A corrida acabou há minutos, e os três pilotos sorriem no pódio, rodeados de representantes da organização, autoridades civis e militares e uma outra cara bonita. Perfilavam-se e tiraram o chapéu para ouvir o hino nacional do país vencedor.
Depois de um momento de silêncio, começaram-se a ouvir os primeiros acordes do hino nacional do Brasil, país de Pedro Medeiros, o ganhador. Ao seu lado estavam, sorridentes, Alexandre de Monforte e Alvaro Ortega, os pilotos oficiais da Tecno. Apesar de não terem vencido, conseguiram amealhar pontos suficientes para o campeonato, e no caso do sildavo, depois dos três pontos na Formula 1, estes seis pontos na Formula 2 seriam uteis na luta pelo campeonato, desde que todas as restantes provas fossem feitas sem ser em baterias de duas corridas... mas o mais importante era que o seu maior rival, Antti Kalhola, só tinha conseguido um quinto lugar no seu Jordan oficial, pior até que o seu companheiro Medeiros.
Os três até podiam falar nas suas linguas, que se entendiam. Depois de receberem os prémios, iria haver o jantar oferecido pela organização para celebrar os vencedores e os restantes concorrentes daquela corrida. Os pilotos estavam sentados numa mesa só para eles, e Alexandre estava sentado entre o brasileiro e o finlandês. Curiosamente, nenhum dos três tinha acompanhante. Normalmente, Alexandre meteria conversa com o brasileiro, devido à partilha da lingua, e foi isso que aconteceu. Mas reparou no loiro sentado à sua ditreita, muito composto e pouco confortável no seu fato. Assim sendo, perguntou:
- Pedro, como é ele?
- Quem?
- O teu companheiro?
- Fala pouco, confesso. Só o vejo a falar com o Henry Temple. Até pensei que você falasse mais com ele, cara.
- Porquê?
- Ué, não correm juntos há um ano?
- Sim, mas não na mesma equipa. E a semana passada, em Jarama, vi-o a ficar vermelho quando falava com o Bob Turner, vê lá tu...
- Sério, cara?
- É verdade...
- Para quem quer ser piloto de Formula 1, parece o Harpo Marx, o mudo...
Quando viram a cadeira à direita de Antti ficar vazia, Alexandre fez um sinal ao Pedro e levantaram-se. Alex e Pedro sentaram-se lado a lado, cercando Antti, que bebia nervosamente o que restava do seu copo de água. Ambos olharam para ele e Pedro perguntou em português:
- O que vamos fazer?
- Ora, meter conversa.
Passado um instante:
- Olá Antti. É Antti, não é?
- Sim, claro.
- Que idade tens?
- Tenho 21.
- És de onde?
- Da Finlândia.
- Isso já topamos. De parte?
- De Helsinquia.
- E há pistas por lá?
- Há uma, que acabaram de a construir.
- Sabemos disso, vamos correr por lá em Setembro. Keimola, não é?
- É sim.
- E é bom?
- Um pouco apertado, mas faz-se bem.
- És muito tímido...
- Nâo tenho grande assunto para conversar.
- Mas somos teus colegas. O meu amigo aqui diz que falas pouco, mesmo na equipa.
- Eu falo com os engenheiros, e já basta...
- Amigo, isto é o automobilismo. Poderemos torcer o pescoço uns dos outros, mas fora dele é diferente.
- Ainda estou a habituar-me...
- Há um ano que te conheço e acho que deve ser a primeira vez que falo contigo sem ser fora do circuito. Tens que te desinibir, rapaz. Bebes alguma coisa?
- Água, por favor.
- Aí... isso é para meninos. Não vamos correr amanhã, rapaz.
- Vamos pedir algo interessante... Garçom, Sangria! disse Pedro.
Alvaro Ortega e Pierre Brasseur toparam a conversa que os dois estavam a tentar manter com Antti e cedo se juntaram ao grupo.
- Então, está a meter conversa com o homem mais calado do automobilismo? perguntava um divertido Pierre Brasseur, com o cigarro no canto da boca. Mais do que calado, cheira-me que ainda é virgem, acrescentou sarcásticamente.
- Quando formos a Zandvoort, levamos o rapaz às meninas da zona vermelha, retorquiu Alvaro.
- Rapazes, não o assustem! Só queremos que ele quebre o gelo, respondeu Pedro.
Antti não se deixou intimidar. Bebeu um gole de Sangria e cedo começou a falar da sua carreira na Finlândia e na Escandidávia, da ajuda que Holmgren e o seu amigo Temple lhe deram desde que ganhou no final de 1967 uma corrida em Karlskoga, num Formula 3 de nona mão, à frente de todos os suecos presentes, bem melhores do que ele, como Anders Gustafsson, e de como ele conduzia desde os doze anos no velho Volvo do seu pai.
- Caramba, nem eu conduzia com essa idade. E venho de onde venho, respondeu Alexandre.
- Acreeditem amigos, a Finlândia é um paraiso por descobrir. Somos uma nação de desportistas.
- Quantos são?
- 4.5 milhões. Não é muito, comparado com a Suécia...
- O meu país tem mais ou menos a mesma população, portanto estou solidário contigo, respondeu Alexandre, dando uma fote palmada nas costas do finlandês.
- Pois, acho que a minha cidade é quase duas vezes mais populosa que o teu país, Antti.
- A sério? Vives onde?
- Em São Paulo.
Já Antti estava mais desinibido do que antes. A timidez tinha ido há muito, graças aos goles de Sangria que tinha ingerido, e a ideia de um rapaz bem comportado esvanecia-se. Já se ria com as piadas dos outros e cantava, sempre que algum se atrevia a tal. No final da festa, boa parte do pessoal começava a desmobilizar-se, com algumas excepções.
- Vamos para o hotel? perguntou Guarini.
- Vamos, mas não tenho sono, respondeu Pedro.
- Então quando chegarmos, vamos para o bar. Acho que vi uma mesa de "snooker", afirmou Alvaro.
- Quem tem um maço de cigarros? acabei com os meus agora, perguntou Pierre.
- Eu tenho, repondeu uma voz feminina, num francês perfeito.
Ela tirou um maço de Atlante da carteira, uma embalagem de cor azul turquesa, e sacou depois de um isqueiro. Ele tirou um cigarro de lá, aproveitou a chama e devolveu o resto. Ela também tirou um cigarro e o acendeu.
- Agradeço imenso a oferta, Mademoisele...
- ...Lencastre.
- Tchii, no que te foste meter, Pierre! afirmou Alexandre.
- Quem é? perguntou Pedro.
- Uma conterrânea minha. É jornalista.
- Ao vosso serviço, meus senhores, respondeu, soltando uma baforada sorridente.
- Veio escrever sobre a bebedeira do homem calado? perguntou.
- Seria uma boa noticia, mas não estou em serviço.
- Se não está, venha conosco, afirmou Pierre, pegando-a ao colo. Ela soltou um grito e todos se riram às gargalhadas, enquanto entravam nos seus carros, rumo ao Hotel.
(continua)
Depois de um momento de silêncio, começaram-se a ouvir os primeiros acordes do hino nacional do Brasil, país de Pedro Medeiros, o ganhador. Ao seu lado estavam, sorridentes, Alexandre de Monforte e Alvaro Ortega, os pilotos oficiais da Tecno. Apesar de não terem vencido, conseguiram amealhar pontos suficientes para o campeonato, e no caso do sildavo, depois dos três pontos na Formula 1, estes seis pontos na Formula 2 seriam uteis na luta pelo campeonato, desde que todas as restantes provas fossem feitas sem ser em baterias de duas corridas... mas o mais importante era que o seu maior rival, Antti Kalhola, só tinha conseguido um quinto lugar no seu Jordan oficial, pior até que o seu companheiro Medeiros.
Os três até podiam falar nas suas linguas, que se entendiam. Depois de receberem os prémios, iria haver o jantar oferecido pela organização para celebrar os vencedores e os restantes concorrentes daquela corrida. Os pilotos estavam sentados numa mesa só para eles, e Alexandre estava sentado entre o brasileiro e o finlandês. Curiosamente, nenhum dos três tinha acompanhante. Normalmente, Alexandre meteria conversa com o brasileiro, devido à partilha da lingua, e foi isso que aconteceu. Mas reparou no loiro sentado à sua ditreita, muito composto e pouco confortável no seu fato. Assim sendo, perguntou:
- Pedro, como é ele?
- Quem?
- O teu companheiro?
- Fala pouco, confesso. Só o vejo a falar com o Henry Temple. Até pensei que você falasse mais com ele, cara.
- Porquê?
- Ué, não correm juntos há um ano?
- Sim, mas não na mesma equipa. E a semana passada, em Jarama, vi-o a ficar vermelho quando falava com o Bob Turner, vê lá tu...
- Sério, cara?
- É verdade...
- Para quem quer ser piloto de Formula 1, parece o Harpo Marx, o mudo...
Quando viram a cadeira à direita de Antti ficar vazia, Alexandre fez um sinal ao Pedro e levantaram-se. Alex e Pedro sentaram-se lado a lado, cercando Antti, que bebia nervosamente o que restava do seu copo de água. Ambos olharam para ele e Pedro perguntou em português:
- O que vamos fazer?
- Ora, meter conversa.
Passado um instante:
- Olá Antti. É Antti, não é?
- Sim, claro.
- Que idade tens?
- Tenho 21.
- És de onde?
- Da Finlândia.
- Isso já topamos. De parte?
- De Helsinquia.
- E há pistas por lá?
- Há uma, que acabaram de a construir.
- Sabemos disso, vamos correr por lá em Setembro. Keimola, não é?
- É sim.
- E é bom?
- Um pouco apertado, mas faz-se bem.
- És muito tímido...
- Nâo tenho grande assunto para conversar.
- Mas somos teus colegas. O meu amigo aqui diz que falas pouco, mesmo na equipa.
- Eu falo com os engenheiros, e já basta...
- Amigo, isto é o automobilismo. Poderemos torcer o pescoço uns dos outros, mas fora dele é diferente.
- Ainda estou a habituar-me...
- Há um ano que te conheço e acho que deve ser a primeira vez que falo contigo sem ser fora do circuito. Tens que te desinibir, rapaz. Bebes alguma coisa?
- Água, por favor.
- Aí... isso é para meninos. Não vamos correr amanhã, rapaz.
- Vamos pedir algo interessante... Garçom, Sangria! disse Pedro.
Alvaro Ortega e Pierre Brasseur toparam a conversa que os dois estavam a tentar manter com Antti e cedo se juntaram ao grupo.
- Então, está a meter conversa com o homem mais calado do automobilismo? perguntava um divertido Pierre Brasseur, com o cigarro no canto da boca. Mais do que calado, cheira-me que ainda é virgem, acrescentou sarcásticamente.
- Quando formos a Zandvoort, levamos o rapaz às meninas da zona vermelha, retorquiu Alvaro.
- Rapazes, não o assustem! Só queremos que ele quebre o gelo, respondeu Pedro.
Antti não se deixou intimidar. Bebeu um gole de Sangria e cedo começou a falar da sua carreira na Finlândia e na Escandidávia, da ajuda que Holmgren e o seu amigo Temple lhe deram desde que ganhou no final de 1967 uma corrida em Karlskoga, num Formula 3 de nona mão, à frente de todos os suecos presentes, bem melhores do que ele, como Anders Gustafsson, e de como ele conduzia desde os doze anos no velho Volvo do seu pai.
- Caramba, nem eu conduzia com essa idade. E venho de onde venho, respondeu Alexandre.
- Acreeditem amigos, a Finlândia é um paraiso por descobrir. Somos uma nação de desportistas.
- Quantos são?
- 4.5 milhões. Não é muito, comparado com a Suécia...
- O meu país tem mais ou menos a mesma população, portanto estou solidário contigo, respondeu Alexandre, dando uma fote palmada nas costas do finlandês.
- Pois, acho que a minha cidade é quase duas vezes mais populosa que o teu país, Antti.
- A sério? Vives onde?
- Em São Paulo.
Já Antti estava mais desinibido do que antes. A timidez tinha ido há muito, graças aos goles de Sangria que tinha ingerido, e a ideia de um rapaz bem comportado esvanecia-se. Já se ria com as piadas dos outros e cantava, sempre que algum se atrevia a tal. No final da festa, boa parte do pessoal começava a desmobilizar-se, com algumas excepções.
- Vamos para o hotel? perguntou Guarini.
- Vamos, mas não tenho sono, respondeu Pedro.
- Então quando chegarmos, vamos para o bar. Acho que vi uma mesa de "snooker", afirmou Alvaro.
- Quem tem um maço de cigarros? acabei com os meus agora, perguntou Pierre.
- Eu tenho, repondeu uma voz feminina, num francês perfeito.
Ela tirou um maço de Atlante da carteira, uma embalagem de cor azul turquesa, e sacou depois de um isqueiro. Ele tirou um cigarro de lá, aproveitou a chama e devolveu o resto. Ela também tirou um cigarro e o acendeu.
- Agradeço imenso a oferta, Mademoisele...
- ...Lencastre.
- Tchii, no que te foste meter, Pierre! afirmou Alexandre.
- Quem é? perguntou Pedro.
- Uma conterrânea minha. É jornalista.
- Ao vosso serviço, meus senhores, respondeu, soltando uma baforada sorridente.
- Veio escrever sobre a bebedeira do homem calado? perguntou.
- Seria uma boa noticia, mas não estou em serviço.
- Se não está, venha conosco, afirmou Pierre, pegando-a ao colo. Ela soltou um grito e todos se riram às gargalhadas, enquanto entravam nos seus carros, rumo ao Hotel.
(continua)
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