comparativamente aos melhores. Assim era Gilles...

Um ponto que é interessante abordar sobre as principais virtudes do Canadiano era a sua capacidade de efectuar grandes arranques. Ele era inquestionavelmente um especialista na matéria e tinha uma técnica muito sua para faze-lo.

No seu inicio de carreira tinha competido em dragsters no Canadá, e sendo essa essencialmente uma competição de arranques, tinha-lhe dado uma coordenação muito apurada onde a concentração e a mecanização dos movimentos era importantíssima. Fora isso, Gilles usava qualquer sinal de luzes no trânsito normal como uma largada de corrida, e isso dava-lhe treino suplementar. Contudo, e pelo que ele contou, os seus principais truques eram outros e eram em primeiro lugar preparar a largada.

E como é que ele o fazia? Quando se estava a dirigir para o seu lugar de largada em vez de vir devagar e estacionar como todos os outros vinha a abrir e invariavelmente bloqueava as rodas quando travava a fundo para parar. “Por azar” a travagem passava sempre uns metros do seu lugar de largada e depois ele era trazido para trás. Todos diziam que ele era doido, mas o que ele estava a fazer era pura e simplesmente pôr borracha no chão no exacto lugar onde as rodas no arranque patinavam. Assim largava sobre borracha, era o único e ninguém reparava... achavam que era exibicionismo! Eh,eh,eh.

O outro truque tinha a ver com as luzes e era muito simples: em vez de se concentrar no semáforo onde a luz verde iria aparecer, concentrava-se no da luz vermelha no preciso momento em que desaparecia. Eram milésimas de segundo que permitiam-lhe quase invariavelmente fazer melhor que os outros. Só no GP da França desse ano, ultrapassou 8 pilotos na primeira volta! Era realmente um piloto que fazia a diferença, e que pelas suas técnicas pouco ortodoxas era injustamente classificado como extravagante.

Apesar de este ser um ano horrível a nível de resultados, Gilles estava na berlinda e vários chefes de equipa o sondaram para que mudasse de equipa mas Gilles não queria, pois sentia-se muito bem na Ferrari, que lhe tinha dado a primeira oportunidade séria na Formula 1 e acreditava que a equipa recuperaria a sua forma brevemente.

Era ele que estava encarregue dos testes de desenvolvimento do novo motor turbo que a Ferrari estava a desenvolver, e sabia que o caminho nos próximos anos seria esse, não só pelos resultados dos testes, como também pelo excelente trabalho que a Renault já estava a mostrar no Mundial de Formula 1.

Estreou publicamente o “motor com rodas” (como lhe chamava Enzo), Ferrari 126C Turbo, nos treinos de Sábado do GP da Itália, que esse ano se correu em Imola no circuito Dino Ferrari, baptizado assim em homenagem ao filho do Comendador. Gilles foi mais rápido com o 126C do que com o T5, mas devido à juventude do mesmo, decidiu correr com o mais testado.

Este GP ficou marcado por dois grandes acidentes na famosa curva Tosa (onde mais tarde morreu Roland Ratzenberger) com os dois Ferrari oficiais. O primeiro foi nos treinos com Jody, e depois na corrida foi Gilles. Foram dois desastres pavorosos, pois naquela curva os carros passam lá a mais de 260km/h e se Jody bateu de trás, Gilles bateu de lado e não ficou bem. Pela força do impacto perdeu a visão por cerca de 30 segundos e isso preocupou-o muito. Fora isso, durante alguns dias sofreu de dores de cabeça fortes e teve grandes dificuldades para dormir. O Ferrari mostrou a sua cepa e nos dois casos salvou a vida aos pilotos, segundo Gilles isso deu-lhe confiança para arriscar ainda mais.

Por esta altura, Jody tinha já comunicado a Ferrari e também publicamente, que abandonaria as competições no final desse ano e foi neste GP que se levantou o véu sobre quem acompanharia Villeneuve em 81. Durante os treinos, Didier Pironi disse aos midia que estava muito contente porque tinha assinado contrato com uma equipa para 1981 onde não havia ordens de equipa entre primeiro e segundo piloto. No Domingo de manha, a Ferrari confirmou que seria ele que iria guiar na equipa. Ao pedirem a Gilles que comentasse as declarações de Didier, Gilles, com um sorriso respondeu:

Quem vai ser o numero um? O cronómetro é que vai decidir isso, só conheço Pironi de dizer olá mas sei que é muito rápido. Sendo assim tenho que bate-lo não é?” No dia seguinte, Guy Ligier veio à imprensa dizer que Pironi tinha faltado á sua palavra, pois tinha se comprometido a guiar mais um ano para ele, que era um homem sem palavra… sem comentários.

O GP do Canadá desse ano ficou marcado por várias coisas: Alan Jones sagrou-se campeão mundial desse ano, depois de na 1ª volta ter trocado “sopapos” com o seu rival na conquista do título, Nelson Piquet, que ocasionou uma segunda largada. Jody Scheckter, campeão do mundo em título, não conseguiu se classificar, foi a primeira vez que tal aconteceu a um campeão do mundo em título. Gilles foi 22º, demonstrando toda a "qualidade" do Ferrari.

Na corrida, o canadiano conseguiu um 5º lugar final, tendo Gilles afirmado que foi uma das suas melhores corridas, chegando atrás de John Watson e á frente de Hector Rebaque, e a uma volta do seu futuro companheiro de equipa Didier Pironi, que ganhou a corrida, á frente do novo campeão e de Carlos Reutemann. [Contudo, Pironi foi penalizado um minuto por falsa partida, e caiu para o terceiro lugar, dando a vitória a Jones]

E finalmente chegou o último GP da “saison”, em Watkins Glen. Sem história, pois Gilles desistiu, depois de se classificar em 18º, e Jody Scheckter, depois de se classificar em 23º, conseguiu chegar em 11º, para na chegada ás boxes levar o maior banho de champanhe da sua vida dos seus mecânicos, na sua despedida da Ferrari e do automobilismo de competição.

No final da temporada, Gilles disse o seguinte:Foi uma longa e frustrante época, mas não totalmente inesperada. Toda a gente parecia pensar que eu iria ganhar o titulo este ano – todos menos eu. Ferrari estava muito mais confiante do que eu. Acho que eu era mais realista. Este foi um ano de transição para a Ferrari porque estivemos a desenvolver o carro turbo e eu sabia que muitos dos outros estariam à nossa frente."

"Não estava á espera de ganhar o campeonato, mas pensava que ia ganhar algumas corridas. Não estou desencorajado. É um problema temporário. Quando se tem muito azar e as coisas não correm bem, fica-se tentado a guiar mais devagar só para chegar ao fim. Mas eu não quero ser assim. Num Formula Um, você tem que ser você mesmo. Se isso não for assim, está-se a pedir problemas. Sendo assim não me interessa o que as pessoas ou os midia dizem e não vou alterar a minha atitude. Vou guiar sempre da mesma maneira e isso quer dizer que vai ser sempre a fundo, e se isso me der o campeonato, melhor, ficarei muito feliz. Até agora ganhei 4 Grandes Prémios e o meu objectivo é ganhar três campeonatos do mundo e 27 corridas como o recordista Jackie Stewart. Sendo assim é melhor ir andando.”


(A continuar)

2 comentários:

  1. Muito boa a historia de Gilles,mas me desculpa eu estou ancioso pelo final,queremos mais abracao e parabens!!1

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Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...