segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A vida de Flávio Briatore, agora banido da Formula 1

No dia em que Flávio Briatore foi banido permanentemente da Formula 1, o jornal português Público decidiu fazer um artigo sobre a vida e a carreira deste vendedor nato, que veio para a Formula 1 pela mão de Luciano Benetton e que construiu uma carreira dentro dela à custa de dois pilotos-maravilha: Michael Schumacher e Fernando Alonso. Nada percebia de carros, mas ficou por lá duarante quase 20 anos, deixando a sua marca na coompetição. E o artigo mostra que o "Renaultgate", que acabou por ser a sua perdição, já teve alguns antecedentes no passado, especificamente em 1994...

O PLAYBOY DA FORMULA 1 CAIU DO PEDESTAL
21.09.2009 - 15:05 Victor Ferreira


Flavio Briatore tem os ingredientes certos para atrair as atenções. Lutas de poder, fama, dinheiro, excentricidades, sexo, ascensão e queda. Hoje a vida do italiano de 59 anos que há quase três décadas entrou de mansinho no restrito círculo da Fórmula 1 (F1), mundo do qual se prepara para sair com estrondo, pode conhecer mais um capítulo. O Briatore sedutor, o empresário que se tornou magnata, que soube vender como ninguém a roupa da Benetton, espectáculos desportivos e a sua própria imagem, pode ter dado a sua última curva quando, na semana passada, se demitiu (ou foi forçado a demitir-se) da Renault F1, por suspeitas de batota.


O destino de quem chegou a ser apontado como possível sucessor de Bernie Ecclestone, detentor dos direitos comerciais da F1, pode mesmo ser o afastamento do desporto automóvel. O que nunca o deixará desocupado, pois Briatore tem muito com que se entreter: é dono do clube nocturno Billionaire, na Sardenha, de um beach club na Toscânia e de um resort de luxo no Quénia, tem uma marca de roupa desportiva de luxo (Billionaire Italian Couture), um restaurante em Londres (Cipriani) e comprou o Queens Park Rangers (QPR), clube de futebol da segunda divisão inglesa.


Como muitos empresários que chegaram ao topo, Briatore somou vitórias mas também inimigos. Isto ao mesmo ritmo que ia coleccionando namoradas top model. Esta última faceta, bem documentada pelas revistas cor-de-rosa, fez com que não fosse preciso ser adepto da F1 para saber quem é que ele é (ou foi). Quem não o acompanha nas pistas, conhece-o como o bon vivant que escapou a um cancro nos rins em 2006. Ou como o anfitrião de muitas celebridades no seu iate Blue Force (que aluga por 250 mil euros por semana). Ou ainda como aquele playboy que, mesmo sem uma figura apolínea, trazia muitas beldades pelo beicinho (a lista daria para fazer uma passerelle de luxo: Naomi Campbell, Adriana Volpe, Emma Heming e Heidi Klum). Porém, esta espécie de Casanova moderno já se reformou das conquistas amorosas. Ou assim quer fazer crer. Em 2008, casou com Elisabetta Gregoraci, uma modelo 30 anos mais nova e conhecida pelas campanhas da Wonderbra.


Agora que Briatore está para cair do pedestal, por suspeitas de ter encomendado a Nelson Piquet Júnior um acidente no Grande Prémio de Singapura 2008, com o objectivo de beneficiar outro dos seus delfins, Fernando Alonso, os inimigos do ex-chefe de equipa da Renault estarão a bater palmas ou a suspirar de alívio. Para esses, o abandono de Briatore é o fim de um adversário temível que não percebia nada de carros, mas que sabia como ganhar. Frank Williams, o eterno patrão da Williams, resumiu esta característica melhor do que ninguém: “Flavio não é um homem das corridas, mas toma sempre a decisão certa."

Herói ou vilão?


O caso em que está acusado de batota foi descoberto depois de Nelson Piquet, pai de Nelson Piquet Júnior, ter denunciado as instruções que vieram da boxe da Renault para o seu filho. Piquet, que trabalhou com Briatore na Benetton, acaba por ser o seu carrasco, num caso em que “se descobriram as verdades depois de uma zanga entre comadres”, diz ao P2 António Vasconcelos Tavares, membro do órgão que se reúne hoje em Paris com a missão de julgar o caso de alegada batota que envolve o italiano e a equipa francesa. É que antes da denúncia, Piquet Júnior fora afastado da Renault por Briatore.


Apesar de achar “reprovável” o episódio que conduziu à saída de Briatore da Renault, este representante português no Conselho Mundial da Federação Internacional do Automóvel (FIA) “não usaria a expressão batoteiro” para o definir. “Não se deve avaliar alguém apenas por um aspecto negativo da sua carreira”, sublinha, acrescentando que independentemente do juízo que vier a ser feito sobre o que se passou com a Renault em Singapura, Briatore “foi uma figura importante para uma modalidade que também precisava de ícones”. Mesmo descrevendo-o como “alguém que, a partir de determinada altura, se sentiu um deus”, Tavares não tem dúvidas de que Briatore “vai ser lembrado tanto pelas companhias magníficas que sempre teve, como pelo grande contributo que deu à promoção da Fórmula 1


Pedro Lamy, piloto português que corria pela Lotus no ano em que Briatore conseguiu o seu primeiro título mundial (1994), vê o italiano como “um grande líder”. “É uma figura muito importante na F1, um dos que mandam, um vencedor nato que foi buscar pilotos muito bons, que sabe como vencer”, diz Lamy ao P2, recordando que foi o italiano quem lançou para a ribalta dois campeões: Michael Schumacher e Fernando Alonso. Lamy, que andou pelo paddock nos anos áureos da equipa Benetton orientada por Briatore, recorda também a faceta mais obscura do italiano. “Era excêntrico e controverso. Tinha algumas situações estranhas, como ser manager de pilotos e, ao mesmo tempo, de uma equipa”, situação que lhe dava “um poder imenso” – o de criar (ou destruir) carreiras.


António Vasconcelos Tavares, que conhece Briatore, fala de um homem “temperamental” que “não gosta de perder” e que pode ter-se descontrolado em nome dessa sede de vitórias, com muito dinheiro à mistura. “Era um sedutor, e não apenas com as mulheres”, recorda Tavares. “Conseguia ser charmoso com qualquer pessoa que era do seu interesse, que pudesse ter alguma relevância para a sua vida ou a sua carreira.”



Sucesso made in Benetton



Filho de um casal de professores, Flavio nasceu a 12 de Abril de 1950, em Verzuolo, nos Alpes italianos. Foi apenas um aluno mediano e a sua primeira ocupação foi como instrutor de esqui. Aos 24 anos, era vendedor de seguros e é precisamente nessa década de 1970 que a sua vida começa a mudar, com os primeiros sucessos e também as primeiras controvérsias.


Antes de conhecer Luciano Benetton, o homem que daria a volta ao seu futuro, Briatore trabalhou na Bolsa de Milão. Isto já depois de ter sido assistente de um homem de negócios, Attilio Dutto, assassinado em 1977. Um episódio nunca esclarecido e que alegadamente teria ligações à máfia siciliana.


Após a morte de Dutto, Briatore assumiu o comando dos negócios, mas não por muito tempo. A empresa faliu e ele acabou condenado por fraude a uma pena de prisão que não chegou a cumprir porque fugiu para as Ilhas Virgens. Mais tarde, uma amnistia permitiu-lhe regressar ao país e a Milão, onde se cruza com o patrão da Benetton, que o convida para gerir a marca nos EUA.


Instalado em Nova Iorque, Briatore revela uma habilidade ímpar para os negócios. “Era um esperto”, garante Tavares, e conseguiu expandir num ápice a rede Benetton, que, em sete anos, passa de sete para 800 lojas. “Não tínhamos grandes orçamentos para publicitar a marca nos principais meios. Por isso, decidimos fazer qualquer coisa controversa, algo que implicasse os consumidores”, explicou já várias vezes à imprensa o empresário.


Estava lançada a semente das campanhas-choque, receita que colocaria a marca nas bocas do mundo. E foi este sucesso, assente na sua capacidade de gestão, que lhe abriria as portas da F1, um mundo com o qual nunca contactara, com excepção de uma presença como espectador nas bancadas do Grande Prémio da Austrália de 1988, a convite de Luciano Benetton. Três anos antes, a companhia italiana comprara a equipa Toleman, passando de patrocinadora a dona de uma das escuderias. Em 1989, Briatore é nomeado director comercial da Benetton Formula One Ltd.


Luiz Pinto de Freitas, presidente da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, recorda o homem que praticamente viu chegar a esse mundo. “Era alguém muito mais tímido e reservado do que a figura que hoje todos conhecemos”, disse ao P2.


As primeiras suspeitas


Sem currículo na F1, Briatore chegou às pistas com a vontade de conduzir pela esquerda quando todos o faziam pela direita. “A minha abordagem foi a de gerir a equipa como se gere qualquer outra empresa. Emocionalmente, aquilo não me dizia nada porque a F1 não era a minha paixão”, explicaria o próprio Briatore, mais tarde.



Dois anos depois, já tinha assumido controlo total, gerindo todos os aspectos da equipa, desde a escolha dos pilotos aos membros das equipas técnicas. Sempre perseguindo a mesma ideia, que muito irritava aquele mundo povoado de engenheiros e ex-pilotos: “Em todas as reuniões, ouço as pessoas falarem de pistões e suspensões, o que é um erro. Ninguém vai ver uma corrida por causa dessas coisas. O público vem ver [Michael] Schumacher correr contra [Ayrton] Senna”, dirá em 1994, ano em que um dos seus delfins lhe dá o primeiro título mundial.


A chave desse sucesso foi a contratação de Michael Schumacher, cujo talento lhe saltou imediatamente aos olhos, mas os indefectíveis da F1 não esquecem eventuais factores externos que teriam contribuído para esse título de pilotos de “Schumi”. Nesse ano houve muitas suspeitas de batota à volta da equipa liderada por Briatore. A começar pela alegada existência de ajudas electrónicas, que na altura estavam proibidas (encontraram software, mas nunca se provou que tivesse sido usado em corridas e, por isso, a Benetton escapou sem castigo). Na mesma época, descobrir-se-ia que a equipa retirara os filtros das mangas de combustível, tentando dessa forma acelerar os abastecimentos durante as corridas. Uma decisão que poderia ter custado a vida ao holandês Jos Verstappen, cujo carro se incendiou no Grande Prémio da Alemanha desse ano.


Na temporada seguinte, Schumacher repete o título de pilotos e, com a ajuda de Johnny Herbert, dá o primeiro e único título de construtores à Benetton. Briatore entrara para ganhar num mundo desconhecido e completava enfim o sonho da vitória. Teve o mérito de se rodear das pessoas certas, mas a saída de Schumacher para a Ferrari viria a marcar o início do fim do primeiro reinado de Briatore e da própria Benetton F1, que acaba por ser absorvida pela Renault.



Em 2000, a casa francesa chama Briatore para gerir a equipa. O italiano não perde tempo com os seus detractores e começa a construir mais um campeão do mundo. Era Fernando Alonso, contratado aos 17 anos, que daria mais dois títulos mundiais a Briatore. O italiano tornava-se assim o único team manager a vencer Mundiais por duas equipas diferentes. Apesar dos seus méritos, Pinto de Freitas não hesita em chamar a Briatore “papagaio de pirata”, expressão brasileira aplicada aos que se limitam a aparecer na fotografia ao ombro dos que realmente conquistam alguma coisa. E acrescenta: “Daqui a seis meses, ninguém se lembrará dele.”


Em sua defesa, Briatore disse na semana passada que tudo o que fez foi para salvar a Renault e que a sua demissão é um “sacrifício”. Acredite-se ou não, ninguém esperava ver o galã Briatore vestido de cordeiro.

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