segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

GP Memória - Brasilia 1974

É raro, mas acontece eu falar sobre uma corrida extra-campeonato. E este é diferente, pois é o caso em que o regime militar brasileiro se aproveitou da Formula 1 para propagandear as virtudes, construindo um Autódromo na capital do país, e convidando os pilotos de Formula 1 para inaugurá-la.



Desde o início das competições automobilísticas, no final do século XIX, as competições automóveis ou as equipas automobilísticas foram vistas como “montras” da engenharia e do poder das nações. Os “Grand Prix” nacionais só teriam sentido se fossem ganhas por uma máquina nacional, e ver um adversário era mau sinal, péssimo se fosse o “inimigo” a ganhar. Quando a Mercedes ganhou os “Grand Prix” de França de 1908 e 1914, os vencedores foram recebidos no mais gelado silêncio, pois as máquinas nacionais, as favoritas, tinham sido copiosamente batidas por aquilo que anos mais tarde a Audi cunhou na sua frase de marca “Vosprung Durch Technik” (A Perfeição Através da Técnica).


Vinte anos depois, quando o regime nazi subiu ao poder, Adolf Hitler, um amante do automobilismo, usou subsídios federais de 500 mil “reichmarks” à Mercedes e à Auto Union para desenvolverem máquinas capazes de demonstrar que a “superioridade ariana” também significava a superioridade das máquinas alemãs face à concorrência italiana. As vitórias eram tão óbvias que, no GP da Alemanha, os organizadores só tinham um disco com o hino alemão. Quando Tazio Nuvolari teve a sua vitória mais mítica, na edição de 1935, a sorte dos organizadores era que Nuvolari tinha sempre consigo um disco com o hino italiano…


Serve todos estes exemplos para explicar a história que se segue. Em 1974, o Brasil vivia os "anos de chumbo" da Ditadura Militar, chefiada pelo general Emilio Medici, mas vivia também o seu período áureo. O crescimento do pais, no ano anterior, tinha sido de 11,3 por cento, mas essa face alegre escondia um regime brutal de repressão, censura férrea (estava em vigor o Acto Institucional Numero 5, que quando foi instalado, em 1968, fechou o Congresso, cassou os mandatos dos deputados da oposição, permitiu ao Presidente da República governar por decreto, e suspendeu o “habeas corpus” em processos políticos, entre outros), torturas e assassinatos extrajudiciais, um preludio ao que aconteceria depois no Chile (nesta altura, já estava a acontecer) e na Argentina, embora nesses países, as coisas tenham sido ainda mais brutais.


O regime, instalado em Brasília, decidiu aproveitar a “onda” automobilística causada pela conquista do Mundial por Emerson Fittipaldi, como tinha feito dois anos antes com o tri-campeonato conquistado pelo Brasil, e construiu um autódromo em Brasília, ufanamente baptizado de “Autódromo Emilio Médici”, e criou um "I Grande Prémio Presidente Médici", prova extra-campeonato, como ponto alto das celebrações da inauguração do autódromo.


A 2 de Fevereiro de 1974, 85 mil pessoas assistiram à corrida de Formula 1, onde Emerson Fittipaldi convenceu apenas 12 pilotos para participar nessa corrida. Ferrari e Lótus não compareceram, e Wilson Fittipaldi alugou um Surtees para poder participar na sua única prova do ano, pois ele nesta altura já se encontrava a preparar a aventura da Copersucar. Para além dos manos Fittipaldi, participaram os March de James Hunt, Hans Stuck e Jochen Mass, o Tyrrell de Jody Scheckter, o Brabham de Carlos Reutmann, os Iso-Marlboro de Arturo Merzário e Howden Ganley, os BRM de Jean-Pierre Beltoise e Henri Pescarolo, e o Surtees de José Carlos Pace.


Foi uma corrida pequena (40 voltas) e sem história: Emerson, vindo de uma vitória em Interlagos, venceu-a de novo, sem problemas, pois o seu maior rival, Reutmann, quebrou cedo depois de largar do primeiro lugar da grelha. Scheckter foi segundo e Merzário foi terceiro. Wilson Fittipaldi terminou a corrida na quinta posição, a uma volta do seu irmão.


Contudo, essa corrida marcou a estreia de um jovem rapaz de 21 anos, nas lides da Formula 1. Entrando como “clandestino” nas boxes do circuito, fez um “bico na equipa Brabham, limpando o capacete de Reutmann, e segurando o guarda-sol, só para estar em contacto com aquelas máquinas. Consta-se que Reutmann nunca gostou muito do serviço do garoto, que já corria, mas com o apelido da mãe, para que os pais não soubessem.


Sete anos depois, Nelson Piquet, esse garoto que entrara clandestino nas boxes de Brasília, tornara-se campeão do Mundo pela Brabham, batendo Carlos Reutmann. Consta-se que ele entregou o seu capacete às mãos do argentino, afirmando: “Talvez não sirva para limpar o teu capacete, mas talvez possas limpar o meu”. Se é verdadeira ou não, desconheço…


No final da corrida, os três pilotos subiram à tribuna para receber as suas taças das mãos de Emilio Médici, o ditador da altura, que curiosamente estava nos últimos dias de seu mandato. A 15 de Março desse ano, era substituído por outro militar, Ernesto Geisel. Este decidiu encetar um processo de abertura politica, que só ficou concluído dez anos depois, com a eleição de um civil, Tancredo Neves.


Quanto à pista, ninguém gostou. Muitos afirmaram que fazia lembrar um kartódromo, e nunca mais foi corrida por carros de Formula 1. Hoje em dia correm-se várias provas internas, e o Autódromo é um dos dois no Brasil que foram baptizados de “Nelson Piquet”…


P.S: Quero agradecer, mais uma vez, ao Rianov Albinov por ter sido o meu "bombeiro de serviço" em relação às fotos e a algumas imprecisões que havia em relação aos participantes nesta corrida extra-campeonato, politicamente aproveitada pelo regime de então...

3 comentários:

  1. Acho que o Robert Wickens (Ou seria o Burti?) quebrou o recorde da pista no ano passado com um Red Bull RB1.

    Alguem confirma isso?

    Abraços

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  2. Amei a declaração do Piquet que para mim foi o maior piloto de formula 1 do Brasil e mostra que não é só bom de volante mas com a lingua também.

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Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...