Monaco, 9 de Maio de 1970.
A qualificação iria começar dentro de alguns minutos. O dia estava encoberto, mas não iria chover, e os pilotos e carros procuravam encontrar a melhor afinação para enfrentar o circuito em seco, algo que tentaram fazer nos treinos livres. Alguns conseguiram logo, mas outros ainda procuravam, e isso era importante, pois tinham somente sessenta minutos para conseguir um dos dezasseis lugares mágicos. E aqui, tal como tinha acontecido em Jarama, estavam vinte pilotos inscritos.
John Hogarth via-se aflito com o seu motor flat-12. A falta de potência não era problema por aqui, num circuito sinuoso e lento como as ruas do principado. Mas os pequenos problemas deste motor, que ainda sofria com a sua juventude e o seu peso (muito mais pesado do que um V8) faziam com que em média, perdesse entre dois e três segundos em recta. E isso o colocava num lugar extremamente perigoso em termos de grelha, algo que mesmo a sua experiência o impedia de tirar o melhor do conjunto.
Cavenaghi e McLaren estavam a conversar sobre o motor. O italo-argentino gostava de ouvir Bruce, e começava a questionar a utilidade de tal motor, e toda a politica envolvida. Questionava, por exemplo, a razão porque aquele motor tinha sido feito fora da orbita de Sant'Agata Bolognese, numa empresa que trabalhava para um dos seus rivais, a Alfa Romeo. E pensava nisso porque tinha descoberto que o V12 que tinham na companhia, feito há cinco anos por Bizzarini, para competir com o "nemesis" de Maranello, era bastante melhor do que o flat-12, apesar de ser um 3.5 litros. E ele discutia com Bruce sobre a necessidade de um "plano B".
- Bruce, temo que tenham feito um mau acordo.
- Ora, mas porquê? Ainda agora começamos...
- Nada tenho contra o projecto em si, mas acho que fomos apanhados no meio de uma tempestade.
- Em que sentido?
- Conheces a relutância do Signore Ferruchio em competir na Formula 1, e o que ele fez para que isto prosseguisse, mas acho que isto foi outro erro.
- O flat-12?
- Creio que sim. Muito pesado e pouco potente.
- Hmmm... Mesmo assim, temos de dar uma chance, certo?
- Claro, mas temo que tudo isto vá pelo cano abaixo.
- Qual é a tua ideia?
- A fábrica tem um V12, e acho que deveriamos aproveitar. É de 3.5 litros, mas acho que se pode reduzir para 3 litros, e aumentar para os 5 litros da Can-Am, se quiseres.
- Para a Can-Am não vale a pena. Para a Interseries, a história é outra. Eles vão ter novo regulamento em 72, e eu quero estar lá. Para mim, acho bom que desenvolvas os carros para a Europa. Os Estados Unidos são outro território. Talvez para mais tarde.
- Vou tentar convencê-lo a mudar...
- Tenho uma ideia melhor. Faz o teu trabalho de casa. Já vi que és bom, se mostrares algo como facto consumado aos patrões, eu apoio-te no teu projecto, serve?
Cavenaghi virou-se para Bruce e disse:
- Claro, aceito perfeitamente.
Os dois apertaram a mão e o neozelandês foi para o seu carro. O homem que controlava tudo, Teddy Mayer, tinha ido ter com ele para informar que o treino tinha acabado de começar. Cavenaghi ficou no seu lugar e ficou a pensar sobre a melhor maneira de construir um motor V12 capaz de debitar tanto ou melhor do que os V8 da Cosworth ou os V12 da sua arqui-rival.
--- XXX ---
Noutra boxe, na Apollo, John O'Hara já fazia a sua primeira volta lançada na pista, e tivera o BRM de Turner e o Jordan de Cervantes à sua frente, em voltas de aquecimento, prejudicando a sua primeira tentativa de marcar um tempo decente. Para Pete , era uma tarefa dificil de coordenar, pois tinha dois carros oficiais e um oficioso, e não queria que existisse mais do que um carro a circular, para que todos tivessem uma chance de marcar um tempo decente, sem filas.
- Como anda o teu irmão?
- Veremos. Não tarda ele passa aqui.
Poucos instantes depois, o carro de O'Hara passa pela meta e Sinead para o cronómetro. Este marcava 1.26,3, um bom resultado, colocando-o no segundo lugar da tabela, apenas atrás do Ferrari de Van Diemen. Contudo, logo a seguir passa o Jordan de Reinhardt e marca 1.25,9 segundos, fazendo com que este seja o melhor tempo da sessão. Logo a seguir, aparece Beaufort e marca 1.28,8 e é ele que lidera a tabela de tempos. Mas O'Hara aproveita a volta para tentar de novo e marca 1.28,5 e é o primeiro homem naquele momento. Faz uma volta de desaceleração e volta às boxes, ao mesmo tempo que Teddy sai para tentar a sua sorte.
- E então?
- Tive sorte, não cruzei com ninguém, disse John.
- Estás a ir bem, mano. É o que interessa, respondeu uma Sinead sorridente.
- Ainda nem chagamos aos vinte minutos, retorquiu John.
- Ainda falta o Alex marcar tempo. Espero que aproveite, afirmou um pensativo Pete.
Já estavam muitos carros na pista, tentando marcar um tempo. Alexandre esperava, concentrado, no seu carro, para que um dos mecânicos lhe desse um sinal para que ele pudesse tentar a sua sorte no traiçoeiro circuito monegasco, onde um azar significa um carro danificado e o regresso às boxes a pé. Com esse tempo a passar, inevitavelmente ele estava no final da tabela de tempos. Para conseguir um tempo nos dezasseis primeiros, tem de fazer 1.28,5, tempo feito por Manfred Linzmayer, no seu Jordan privado. Algo que não era fácil, pois ainda nos não-qualificados andavam os Jordan-Temple de Antti Kalhola e Brian Hocking. E no outro lado estavam o Jordan de Cervantes e o McLaren-Lamborghini de John Hogarth.
Passava quase meia hora desde que começou o treino quando as rodas começaram a girar. Alexandre lançou-se à pista, numa primeira volta em ritmo de passeio, sem ninguém a incomodar nem a prejudicar. Depois da chicane do Porto, Alexandre começou a acelerar, antes de chegar à Curva do Gasómetro. A partir dali, começou a dar tudo por tudo, acelerando a fundo até Ste. Devôte, subindo até ao Casino, onde se faz uma curva à direita, descendo a Mirabeau, até nova curva à direita, em direção ao emblemático gancho, no lugar onde era a Estação e agora vai ser transformado num Hotel. Depois, nova curva à direita, onde acelera a fundo, passando pelo tunel e descando até à zona do porto, onde tem de encarar uma chicane, feita em terceira.
Até agora, não apareceram carros alguns. Trava na chicane do Gasómetro e lança-se para a meta, dando o seu máximo, e marca um tempo, sem parar, rumo a nova volta.
- Quanto fez, Sinead?
- 26,3.
- Tás a gozar.
- Não, não me enganei. Ele fez 1.26,3.
- Isto significa que está à frente do Teddy. Ele tem 26,5.
- E acho que vem para mais. Está alguém à sua frente? pergunta Pam.
- Não creio, querida. Não vi nenhum carro a passar ou sair antes dele.
Pete ficou pensativo, na expectativa de ver no que ele ia fazer. Entretanto, passavam mais dois carros, um Temple e um BRM, talvez o de Turner, e depois via um grande espaço, até que ouviu o ruido do carro vindo do Porto. Viu-o a travar para abordar a Curva do Gasómetro, fê-lo quase em "slide" e acelerou rumo à meta, dando o máximo. Ao passar, Pete perguntou:
- Quanto?
Houve um momento de silêncio. Depois, ouve-se o gaguejar de Sinead.
- Eu... eu... acho que está errado.
- Como assim?
- Se isto estiver certo, ele fez 1.25,8 segundos. Igual ao John, numa máquina com dois anos.
Pete estava espantado. Parecia que num circuito em particular, um jovem piloto, ainda no seu segundo Grande Prémio da sua carreira, estava a fazer o seu melhor numa máquina datada, que em principio teria dificuldades num circuito para marcar tempo, pois os carros da frente tinham máquinas muito mais actualizadas. Se ele fazia isto, o que faria num carro novo?
Alexandre regressava à boxe, debaixo dos aplausos da equipa. Ao ver o panorama no seu cockpit, ele sorriu e saiu da carro.
- Pelos vistos, sai-me bem.
- Ah sim. Já conseguiste o teu lugar para amanhã.
- Otimo, é isso que me interessa. E os outros?
- O John vai sair, o Teddy está à espera.
- Bom, e o meu tempo? Não vi nada...
- Pois...
- Estiveste bem. Estás bem dentro dos qualificados.
- Ah é? em que lugar.
- Neste momento... és segundo classificado.
Alexandre ficou incrédulo por um momento e depois começou a rir-se. Ergueu as mãos em sinal de vitória e disse, feliz:
- Vou poupar o carro para amanhã. Agora cabe aos teus rapazes melhorarem. E o 16º, tem quanto?
- 1.28,3.
- Melhor ainda. Volto para o hotel e vou tirar uma sesta, hehe! Aliás, até tiro uma sesta aqui.
Alexandre foi buscar uma cadeira tipo "chaise longue" e deitou-se nas boxes. Tinha um sorriso de orelha a orelha e colocara as mãos atrás da cabeça, assistindo triunfalmente ao resto do treino.
Como era óbvio, o seu tempo foi superado, mas não tão facilmente como julgava. O'Hara baixaria para o 25,5, mas não seria pole-position. O melhor seria Pierre de Beaufort, com 1.24,8, com O'Hara no terceiro lugar, depois de Pieter Reinhardt, no seu Jordan, fazer 1.25,0. Alexandre de Monforte conseguia um inédito quarto posto, à frente de grande parte do pelotão oficial. Iria ter a seu lado o BRM de Bob Turner, que tinha ganho por cinco vezes o GP do Mónaco, e mesmo aos 42 anos, dava um ar da sua graça.
Quanto aos mais lentos, os Jordan do velho Temple lutaram contra o segundo BRM de Gustafsson, o terceiro Jordan de Cervantes e o McLaren-Lamborghini de Hogarth. O Jordan de Linzmayer era o 13º da grelha e já não o apanhavam. Depois, Kahola punha mais tranquilo o velho Temple, e no 15º posto ficava o carro do conde espanhol. Restava um posto e no ultimo minuto, os dois candidatos, mais um dos não-qualificados, o suiço Perrot, tentavam a sua sorte.
Separados por meio circuito, Hogarth dava o seu melhor para conseguir o lugar, e a sua veterania veio ao de cima, ao conseguir fazer as coisas bem e a marcar um tempo um segundo mais rápido do que o pretendido, e até a ficar acima de Cervantes a Kahola. Assim, Perrot e Hocking tentavam a sua sorte, mas quando o sul-africano faz a Mirabeau... sai de frente, sem que o voltante respondesse, e ficou por lá. Ele ficou parado por um momento, tirou o volante e saiu lentamente do carro. Pulou o guard-rail e caminhou lentamente para as boxes. O seu treino terminara, e não conseguira a qualificação.
(continua)
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