quarta-feira, 29 de abril de 2009

Os Três Dias de Imola - Parte 1


Quinze anos depois, todos os que têm idade para se lembrar não esquecem dos eventos que ocorreram nos dias 29 e 30 de Abril, e principalmente para os brasileiros, o dia 1 de Maio de 1994. Os eventos chocaram o mundo desportivo (e não só) naquela altura, mostrando a todos que apesar do risco estar bastante diminuído, as hipóteses de algum piloto morrer numa competição ainda existiam, apesar de todas as seguranças existentes. E para piorar as coisas, a morte de dois pilotos de Formula 1, um dos quais o principal protagonista desse “circo”, levou o automobilismo a um período de confusão, pânico e desorientação, que resultaram em mais alguns acidentes que, apesar de não terem sido fatais, marcaram as careiras dos pilotos envolvidos. Mas o que se vai falar aqui é um relato o mais minuncioso quanto possível sobre estes três dias que abalaram os alicerces da Formula 1.


Em Abril de 1994, este vosso escriba tinha 17 anos, e no seu último ano do Liceu. Já pensava nos exames de acesso à Universidade, enquanto assistia aos noticiários do dia, onde se falava das primeiras eleições multipartidárias na Africa do Sul, ganhas por Nelson Mandela, e ouvia também os relatos de um pais distante chamado Ruanda, onde a maioria hutu matava tutsis às dezenas de milhar, no pior genocídio desde a II Guerra Mundial. Também ouvia os conflitos na antiga Jugoslávia, e no cerco a uma cidade chamada Sarajevo, onde morriam algumas pessoas por dia, vitimas do frio, da fome, dos bombardeamentos ou de algum sniper sérvio…


Também lia os jornais e como toda a gente, estava preocupado com a performance de Ayrton Senna, que todas as casas de apostas lhe davam como favorito para conquistar o tetracampeonato, no seu Williams FW16, que se esperava ser melhor, ou pelo menos tão bom, do que os modelos anteriores. Mas tinha agora a inesperada concorrência do Benetton B194, desenhado por Rory Bryne, e guiado por Michael Schumacher.


Imola era o primeiro Grande Prémio em solo europeu, depois do começo de temporada no Brasil e de uma ida ao Japão para estrear o apertado circuito de Ti-Aida. A situação no Mundial de Formula 1 de 1994 era inesperada: o jovem alemão de 25 anos, Michael Schumacher, liderava confortavelmente o campeonato, com 20 pontos, enquanto que o seu maior rival, Ayrton Senna, que finalmente estava na equipa do momento, a Williams, não tinha qualquer ponto. O piloto brasileiro tinha de reagir o mais depressa possível, pois caso falhasse uma terceira vez, este era um campeonato perdido, ainda por cima para um jovem alemão, na sua terceira época de Formula 1…


Sexta-feira, 29 de Abril de 1994.


A previsão do tempo para esse fim-de-semana era de céu limpo, num clima quente e seco. De facto, eram mesmo agradáveis, aqueles dias de Primavera que se viviam naquela altura no centro de Itália. Depois de uns treinos livres sem problemas, passou-se para a primeira sessão de qualificação, onde os 28 carros tentariam dar o seu melhor, dos quais apenas 26 iriam conseguir a qualificação para o dia da corrida, que se iria disputar a 1 de Maio, dia de feriado em Itália, bem como noutras partes do mundo.


Tudo correu bem até poucos minutos após o começo da qualificação. Rubens Barrichello vinha rápido na Variante Bassa, tentando marcar um bom tempo, quando travou demasiado tarde para fazer a chicane e bateu forte no muro dos pneus. A súbita desaceleração (mais de 17 G’s, creio eu), fez perder os sentidos do jovem piloto brasileiro. Barrichello só acordou cerca de uma hora mais tarde, no centro médico do circuito, com o nariz partido. Foi transportado para o Centro Médico de Bolonha, não sem antes dizer: “Avisa o Gary (Anderson, então o director técnico da Jordan) para preparar o meu carro. Amanhã estou de volta”.


Rubens ficaria a noite para ser observado, e regressaria no dia seguinte, mas o médico da FIA, Dr. Syd Watkins, não o autorizou a correr nesse fim de semana, deixando um só carro para o outro piloto, o regressado Andrea de Cesaris, que substituía Aguri Suzuki no lugar de Eddie Irvine, suspenso por três corridas depois da carambola provocada por ele no primeiro Grande Prémio da temporada, no Brasil.


A sessão continuaria, com Ayrton Senna a marcar o seu melhor tempo de 1.21,548, que depois viria a dar a pole-position para aquela corrida, a 65ª e última da sua carreira. Michael Schumacher ficava logo a seguir, mas estava a mais de meio segundo de Senna, mesmo com motores Ford Zetec de qualificação, que lhe dariam mais uns cavalos extra. E nessa tentativa de ser mais rápido, chegou a perder o controlo do seu carro na mesma Variante Bassa… mas sem tocar em nada. Depois dos dois pilotos, vinha o Ferrari de Gerhard Berger, que tinha montado um novo motor V12, com um ângulo de 75 graus. Dava-lhe potência em recta, mas ainda não era suficiente para apanhar Senna e Schumacher.


No final do treino, Senna foi ver Barrichello ao hospital. Estava assustado, mas fez-se de forte e foi lá para dar força ao seu colega de profissão e compatriota. Damon Hill disse depois uma frase que valia o sentimento de toda a gente naquele dia, e o pensamento da altura: “Depois do acidente de Rubens, paramos um bocado, mas voltamos aos nossos carros e prosseguimos a qualificação, convencidos que os nossos carros eram duros como tanques, e poderíamos ficar abalados, mas não feridos.”


Era também esse o meu sentimento. Nessa altura já via corridas há pelo menos dez anos, e vira acidentes poderosos, como o do Philippe Alliot, no México, em 1988, e o de Derek Warwick, na primeira volta do GP de Itália de 1990, onde saiu do seu próprio pé e foi correr de novo com o seu carro de reserva, poucos minutos depois. E vira, poucas semanas mais tarde, as imagens chocantes do seu companheiro de equipa, Martin Donnely, no asfalto de Jerez, após um forte acidente que “explodiu” o habitáculo do seu Lótus. Mas apesar das feridas, sobreviveu. Para um rapaz de 17 anos, como eu era na altura, achava que eram testemunhos suficientes de que os carros eram fortes, e que as mortes na Formula 1 eram coisa do passado. Portanto, quando vi o apresentador do Telejornal da RTP dizer, na abertura da peça sobre o acidente do Barrichello, que “o piloto brasileiro escapou hoje da morte”, achei que era um enorme exagero. Os dois dias seguintes encarregariam de desmentir as minhas afirmações…


(continua amanhã)

7 comentários:

  1. Eu tinha 13 anos na época e lembro de ter me assustado com o acidente do Rubinho... não poderia imaginar que o pior ainda estava por vir.... Bela série Speeder.... Parabéns!

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  2. Arrisquei-me um pouco a falar sobre esse dia, ano passado. Acho que usamos as mesmas fontes, para contar o que é um dos episódios mais interessantes da carreira do Barrichello: http://cadernosdoautomobilismo.blogspot.com/2008/04/avisa-o-gary.html

    Quanto a este ano, quis começar por relembrar o que aconteceu há cinco anos, não há quinze...

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  3. Daniel:

    De facto, tens razão. Afinal, compro os anuários do Francisco Santos desde 1989, logo, são boas fontes para o que aconteceu. Mas não são as unicas. Nos dias que seguirão, vou usar mas algumas. Até lá e continuem a seguir-me!

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  4. Parabéns pela história, muito boa!!
    Eu também era uma menina de 17 anos no último ano do segundo grau.
    Daí que lembro de um outro fato que assomou nesses dias na TV: o suicídio do líder do grupo Nirvana, Kurt Cobain e as polêmicas entre os fãs e a viúva Courtney Love (o que continuou durante bastante tempo).

    Já fico esperando a segunda parte...

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  5. Boa Speeder, to no aguardo dos outros capitulos.

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  6. Estes dias que antecedem ao 1º de Maio estão me deixando mais sensíveis a coisas simples da vida.
    Nunca senti isto em uma época específica do ano... Estranho

    A paixão por Ayrton cresceu ainda mais também.

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Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...