sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Como bons pilotos se tornam maus patrões

A revista Autosport desta semana tem uma matéria bem interessante, escrita pelo Luís Vasconcelos, sobre a razão porque Emerson Fittipaldi, Alain Prost ou John Surtees foram uns fracassos como chefes de equipa, depois de serem bem sucedidos nas pistas. A resposta a isso é simples: mentalidade. Ainda pensam como pilotos, mesmo após a retirada das pistas. Claro, há notáveis excepções, como Jackie Stewart, Bruce McLaren e Sir Jack Brabham, mas estes eram simultaneamente pilotos, e no caso de “Black Jack”, quando se retirou, teve o bom senso de também vender a sua equipa para Ron Tauranac.


Eis o artigo, na integra:


BONS PILOTOS, MAUS PATRÕES
Luís Vasconcelos

Raramente o povo se engana. Lá diz o ditado portuguêsQuem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?A moral da história aplica-se na Formula 1, no que respeita aos bons pilotos que decidiram montar equipas depois de colocarem termo às suas carreiras. John Surtees, Emerson Fittipaldi, Graham Hill e Alain Prost foram todos Campeões do Mundo de Formula 1,mas nem uma só corrida ganharam como patrões de equipa, apesar de terem tido meios, pessoal e pilotos capazes de conseguir grandes resultados.

John Surtees teve, por exemplo, Alan Jones e John Watson na sua equipa; Graham Hill, na sua única temporada como construtor (pois faleceu no final de 1975 num acidente de aviação), contou com Jones no seu serviço; Fittipaldi teve Keke Rosberg na sua equipa, e Prost teve Panis, Trulli, Alesi e Frentzen na sua equipa, mas também não conseguiu vitórias nem bons resultados.

O que leva, então, pilotos de topo a falharem de forma clamorosa nesta passagem do volante para o muro das boxes? Segundo Rosberg,eles olham esta mudança como a forma de se manterem na Formula 1 e serem competitivos, pois o seu tempo como pilotos acabou. Mas continuam a pensar como pilotos, a decidir como pilotos, a agir como pilotos. E para ser patrão duma equipa de Formula 1 é preciso trabalhar muito, ser bom gestor e ter capacidade para delegar e escolher bem os nossos colaboradores. E é aí que os ex-campeões falham por completo”.


Sem a mentalidade certa


Jo Ramirez, que trabalhou com Fittipaldi, tem uma teoria pertinente, fazendo a comparação entre o brasileiro e Ron Dennis: “O que é que um piloto faz enquanto não está com a equipa ou em acções promocionais? Vai para a praia, dorme, sai com os amigos, namora o mais que pode e descansa ainda mais. O que faz um patrão de equipa quando as corridas acabam? Apanha o primeiro avião para casa e no dia seguinte, às oito da manhã, está na fábrica para trabalhar 12 a 14 horas por dia até à corrida seguinte. Para o Emerson, o trabalho fora das pistas era um fardo, para o Ron era a base do seu sucesso!"

Acresce a esse desinteresse por tudo que seja organização, burocracia, trabalho em grupo e motivação dos empregados, se junta a inconsciente ideia de que os pilotos contratados lhe são interiores, para que as relações patrão-piloto sejam complicadas, como relembra Heinz-Harald Frentzen: “Até gostei de estar na Prost, apesar da falta de resultados, mais o Alain ainda pensava como piloto e em vez de se concentrar no seu trabalho, concentrava-se no meu. Por isso, raramente o carro esteve como eu gostava que estivesse acertado, e a equipa nunca fez um bom trabalho a nível da organização.”


Jones sem papas na língua


O australiano Alan Jones, que hoje em dia dirige a equipa de A1GP do seu país, pilotou para Graham Hill e John Surtees a meio da década de 70. E a verdade é que ele só guarda más recordações desses momentos: “Os dois piores patrões que tive foram dois ex-campeões do Mundo. Como tinham sido bem sucedidos, dez anos antes, pensavam que ainda sabiam tudo, queriam ser eles fazer o acerto dos carros, a testá-los entre as corridas. Mas quando testavam, já eram dois a três segundos por volta mais lentos do que nós e, por isso, estavam a perder o seu tempo e o nosso.” Jones preferiu mesmo ficar apeado a correr com a Surtees em 1977, pois tinha contrato com “Big John”, mas não queria cumprir. Foi salvo por Jackie Oliver, que necessitava de um piloto para substituir o malogrado Tom Pryce depois do GP da Africa do Sul daquele ano, pagando à Surtees para o libertar.

Mas o australiano ainda relembra do dia em que, para justificar a falta de andamento do TS19, “Big John” disse-lhe queo problema é que o chassis é demasiado bom e equilibrado, o que não permite que os pneus trabalhem ao seu melhor nível, porque não são forçados a isso!” A resposta de Jones, típica da sua maneira de ser, fez história: “Bom, John, se é assim, porque é que não f*** um bocadinho a afinação?”


Brabham foi excepção


Sir Jack Brabham foi a excepção a essa regra, pois aos três títulos de Campeão do Mundo de Pilotos, juntou outro como construtor, com Dennis Hulme ao volante. Mas quando parou de correr, o australiano vendeu a sua parte e voltou para casa, pois não queria estar na Formula 1 sem ser como piloto.

Para quem trabalhou com ele, como Ron Dennis
: “Jack era antes de mais nada, um técnico que pilotava muito bem. Nunca foi o mais dotado dos pilotos, mas era seguramente o mais tenaz. Só que a sua verdadeira motivação era de construir carros melhores que os da concorrência e ganhar com eles”. Por isso abandonou a Cooper, com o qual venceu dois mundiais – mesmo se já trabalhara no projecto e construção dos chassis – para formar a sua equipa. Custou-lhe perder o Mundial de 1967 para Hulme, seu companheiro de equipa, mas venceu corridas até ao seu último ano como piloto, depois, virou as costas à Formula 1 e regressou à Austrália.


Onde encontrar:

Autosport – 23 de Fevereiro a 2 de Março de 2009, pgs 44 - 46

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