"Naquele momento na televisão holandesa, passavam as imagens do capitão do Brasil Carlos Alberto Torres, que tinha acabado de receber na tribuna do Estádio Azteca, na Cidade do México, a Taça Jules Rimet, que a partir daquele dia pertenceria definitivamente ao Brasil. Tinham feito uma exibição de sonho frente à Itália, goleando-a por 4-1. Mas naquele dia, naquele quarto de hotel holandês. Jochen Rindt não estava para festejos. Nem para o jogo, nem para a corrida que tinha ganho poucas horas antes. Quando esta acabou, e perguntou sobre quem tinha sido o piloto a despistar-se na temida Schleivak Corner, teve um baque ao saber que tinha sido o seu amigo Piers Courage. E que tinha acabado por morrer queimado, preso debaixo dos escombros do seu De Tomaso feito de magnésio, um metal leve, mas inflamável.
A sua mulher não estava. Tinha tentado consolar a sua amiga Sarah Curzon, agora mais uma viuva do automobilismo. Naquele fim de semana estiveram lado a lado, cada uma a tirar os tempos dos seus homens na Holanda. Os dois casais eram muito chegados, e as noticias sobre as circunstâncias da morte de Piers, fizeram com que tomasse uma decisão definitiva sobre o automobilismo. Para ele era mais um aimgo morto no automobilismo, mas era aquele que o fez transbordar o copo. Decidiu que já era tempo para acabar e o comunicou isso à sua mulher, no momento em que foi ter com ele ao quarto:
- Querida, tomei uma decisão. Vou-me embora de vez.
- Como assim?
- Vou correr até ao final do ano para ganhar o título. Depois vou embora de vez.
- Tens a certeza, querido? Não fazes isso só por causa do que aconteceu hoje?
- Não é só isso. É também porque é a unica forma de conseguir o que quero e livrar-me de vez do Colin Chapman. Começo a odiar os seus carros, mas preciso deles para conseguir o que quero. Sobreviver para ser campeão e voltar à Austria para uma nova vida. Por ele e por nós."
Como é óbvio, isto é apenas um mero exercício de ficção. Mas se calhar este relato, que imagino ter passado pela cabeça de todos aqueles que viveram aquele 21 de Junho de 1970, um Sábado á tarde, num canto da Holanda, não deve ter andado longe da realidade. Em apenas dezanove dias, a Formula 1 tinha visto morrer dois excelentes pilotos do seu tempo, e tinha deixado a pensar outro excelente piloto. Teria consciência de que estava a pilotar um potêncial caixão voador, mas agora sabia que tinha de vencer para evitar morrer. E sabia que com o campeonato do mundo na mão, podia sair dali vivo, antes de fazer parte da lista dos "mortos em combate". Infelizmente, como todos sabemos agora, não teve tempo para concretizar isso.
A primeira biografia que fiz neste blog, no já distante anos de 2007, foi o de Piers Courage. Creio que foi por causa de uma foto que me mandaram, deste mesmo GP da Holanda, tirada provavelmente algumas voltas, ou minutos antes deste acidente fatal. Courage era um herdeiro de uma marca de cervejas, que por acaso também era um bom piloto. Educado no Eton College, a mais emblemática da Grã-Bretanha, pois é aí onde a elite estuda, para serem futuros políticos e homens de negócios. Contudo, Courage quis ser piloto.
Ao longo da sua curta vida competitiva, associou-se a um amigo seu, com a mesma idade, chamado Frank Williams. Ambos tinham a mesma paixão pelo automobilismo e tinham corrido juntos no inicio das suas carreiras. E quando Williams se tornou construtor, Courage ajudou-o. Antes, tinha estado na Lotus de Formula 3 e na BRM, na Reg Parnell Racing, depois de uma falsa partida na equipa oficial, no inicio de 1967.
O ano de 1969 foi mágico: com um chassis Brabham BT26, Courage deu nas vistas, conseguindo dois segundos lugares no Mónaco e em Watkins Glen, dando nas vistas perante as equipas oficiais. E até Enzo Ferrari ficou impressionado com o seu desempenho, a ponto de lhe oferecer um lugar na equipa oficial. Mas ele preferiu ajudar o seu amigo Williams, que tinha assinado com a De Tomaso para que lhe fizesse um chassis para a Formula 1.
Quando este ficou pronto, viu-se que não era tão bom como, por exemplo, os March. O único resultado de relevo naquele ano foi um terceiro lugar no International Trophy, em Silverstone. Mas aos poucos, aquele chassis começava a ser competitivo, apesar de ser mais pesado do que o normal. Ironicamente, o magnésio deveria ser mais leve do que os de alumínio... mas nem tudo foi mau naquele ano de 1970. no inicio do ano tinha ganho os 1000 km de Buenos Aires, num Alfa Romeo, ao lado do italiano Andrea de Adamich. E no ano anterior tinha demonstrado que era bom nas corridas de Endurance, quando acabou no quarto lugar das 24 Horas de Le Mans, ao lado do francês Jean-Pierre Beltoise, num Matra.
Parecia que as coisas em Zandvoort iriam ser diferentes. Tinha conseguido a sua melhor qualificação do ano, um sétimo posto, e rolava no sexto lugar, tentando passar o Lotus de John Miles para ir em perseguição dos pilotos da frente quando na volta 22, quando fazia a temida Curva Schleivak, perdeu o controle do seu carro, e esta capotou várias vezes antes de parar na berma e se incendiar.
Quando os bombeiros conseguiram apagar o fogo, nada restou do seu corpo, devido à natureza altamente inflamável do magnésio. Isso foi tal que as árvores à volta também pegaram fogo. Mas é consensual que por essa altura, Courage já deveria estar morto, pois o seu capacete foi encontrado no local do primeiro impacto. Num acaso cruel, três anos mais tarde, outro piloto iria morrer nesse mesmo local, apesar das tentativas desesperadas para o salvar por parte de outro piloto. Seria Roger Williamson.
Confesso que não sei dizer, mas provavelmente caso Jochen Rindt tivesse vivido o suficiente para receber o prémio, não sei se teria dedicado à memória do seu amigo Piers Courage. Se sim, acho que seria um tributo justo a um excelente "gentleman driver", de uma espécie que creio não existir mais.
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