Domingo, 1 de Maio de 1994
Quando o sol de levantou, todos ainda digeriam as ondas de choque da véspera. Quem fosse a uma banca de jornais para comprar a edição daquele dia, não poderiam escapar às chamadas de primeira página, onde se viam, em fotos grandes, ou os destroços do carro de Ratzenberger, ou o estertor final do piloto austríaco, enquanto que os paramédicos tentavam desesperadamente salvá-lo. Toda a gente sabia que o piloto da Simtek tinha morrido na hora, mas o facto de só ter sido declarado morto no Hospital de Bolonha, quase duas horas depois do acidente, era uma forma simples da FIA impedir o cancelamento da corrida pelas autoridades locais, e os subsequentes prejuízos que tal coisas poderia ter em termos económicos.
Ayrton Senna estava nitidamente preocupado. Não só pelos acontecimentos da véspera, mas também por saber que o seu carro não era o mais estável do pelotão. Sabia das modificações que tinham sido feitas, nomeadamente a coluna de direcção modificada do seu FW16, para que pudesse adaptar-se ao seu estilo de condução. Isso o tornava nervoso e instável. E tinha dito isso na manhã desse dia à imprensa: “
No warm-up da corrida, Senna tinha de fazer uma descrição da pista à cadeia de TV francesa TF1. Antes da transmissão, e sabendo que o seu rival Alain Prost era agora um dos comentaristas, Senna afirmou algo inédito: “Em primeiro lugar eu queria mandar uma mensagem para Alain Prost: Alain, eu sinto a tua falta”. Sensibilizado, o francês retorquiu o cumprimento e foi apertar a mão de Senna pouco antes da corrida.
Entretanto, decidira levar consigo no seu bolso uma pequena bandeira austríaca, para que em caso de vitória, pudesse dedicá-la a Roland Ratzenberger. Senna era de facto alguém que se importava com os seus colegas. Ao longo da sua carreira, isso fora demonstrado por várias vezes, especialmente em 1992, quando em Spa-Francochamps, foi o primeiro a parar para ajudar Eric Comas, no seu Ligier-Renault, vitima de um forte despiste na zona de Staevlot. Nessa altura, decidira que já era tempo de reactivar a GPDA (Grand Prix Drivers Association), para defender os interesses dos pilotos, principalmente na área da segurança, e decidira transmitir essa ideia aos seus companheiros. A coisa aconteceu, mas Senna não pode ver os frutos do trabalho.
Todos decidiram correr, incluindo a Simtek, que não tinha vontade, mas que foi pressionada, alegadamente por Bernie Ecclestone, para alinhar David Brabham na grelha. Não era aquilo que desejavam para fazer o luto pelo seu piloto, mas o espectáculo que movia centenas de milhões de dólares por dia, muito do qual ia parar aos bolsos do próprio Bernie, tinha de continuar.
Senna continuava nitidamente preocupado. Tão preocupado que, na altura em que deu a sua habitual volta de aquecimento antes de se colocar na pré-grelha, deu três voltas, em vez das habituais duas. Ainda tinha imensas dúvidas sobre tudo: o carro, as escapatórias do circuito, a segurança… tudo. Provavelmente tinha a noção de que aquele poderia ser o seu fim, e se o teve, andou muito tempo a hesitar, antes de o aceitar, eventualmente esperançado de que ainda existisse uma escapatória. Esses pensamentos que assolavam Senna nos minutos anteriores à primeira partida foram levado para o túmulo consigo.
Poucos minutos antes das 14 horas, os 26 carros rolavam em pista para a volta de aquecimento. Senna e Schumacher estavam na primeira linha, Berger e Hill na segunda, Letho e Larini na terceira, Frentzen e Hakkinen na quarta, e a fechar o “top ten”, Katayama e Wendlinger. Lamy era 22º, no seu Lótus, e o lugar de Ratzenberger, que tinha conseguido a qualificação, na 25ª e penultima posição, fora deixado vago em sinal de respeito.
Quando a partida foi dada, todos os carros se lançaram para Tamburello. Mas um carro ficara parado: é o de J.J Letho. Todos se tentam desviar dele, e nos segundos que se seguem, todos esperam que nada aconteça. Mas no meio da confusão da partida, no fundo do pelotão, vem Pedro Lamy, que ignorando o que se tinha passado centenas de metros à sua frente, só se apercebe do Benetton parado em cima da hora. E não evita o choque.
O carro fica sem lado direito, arrancado pelo outro chassis, e os seus milhares de pedaços caem nas bancadas, ferindo quatro pessoas. O Lótus vai parar do outro lado da pista, com o piloto português ileso. Temeu-se por um cenário semelhante ao de Riccardo Paletti, doze anos antes, mas aqui, o Lótus só atingiu o Benetton de lado, e não de frente. Mas isso fez com que entrasse o Safety Car, para limpar os milhares de pedaços de carbono espalhados pela pista.
Por esta altura, eu desconhecia todos estes eventos. Estava em viagem, a caminho de Coimbra, para visitar os meus avós. Tinha plena consciência de que iria falhar o início da corrida, e só esperava que os acontecimentos de ontem tivessem acabado por ali. Estava enganado, mas todos nós tínhamos esse pensamento…
Nas seis voltas seguintes, o Safety Car, um Opel Vectra da organização italiana, ordenava os carros tal como estavam no final da primeira volta: Senna, Schumacher, Berger, Hill e Larini. Nessa altura, os carros tinham um fundo plano, que ficava a poucos centímetros do chão, para evitar qualquer tipo de efeito-solo naqueles carros. Numa situação destas, os carros perdiam pressão nos pneus, que fazia com que essa distância se aproximasse ainda mais. Essa perda de pressão dos pneus é considerada até hoje como uma das causas mais prováveis do despiste de Senna, volta e meia depois do recomeço da corrida.
Quando assisti pela primeira vez ao minuto e meio que seguiu entre o recomeço da corrida e o impacto de Senna na (falsa) Curva Tamburello, veio à minha mente outro evento que tinha visto oito anos antes: a explosão do vaivém Challenger, a 28 de Janeiro de 1986. Ambos os eventos têm o seu paralelismo: foram transmitidos em directo, perante milhões de pessoas pelo mundo inteiro. E as câmaras captaram os momentos do impacto. E ver um desastre a acontecer, nessa altura (e tive a mesma sensação sete anos mais tarde, quando dos eventos do 11 de Setembro de 2001), fica-se com uma sensação estranha de que tudo está a acontecer, és testemunha, mas não podes fazer nada. Sentes-te impotente, é só.
Após o impacto, a bandeira vermelha é mostrada e a corrida interrompida. Os paramédicos acorrem aos destroos do Williams número 2, tentando socorrer o piloto. As manobras de reanimação decorrem durante largos minutos, sem grande resposta. Os paramédicos só retiram o capacete do piloto com a presença do Dr. Syd Watkins, o médico da FIA. Quando o fazem, uma larga poça de sangue sai do capacete, sinal de que tinha havido uma enorme hemorragia, causada (soube-se depois) pela peça do braço de suspensão direita, no momento em que o carro bateu no muro. Essa peça entrou pela viseira do capacete, e causou um afundamento na face frontal, com perda de massa encefálica.
“Senna deu um grande suspiro. Seu rosto estava tranquilo. Parecia em repouso. Tive ali, no momento em que o socorria, a estranha sensação de que sua alma tinha partido”, contou o Dr. Syd Watkins anos depois, na sua biografia.
Sem conseguir reanimá-lo pelas vias normais, teve de ser feita uma traqueotomia de emergência na pista, para evitar que morresse sufocado. Conseguida a operação, Senna é estabilizado e transportado de helicóptero para o Hospital Maggiore de Bolonha, o mesmo onde tinham estado Barrichello e Ratzenberger. Na pista, é a confusão total. Poucos não fazem ideia total do que está a acontecer. Conferencia-se durante mais de uma hora, e decide-se que a corrida seria dividida em dois: as seis voltas iniciais, mas as 53 voltas restantes, sendo o vencedor o piloto que somar os dois tempos. Nessa altura, o líder era Schumacher, com 5,3 segundos de vantagem sobre Berger.
Na segunda partida (foi nessa altura que cheguei a casa para ver os acontecimentos), Berger salta para a frente, tentando se distanciar de Schumacher. A ilusão dura dez voltas, altura em que fez o seu primeiro reabastecimento. Mas pouco depois, as vibrações anormais do seu carro, devido a um problema de suspensão, fazem com que abandone a corrida na volta 17. Após isso, Schumacher liderou tranquilamente a corrida, com o outro Ferrari de Nicola Larini num distante segundo lugar, e com uma estratégia de apenas uma paragem. Foi o melhor resultado do simpático piloto italiano, que agora piloto oficial da Chevrolet no WTCC. Depois vinha um pelotão liderado por Mika Hakkinen, no seu McLaren-Peugeot, que tinha atrás de si o Sauber de Karl Wendlinger, o Tyrrell de Ukyo Katayama e o Williams de Damon Hill, que sofrera um despiste nas voltas iniciais, e ficou uma volta abaixo do vencedor, Michael Schumacher.
Entretanto, por esta altura, já se sabia da gravidade do estado de Senna. Estava em coma, e já se falava que tinha tido uma paragem cardíaca em pleno circuito, mas que os paramédicos conseguiram estabilizar o estado de saúde. Nessa altura, boa parte da imprensa já ia a caminho do Hospital Maggiore de Bolonha, para saber de novidades. Às 16:30, o primeiro boletim clínico, emitido pela equipa liderada pela chefe da neurologia, Dra. Maria Tereza Fiandri, era desanimador: o piloto brasileiro apresentava “um traumatismo craniano profundo, choque hemorrágico e coma profundo”. Esta hemorragia tinha sido causada “pelo rompimento da artéria temporal superficial”, devido à entrada do tal braço de suspensão pelo capacete adentro. Nessa altura, os médicos ainda discutiam se deveriam operá-lo de urgência, para tentar estancar a hemorragia. Mas quando viram que a lesão estava localizada na caixa craniana, essa hipótese foi descartada, devido à delicadeza da operação, e as dúvidas sobre algum eventual bom resultado. Senna era agora um vegetal, mas a morte cerebral ainda não tinha sido declarada.
No Brasil, o país assistia em estado de choque a todos estes acontecimentos, e quem tinha coragem para assistir tudo na TV, ficava por lá, esperançado num milagre. Muitos não aguentaram e saíram de casa, mas muitos choravam e rezavam por algo que poderia não acontecer. E todos esperavam pelo próximo boletim clínico.
O pelotão da Formula 1 também estava chocado. Ainda por cima, depois do acidente de Senna, outro incidente também tinha ocorrido durante a corrida: na volta 44, quando o Minardi de Michele Alboreto fazia o seu segundo reabastecimento, uma das rodas ficou mal apertada e soltou-se descontroladamente, atirando alguns mecânicos da Lótus e da Ferrari para o hospital. Quando um mal acontece, vem sempre em grupo… No pódio, ninguém estava feliz, e o champanhe não foi aberto. O vencedor, Michael Schumacher, declarara que “Não sinto qualquer satisfação por esta vitória”. Mas momentos antes, quando saíra do carro, tinha comemorado efusivamente, como se nada tivesse acontecido. E a mesma coisa ainda tinha acontecido no pódio, ignorando a gravidade de toda a situação. Tais gestos tinham caído mal em muita gente, particularmente no Brasil.
Mas agora, o mundo inteiro estava a querer saber o que se passava em Bolonha. E quando a Dra. Fiandri apresentou o boletim médico seguinte, pelas 18 horas, era o fim: “O electroencelafograma de Ayrton Senna não apresenta qualquer actividade. Continuamos com a ventilação pulmonar. Mantêmo-no vivo apenas porque a lei italiana ainda assim o exige. Não há mais esperanças”, concluiu. Por outras palavras, estava cerebralmente morto. A sua morte física foi confirmada uma hora mais tarde, quando o seu coração entrou em paragem cardíaca. Tinha 34 anos.
A notícia da sua morte só foi noticiada no Brasil uma hora depois do anúncio oficial em Itália, às 20 horas na Europa. Por essa altura, o seu irmão Leonardo velava o corpo, acompanhado por Frank Williams, o homem que lhe deu o seu primeiro teste na Formula 1, onze anos antes. Era um sonho de Frank Williams tê-lo como piloto, e quando o teve, tal relação era abruptamente interrompida. Lavado em lágrimas, pedia desculpa ao seu irmão pelo acidente fatal ter acontecido ao volante dos seus carros, pois era algo que nunca tinha acontecido antes. Para um homem como ele, que estava em cadeira de rodas oito anos antes devido a um acidente de viação, mas que anunca desistiu dos seus propósitos, era um dia negro para ele.
Quando o sol de levantou, todos ainda digeriam as ondas de choque da véspera. Quem fosse a uma banca de jornais para comprar a edição daquele dia, não poderiam escapar às chamadas de primeira página, onde se viam, em fotos grandes, ou os destroços do carro de Ratzenberger, ou o estertor final do piloto austríaco, enquanto que os paramédicos tentavam desesperadamente salvá-lo. Toda a gente sabia que o piloto da Simtek tinha morrido na hora, mas o facto de só ter sido declarado morto no Hospital de Bolonha, quase duas horas depois do acidente, era uma forma simples da FIA impedir o cancelamento da corrida pelas autoridades locais, e os subsequentes prejuízos que tal coisas poderia ter em termos económicos.
Ayrton Senna estava nitidamente preocupado. Não só pelos acontecimentos da véspera, mas também por saber que o seu carro não era o mais estável do pelotão. Sabia das modificações que tinham sido feitas, nomeadamente a coluna de direcção modificada do seu FW16, para que pudesse adaptar-se ao seu estilo de condução. Isso o tornava nervoso e instável. E tinha dito isso na manhã desse dia à imprensa: “
No warm-up da corrida, Senna tinha de fazer uma descrição da pista à cadeia de TV francesa TF1. Antes da transmissão, e sabendo que o seu rival Alain Prost era agora um dos comentaristas, Senna afirmou algo inédito: “Em primeiro lugar eu queria mandar uma mensagem para Alain Prost: Alain, eu sinto a tua falta”. Sensibilizado, o francês retorquiu o cumprimento e foi apertar a mão de Senna pouco antes da corrida.
Entretanto, decidira levar consigo no seu bolso uma pequena bandeira austríaca, para que em caso de vitória, pudesse dedicá-la a Roland Ratzenberger. Senna era de facto alguém que se importava com os seus colegas. Ao longo da sua carreira, isso fora demonstrado por várias vezes, especialmente em 1992, quando em Spa-Francochamps, foi o primeiro a parar para ajudar Eric Comas, no seu Ligier-Renault, vitima de um forte despiste na zona de Staevlot. Nessa altura, decidira que já era tempo de reactivar a GPDA (Grand Prix Drivers Association), para defender os interesses dos pilotos, principalmente na área da segurança, e decidira transmitir essa ideia aos seus companheiros. A coisa aconteceu, mas Senna não pode ver os frutos do trabalho.
Todos decidiram correr, incluindo a Simtek, que não tinha vontade, mas que foi pressionada, alegadamente por Bernie Ecclestone, para alinhar David Brabham na grelha. Não era aquilo que desejavam para fazer o luto pelo seu piloto, mas o espectáculo que movia centenas de milhões de dólares por dia, muito do qual ia parar aos bolsos do próprio Bernie, tinha de continuar.
Senna continuava nitidamente preocupado. Tão preocupado que, na altura em que deu a sua habitual volta de aquecimento antes de se colocar na pré-grelha, deu três voltas, em vez das habituais duas. Ainda tinha imensas dúvidas sobre tudo: o carro, as escapatórias do circuito, a segurança… tudo. Provavelmente tinha a noção de que aquele poderia ser o seu fim, e se o teve, andou muito tempo a hesitar, antes de o aceitar, eventualmente esperançado de que ainda existisse uma escapatória. Esses pensamentos que assolavam Senna nos minutos anteriores à primeira partida foram levado para o túmulo consigo.
Poucos minutos antes das 14 horas, os 26 carros rolavam em pista para a volta de aquecimento. Senna e Schumacher estavam na primeira linha, Berger e Hill na segunda, Letho e Larini na terceira, Frentzen e Hakkinen na quarta, e a fechar o “top ten”, Katayama e Wendlinger. Lamy era 22º, no seu Lótus, e o lugar de Ratzenberger, que tinha conseguido a qualificação, na 25ª e penultima posição, fora deixado vago em sinal de respeito.
Quando a partida foi dada, todos os carros se lançaram para Tamburello. Mas um carro ficara parado: é o de J.J Letho. Todos se tentam desviar dele, e nos segundos que se seguem, todos esperam que nada aconteça. Mas no meio da confusão da partida, no fundo do pelotão, vem Pedro Lamy, que ignorando o que se tinha passado centenas de metros à sua frente, só se apercebe do Benetton parado em cima da hora. E não evita o choque.
O carro fica sem lado direito, arrancado pelo outro chassis, e os seus milhares de pedaços caem nas bancadas, ferindo quatro pessoas. O Lótus vai parar do outro lado da pista, com o piloto português ileso. Temeu-se por um cenário semelhante ao de Riccardo Paletti, doze anos antes, mas aqui, o Lótus só atingiu o Benetton de lado, e não de frente. Mas isso fez com que entrasse o Safety Car, para limpar os milhares de pedaços de carbono espalhados pela pista.
Por esta altura, eu desconhecia todos estes eventos. Estava em viagem, a caminho de Coimbra, para visitar os meus avós. Tinha plena consciência de que iria falhar o início da corrida, e só esperava que os acontecimentos de ontem tivessem acabado por ali. Estava enganado, mas todos nós tínhamos esse pensamento…
Nas seis voltas seguintes, o Safety Car, um Opel Vectra da organização italiana, ordenava os carros tal como estavam no final da primeira volta: Senna, Schumacher, Berger, Hill e Larini. Nessa altura, os carros tinham um fundo plano, que ficava a poucos centímetros do chão, para evitar qualquer tipo de efeito-solo naqueles carros. Numa situação destas, os carros perdiam pressão nos pneus, que fazia com que essa distância se aproximasse ainda mais. Essa perda de pressão dos pneus é considerada até hoje como uma das causas mais prováveis do despiste de Senna, volta e meia depois do recomeço da corrida.
Quando assisti pela primeira vez ao minuto e meio que seguiu entre o recomeço da corrida e o impacto de Senna na (falsa) Curva Tamburello, veio à minha mente outro evento que tinha visto oito anos antes: a explosão do vaivém Challenger, a 28 de Janeiro de 1986. Ambos os eventos têm o seu paralelismo: foram transmitidos em directo, perante milhões de pessoas pelo mundo inteiro. E as câmaras captaram os momentos do impacto. E ver um desastre a acontecer, nessa altura (e tive a mesma sensação sete anos mais tarde, quando dos eventos do 11 de Setembro de 2001), fica-se com uma sensação estranha de que tudo está a acontecer, és testemunha, mas não podes fazer nada. Sentes-te impotente, é só.
Após o impacto, a bandeira vermelha é mostrada e a corrida interrompida. Os paramédicos acorrem aos destroos do Williams número 2, tentando socorrer o piloto. As manobras de reanimação decorrem durante largos minutos, sem grande resposta. Os paramédicos só retiram o capacete do piloto com a presença do Dr. Syd Watkins, o médico da FIA. Quando o fazem, uma larga poça de sangue sai do capacete, sinal de que tinha havido uma enorme hemorragia, causada (soube-se depois) pela peça do braço de suspensão direita, no momento em que o carro bateu no muro. Essa peça entrou pela viseira do capacete, e causou um afundamento na face frontal, com perda de massa encefálica.
“Senna deu um grande suspiro. Seu rosto estava tranquilo. Parecia em repouso. Tive ali, no momento em que o socorria, a estranha sensação de que sua alma tinha partido”, contou o Dr. Syd Watkins anos depois, na sua biografia.
Sem conseguir reanimá-lo pelas vias normais, teve de ser feita uma traqueotomia de emergência na pista, para evitar que morresse sufocado. Conseguida a operação, Senna é estabilizado e transportado de helicóptero para o Hospital Maggiore de Bolonha, o mesmo onde tinham estado Barrichello e Ratzenberger. Na pista, é a confusão total. Poucos não fazem ideia total do que está a acontecer. Conferencia-se durante mais de uma hora, e decide-se que a corrida seria dividida em dois: as seis voltas iniciais, mas as 53 voltas restantes, sendo o vencedor o piloto que somar os dois tempos. Nessa altura, o líder era Schumacher, com 5,3 segundos de vantagem sobre Berger.
Na segunda partida (foi nessa altura que cheguei a casa para ver os acontecimentos), Berger salta para a frente, tentando se distanciar de Schumacher. A ilusão dura dez voltas, altura em que fez o seu primeiro reabastecimento. Mas pouco depois, as vibrações anormais do seu carro, devido a um problema de suspensão, fazem com que abandone a corrida na volta 17. Após isso, Schumacher liderou tranquilamente a corrida, com o outro Ferrari de Nicola Larini num distante segundo lugar, e com uma estratégia de apenas uma paragem. Foi o melhor resultado do simpático piloto italiano, que agora piloto oficial da Chevrolet no WTCC. Depois vinha um pelotão liderado por Mika Hakkinen, no seu McLaren-Peugeot, que tinha atrás de si o Sauber de Karl Wendlinger, o Tyrrell de Ukyo Katayama e o Williams de Damon Hill, que sofrera um despiste nas voltas iniciais, e ficou uma volta abaixo do vencedor, Michael Schumacher.
Entretanto, por esta altura, já se sabia da gravidade do estado de Senna. Estava em coma, e já se falava que tinha tido uma paragem cardíaca em pleno circuito, mas que os paramédicos conseguiram estabilizar o estado de saúde. Nessa altura, boa parte da imprensa já ia a caminho do Hospital Maggiore de Bolonha, para saber de novidades. Às 16:30, o primeiro boletim clínico, emitido pela equipa liderada pela chefe da neurologia, Dra. Maria Tereza Fiandri, era desanimador: o piloto brasileiro apresentava “um traumatismo craniano profundo, choque hemorrágico e coma profundo”. Esta hemorragia tinha sido causada “pelo rompimento da artéria temporal superficial”, devido à entrada do tal braço de suspensão pelo capacete adentro. Nessa altura, os médicos ainda discutiam se deveriam operá-lo de urgência, para tentar estancar a hemorragia. Mas quando viram que a lesão estava localizada na caixa craniana, essa hipótese foi descartada, devido à delicadeza da operação, e as dúvidas sobre algum eventual bom resultado. Senna era agora um vegetal, mas a morte cerebral ainda não tinha sido declarada.
No Brasil, o país assistia em estado de choque a todos estes acontecimentos, e quem tinha coragem para assistir tudo na TV, ficava por lá, esperançado num milagre. Muitos não aguentaram e saíram de casa, mas muitos choravam e rezavam por algo que poderia não acontecer. E todos esperavam pelo próximo boletim clínico.
O pelotão da Formula 1 também estava chocado. Ainda por cima, depois do acidente de Senna, outro incidente também tinha ocorrido durante a corrida: na volta 44, quando o Minardi de Michele Alboreto fazia o seu segundo reabastecimento, uma das rodas ficou mal apertada e soltou-se descontroladamente, atirando alguns mecânicos da Lótus e da Ferrari para o hospital. Quando um mal acontece, vem sempre em grupo… No pódio, ninguém estava feliz, e o champanhe não foi aberto. O vencedor, Michael Schumacher, declarara que “Não sinto qualquer satisfação por esta vitória”. Mas momentos antes, quando saíra do carro, tinha comemorado efusivamente, como se nada tivesse acontecido. E a mesma coisa ainda tinha acontecido no pódio, ignorando a gravidade de toda a situação. Tais gestos tinham caído mal em muita gente, particularmente no Brasil.
Mas agora, o mundo inteiro estava a querer saber o que se passava em Bolonha. E quando a Dra. Fiandri apresentou o boletim médico seguinte, pelas 18 horas, era o fim: “O electroencelafograma de Ayrton Senna não apresenta qualquer actividade. Continuamos com a ventilação pulmonar. Mantêmo-no vivo apenas porque a lei italiana ainda assim o exige. Não há mais esperanças”, concluiu. Por outras palavras, estava cerebralmente morto. A sua morte física foi confirmada uma hora mais tarde, quando o seu coração entrou em paragem cardíaca. Tinha 34 anos.
A notícia da sua morte só foi noticiada no Brasil uma hora depois do anúncio oficial em Itália, às 20 horas na Europa. Por essa altura, o seu irmão Leonardo velava o corpo, acompanhado por Frank Williams, o homem que lhe deu o seu primeiro teste na Formula 1, onze anos antes. Era um sonho de Frank Williams tê-lo como piloto, e quando o teve, tal relação era abruptamente interrompida. Lavado em lágrimas, pedia desculpa ao seu irmão pelo acidente fatal ter acontecido ao volante dos seus carros, pois era algo que nunca tinha acontecido antes. Para um homem como ele, que estava em cadeira de rodas oito anos antes devido a um acidente de viação, mas que anunca desistiu dos seus propósitos, era um dia negro para ele.
Li durante anos varios relatos e contos...desses dias negros do automobilismo mundial....
ResponderEliminarmas nunca vi um como o que foi feito aqui...
parabéns...contou exatamente o ocorrido em todo o fim de semana..mostrando exatamente o clima tenso que pairava no ar..
um grande abraço...
Prezado Paulo, excelente e comovente texto. Como dito no comentário anterior, dentre os diversos textos que já li sobre esse dia, considero este um dos melhores. Forte abraço do Brasil.
ResponderEliminareu também achei o melhor de todos descreveu muito bem o acontecido.
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