Hoje em dia, se quisermos ir para o espaço, temos duas opções: ou candidatamo-nos a astrounauta, e temos de ser ou militar, ou um civil altamente especializado, em forma soberba, ou então pagamos uma determinada soma para irmos num foguetão Soyuz e passar uns dias na Estação Espacial Internacional. Só que nesse último caso, provavelmente desembolsaremos 20 milhões de dólares para irmos lá em cima, logo, isso está ao alcance de poucos. Pelo menos até que a Virgin Galatic começar a fazer os seus vôos a partir do ano que vem.
Faço esta analogia porque a pessoa que se segue, pode-se dizer que foi um endinheirado que tentou dar vida a um "aristocrata falido". E esse aristocrata era a Lotus. O calendário aponta como o dia de hoje o aniversário de um dos mais interessantes "turistas" da Formula 1, o belga Philippe Adams. No dia em que comemora o seu 40º aniversário, falo da aventura que este jovem rapaz e na sua experiência na categoria máxima do automobilismo, no qual pagou para conseguir dizer "eu estive lá". Mas apesar de ser "pay driver", tinha o seu talento, principalmente nas categorias mais abaixo, como a Formula 3 e a Formula 3000. Portanto, hoje é dia de contar a história do último belga a competir na Formula 1, o país que nos deu Paul Frére, Olivier Gendebien, Jacky Ickx e Thierry Boutsen.
Nascido a 19 de Novembro de 1969, em Mouscron, na Belgica, Adams começou a competir no karting aos 12 anos de idade. A partir de 1984 começou a competir em monolugares, nomeadamente na Formula ford belga. Em 1988 dá o salto para a Formula Opel Lotus, nomeadamente na inglesa, onde sobe por três vezes ao pódio e fica no oitavo lugar da geral. Na versão europeia, não consegue mais do que o 31º lugar da geral.
Em 1989, tenta a sorte na Formula 3 britânica. E no seu ano de estreia, vence uma corrida e fica na sexta posição da geral, num pelotão que tinha nomes como Paul Stewart (filho de Sir Jackie) Mika Hakkinen, Mika Salo, Alain Menu e Paul Warwick (irmão de Derek Warwick, morto numa prova de Formula 3000 em 1991). No ano seguinte, continua na mesma equipa, mas os resultados não são os melhores, pois conseguiu apenas dois segundos lugares. Na temporada de 1990, para além de competir contra Hakkinen e Salo, também competiu contra nomes como Christian Fittipaldi, o holandês Peter Kox e um rapaz chamado Steve Robertson, que depois de acabar a sua carreira se tornou empresário e actualmente tem equipa de Formula 3 em conjunto com um tal Kimi Raikonnen...
Depois de uma má temporada, muda-se em 1991 para o Japão, onde a sua temporada na Formula 3 local não lhe deu mais do que um 12º lugar na geral, e as suas entradas na Formula 3000 e nos Turismos também se saldaram em fracasso. Sendo assim, voltou para a Europa em 1992, para competir uma terceira temporada na Formula 3 britânica. Mas a experiência japonesa marcou-o, como contou anos mais tarde numa entrevista a Leandro Verde, publicada no blog F1 Nostalgia:
"O automobilismo no Japão é muito popular porque o país possui muitas indústrias automobilísticas e patrocinadores. As corridas chegavam a receber mais de 80.000 espectadores. Era um belo show. Eu realmente gostei de tudo lá, das equipes, dos pilotos e dos fãs, porque como um piloto gaijin (um estrangeiro) você acaba conseguindo seus fãs. É uma pena que o automobilismo japonês ainda seja desconhecido na Europa, que nós não vemos muitos pilotos japoneses correndo. Desde essa minha experiência, passei a valorizar o país, decorando a minha casa com objetos de lá, comendo comida japonesa com frequência, lendo livros sobre a cultura japonesa... Às vezes, eu não entendo o porquê dos pilotos estrangeiros odiarem morar lá. É um país legal, com gente legal, comida boa... No fim das contas, eu me arrependo por ter ido embora de lá, por ter perdido a oportunidade de ter construído uma carreira boa lá, mas o que eu queria mesmo era ir para a Fórmula 1.", afirmou.
De regresso a Inglaterra, a temporada de 1992 foi muito melhor. Correndo na Alan Docking Racing, uma das melhores do pelotão da altura, e contra adversários do calibre de Jason Plato, Kelvin Burt (ambos futuros competidores no BTCC), e os brasileiros André Ribeiro, Gil de Ferran e Pedro Diniz, entre outros, Adams brilhou e venceu duas corridas, em Silverstone e Brands Hatch. Apesar de só ter começado a correr a partir da sexta prova do campeonato, foi o suficiente para no final ficar no segundo lugar do campeonato, apenas batido por De Ferran. Para além disso, competiu no Marlboro Masters de Zandvoort, onde terminou a corrida no nono lugar.
Em 1993, passa para a Formula 2 britânica (que não era mais do que a Formula 3000 mas composto de chassis com pelo menos um ano de idade) onde começa a competir pela Madgwick International. Contudo, problemas entre ele e a Madgwick International, que tinha contratado o seu compatriota Mike Van Hool, e a desorganização interna da equipa, que debatia com problemas financeiros, fizeram com que a meio do ano, aceitasse o convite da Argo, onde conduziu com um chassis de 1991 na duas últimas provas do campeonato. Na ultima prova do ano, em Brands Hatch, venceu a Van Hool e conquistou o título.
"Ninguém conseguia me superar naquele ano. Ganhei o campeonato disputando 6 corridas das 10 possíveis e vencendo 5 delas. Foi muito bom estar no topo, com 5 vitórias, 5 poles, 6 voltas mais rápidas e o recorde da pista de Thruxton. A Madgwick era uma boa equipa, mas tinha problemas financeiros graves e acabou tendo de contratar o Mikke van Hool, que trazia muito dinheiro. E ele começou a pressionar a equipa, dizendo que por trazer todo esse dinheiro, deveria ser o primeiro piloto. Aí o Franco (dono da equipe Argo), que já tinha tomado conhecimento da minha situação, me convidou para correr para ele nas duas últimas corridas da temporada. E eu venci as duas, deixando o Van Hool para trás! Eu me lembro que o Van Hool terminou em segundo em Brands Hatch, só que eu tinha vencido e ainda por cima tinha colocado uma volta em cima dele. Ficou louco de raiva!", declarou.
Em 1994, passou para os Turismos belgas, e teve uma breve passagem pelo DTM alemão. No primeiro caso, brilhou em algumas corridas, e pouco mais, enquanto que no segundo caso, a sua participação foi discreta. Mas no final de Agosto daquele ano, surgiu a oportunidade que mais queria: pilotar um Formula 1. E logo na sua prova de casa, em Spa-Francochamps!
Adams arranjou 500 mil dólares (provenientes das empresas do seu pai) para pagar o seu lugar na quase falida Lotus, que para além de passar por um mau bocado em termos financeiros, também tinha contra si o facto de ter tido azar em termos de pilotos. Primeiro, o acidente em que colocou o português Pedro Lamy numa cama de hospital, e depois o facto de ter Alex Zanardi no seu lugar não ter melhorado as coisas em termos financeiros, sendo o "sacrificado" quando as finanças apertaram um pouco mais daquilo que esperavam. Daí que quando viram Adams a acenar com o dinheiro, não hesitaram.
Era sabido que apesar das credenciais, não era mais do que um piloto mediano. E como ainda por cima, naquele ano não tinha sentado num monolugar, apesar de antes desta corrida ter feito 20 voltas num teste em Silverstone, essa inexperiência veio ao de cima. Para piorar as coisas, Adams colocou a publicidade de algumas companhias que o apoiavam noutras aventuras... mas não na Formula 1, e quando descobriram isso, ficaram chateados. Tanto que no final de sexta-feira, esses autocoloantes foram retirados.
Mas superados os obstáculos monetários, Adams foi para a pista, num fim de semana tipicamente belga, onde a instabilidade do tempo é norma...
"Em Spa, o clima também estava horrível, mas pelo menos eu conhecia a pista, visto que eu estava competindo no campeonato belga de carros de turismo (Belgian Procar) pela Audi. No entanto, correr em um Audi Quattro a 230km/h é uma coisa. Correr em um F1 a 300km/h é outra completamente diferente. Eu rodei e bati na saída da Bus Stop na minha segunda volta rápida no treino livre de sexta e perdi todo o resto desse treino. Naquele momento, eu pensei que meu fim de semana tinha acabado. No entanto, os caras da Lotus fizeram um ótimo trabalho e conseguiram consertar o carro a tempo para o primeiro treino oficial. E a cada vez que eu ia a pista, eu ia ficando mais rápido e ganhando mais experiência, visto que eu não tinha conseguido quilometragem o suficiente antes do fim de semana. No primeiro treino de classificação, eu consegui uma boa volta e fiquei em 25º. Eu sabia que eu podia ter conseguido algo melhor. O que me atrapalhou foi não conseguir calcular o número de voltas que eu já tinha feito e quantas mais eu podia fazer (já tinha feito 7 até a pista secar, o máximo permitido era 8). Quando a pista começou a secar, eu poderia ter feito um tempo 2 ou 3 segundos mais rápido, assim como ocorreu com Rubens Barrichello, que havia conseguido sua primeira pole."
No dia seguinte, o tempo piorou, mas para Adams foi o suficiente para conseguir qualificar-se à frente do seu compatriora Bertrand Gachot, no pífio Pacific - Ilmor, só que na corrida as coisas iriam ser diferentes, pois ia competir em tempo seco. Mas entretanto, tinha a corrida da Procar Series, com o Audi, onde aproveitando a tecnologia 4WD, conseguiu uma vitória convicente, com uma vantagem de... 27 segundos sobre o segundo classificado! Nada mau.
Pouco depois partia para a sua primeira corrida da sua carreira: "A corrida foi realizada em pista seca e eu tive de aprender a dirigir o Lotus nesse tipo de condições, visto que era a primeira vez que eu andava em um carro de F1 em uma pista que não estava molhada! Eu tente manter contato com os carros da Larrousse e da Simtek e extraí uns 85% do carro, visto que eu não queria cometer erros e queria apenas chegar ao fim. Em um momento, Gounon rodou sua Simtek e eu consegui passar por ele. E ele não estava conseguindo dar o troco até que tivemos de dar passagem aos líderes na volta 19. Quando Barrichello chegou para passar, em uma descida, fui para a parte de fora do traçado. O problema é que eu havia me esquecido que havia chovido muito durante o fim de semana e, por aquela parte ser uma descida, antes da Pouhon, formou-se uma espécie de rio. Como meus pneus traseiros já estavam completamente sujos, eu perdi o controle quando freei para entrar na Pouhon e rodei, ficando na caixa de brita. Naquele momento, estava a uns 260km/h, e tudo acontece muito rapidamente, não tive qualquer chance de controlar o carro. Ali eu aprendi que, na Fórmula 1, se você se preocupa demais em ser legal com os outros pilotos, você se dá mal.", comentou.
No dia seguinte, o tempo piorou, mas para Adams foi o suficiente para conseguir qualificar-se à frente do seu compatriora Bertrand Gachot, no pífio Pacific - Ilmor, só que na corrida as coisas iriam ser diferentes, pois ia competir em tempo seco. Mas entretanto, tinha a corrida da Procar Series, com o Audi, onde aproveitando a tecnologia 4WD, conseguiu uma vitória convicente, com uma vantagem de... 27 segundos sobre o segundo classificado! Nada mau.
Pouco depois partia para a sua primeira corrida da sua carreira: "A corrida foi realizada em pista seca e eu tive de aprender a dirigir o Lotus nesse tipo de condições, visto que era a primeira vez que eu andava em um carro de F1 em uma pista que não estava molhada! Eu tente manter contato com os carros da Larrousse e da Simtek e extraí uns 85% do carro, visto que eu não queria cometer erros e queria apenas chegar ao fim. Em um momento, Gounon rodou sua Simtek e eu consegui passar por ele. E ele não estava conseguindo dar o troco até que tivemos de dar passagem aos líderes na volta 19. Quando Barrichello chegou para passar, em uma descida, fui para a parte de fora do traçado. O problema é que eu havia me esquecido que havia chovido muito durante o fim de semana e, por aquela parte ser uma descida, antes da Pouhon, formou-se uma espécie de rio. Como meus pneus traseiros já estavam completamente sujos, eu perdi o controle quando freei para entrar na Pouhon e rodei, ficando na caixa de brita. Naquele momento, estava a uns 260km/h, e tudo acontece muito rapidamente, não tive qualquer chance de controlar o carro. Ali eu aprendi que, na Fórmula 1, se você se preocupa demais em ser legal com os outros pilotos, você se dá mal.", comentou.
Depois de Spa-Francochamps, Adams só voltaria à equipa no Estoril, onde conseguiu de novo classificar-se na penultima fila da grelha de partida, e na corrida conseguiu chegar ao fim, apesar das dores no pescoço. "Na corrida, tudo o que eu queria era chegar ao fim. Mas até isso estava difícil, porque eu estava fora de forma, com muitas dores no pescoço. Isso após apenas 32 voltas, e ainda faltavam 45! Mas, dessa vez, eu havia conseguido chegar ao fim [no 16º posto, a quatro voltas do vencedor] sem cometer erros durante a corrida", afirmou.
Contudo, as suas performances, aliadas aos seus problemas de tesouraria o impediram de concluir a terceira parte do acordo, que implicava correr em Jerez. E assim, a sua carreira na categoria máxima do automobilismo chegava ao seu fim.
A sua carreira na Formula 1: Dois Grandes Prémios, em uma temporada (1994), zero pontos.
Após esta passagem, Adams voltou a correr na Procar Series, com a Audi, onde terminou a temporada com quatro vitórias e o terceiro lugar na geral. Em 1996, dá o salto para a BPR Global Series, uma espécie de corridas de GT, com um protótipo Vertigo, onde não teve grandes resultados. A partir de 1997, a carreira não foi grande coisa, na foi feita sobretudo na Endurance: Na Veedol Long Distance Cup, a bordo de um BMW 318i, onde bateu algunas recordes de Nurbrurgring Nordschleife, na sua classe, e participou nas 24 Horas da mesma pista em 1998. Em 1999, passou para o Ferrari 355, e continuou a correr competitivamente até 2002, altura em que passou por problemas pessoais, nomeadamente o seu divórcio. Actualmente, é director de vendas da Seat belga, mas de quando em quando, mata saudades das corridas.
Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Philippe_Adams
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Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...