quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Grand Prix (numero 57, o segundo golpe)

(continuação)

A corrida foi mais calma do que ano ano anterior, sem acidentes nem mortes. O gesto de Pete no ano passado tinha sido visto por todos na TV e lido nos jornais, e nesse ano, os carros partiram da mesma maneira, mas com os pilotos lá dentro. No duelo entre Ferrari e Porsche, com os Matra, BRM e Alfa Romeo em segundo plano, com os seus motores de três litros, a marca alemã venceu em toda a linha, com os carros de Mike Weir nos três primeiros lugares, e todos experimentaram a liderança por algum tempo. E no final, o carro numero um era o vencedor: John O'Hara de Philipp de Villiers cruzavam a meta no primeiro posto, dando ao velho irlandês e ao jovem sul.africano as luzes da ribalta, seguidos pelos mexicanos Molina e Solana, e a proimissora jovem dupla silo-brasileira Pedro Medeiros e Alexandre de Monforte, a duas voltas do vencedor e a uma volta do Porsche da Ecurie Holmgren, guiado por Brian Hocking e Antti Kalhola.

Todos estavam satisfeitos pelo feito e pelo resultado, e De Villiers, no alto dos seus 24 anos, estava eufórico. Era o seu melhor cartão de visita para a Europa, e certamente seria motivo de orgulho na sua Africa do Sul natal, nação apaixonada por corridas e que já conhecia os seus feitos na velocidade nacional, bem como uma primeira passagem pela Formula 1. Agora, bastava ele ganhar o campeonato local para o ter na Europa em 1971 e, quem sabe, dar-lhe um lugar na equipa, num eventual terceiro carro. Ou um quarto, pois também tinha olhos postos em Monforte, que já reclamava da competitividade do seu carro datado e queria um carro seu...

Depois de pensar muito, decidiu que iria construir um Apollo para ele. Iria ser pago para isso, gostava do seu talento e da sua postura em pista e fora dela, e parecia ser uma boa opção para o futuro. Provavelmente dali a três ou quarto anos, ele poderia ser um possivel campeão do mundo.

Mas o chassis novo não estava pronto a tempo do GP da Holanda, e com de Villiers a exibir o troféu de vencedor na Cidade do Cabo, antes da corrida de Killarney, a Formula 1 tinha o GP da Holanda. Normalmente era realizada ao Sábado, mas naquele ano seria no Domingo. E nesse dia, a maior parte das pessoas tinha o pensamento noutro continente. Porquê? Pois era o dia da final do campeonato do Mundo de futebol, e um eletrizante duelo entre a Itália e o Brasil, com ambos a quererem a Taça Jules Rimet, que ficara na definitiva posse de uma dessas nações.

Naquele Sábado a tarde, todos davam o seu melhor durante os treinos. A Jordan e a Matra lutavam entre si pela pole-position, com Reinhardt e Beaufort tentando fazer o melhor tempo, lutando a cada décima de segundo. O'Hara e Van Diemen espreitavam por uma chance para melhorar, e Monforte lutava para manter aquele chassis competitivo. Já perdia dois segundos por volta, e tirar o melhor daquela máquina cansada de tantas corridas, já começava a ser uma tarefa dificil. E a mesma coisa era na pista.

Monforte estava no 11º posto na tabela de tempos, a 2,2 segundos de Reinhardt, e a 0,2 segundos do Jordan de Bob Bedford quando saiu à pista para uma série de voltas rápidas. Depois de uma primeira volta de aquecimento, em que deixou passar o Ferrari de Bernardini e o Matra de Carpentier, ambos em volta rápida, começou a lançar-se rumo ao melhor tempo possivel.

A pista estava húmida e escorregadia, devido ao céu nublado e aos ventos vindos do Mar do Norte, não longe dali, que arrastavam a areia e a tornavam ainda mais escorregadia do que estava. Monforte fez a Tarzan e a Gerlacht, e depois da Hugenholtz, acelerou para o topo do monte, com o pedal a fundo. Alguns segundos depois, várias bandeiras amarelas começavam a ser mostradas na pista, mais concretamente na veloz, e temida, curva Scheivlak. O carro de Monforte fizera mal a curva e entrado em despiste, arrancando uma roda no embate. O carro arrastou-se por alguns metros, de cabeça para baixo, mas conseguira acabar de pé. Monforte saiu do carro, dorido mas não magoado, e viu-se perante os estragos: asas partida, eixo traseiro arrancado, e o roll-bar amolgado. Chegou a sentir o chão, mas não tinha tido nada de grave. Foi um tremendo susto, e tinha algo em mente: como recuperar o carro para amanhã?

Não daria. Os estragos naquele carro eram de dificil reparação, e não havia peças suplentes para aquele carro. Se batesse, estava feito. E frustrado, Alexandre viu o resto do fim de semana nas boxes. No final, Pete foi ter com ele:

- Estou a ver a tua cara. Sei como sentes.
- Ah sim? Como sinto?
- Frustrado por não estar ali.
- Sabes, Pete... só agora é que tenho consciência do susto que passei. Queres ver?

Alexandre mostrou o seu capacete, arranhado do seu lado esquerdo, que ficou marcado no asfalto após o embate na duna. Passou a mão no capacete, mais uma vez, para sentir a aspreza da zona afectada e disse:

- Agora que os minutos estão a passar, Pete, deixei de estar zangado para sentir algum alivio. Não sei porquê, mas sinto que me safei de boa neste fim de semana. Aquele chassis deu muita coisa, mas agora o lugar dele é num museu, e preciso de um novo carro.
- Desculpa lá não te ter dado um carro novo...
- Pete, deixa estar. Se não está pronto, não está pronto. Logo eu que devia queixar-me de ti, disse sorrindo, enquanto fumava um cigarro. Pete topou e perguntou:
- Não sabia que fumavas.
- E não fumo. Só quando bebo e apanho sustos, replicou.

Passado um instante, Alexandre disse:

- Qual foi o teu maior susto da tua vida, Pete?

Pete pensou por momentos. Tinha tido uma longa carreira na última década e meia, e tinha passado por muito. Bateu forte por muitas vezes, partira muitos ossos, tinha até atirado o seu companheiro de equipa ao mar, no Mónaco, tinha terminado corridas com motores a arder, mas não conseguia ver um susto maior do que os outros.

- Talvez o meu acidente no Glen, que terminou com a minha carreira. Decidi que era tempo de parar de vez, antes de ser mais um na lista. Ver como é a vida depois das corridas.
- O Fângio não precisou de bater para se retirar...
- Mas na sua última corrida viu o Luigi Musso morrer à sua frente, em Reims. Ele tinha 46 anos e queria fazer uma espécie de despedida dos circuitos. Queria correr em Reims, Nurburgring e Monza, para depois arrumar de vez. Viu Musso a morrer, viu o seu carro a aguentar até ao final no quarto posto, e depois pendurou.
- Ele disse que não queria acabar como o Nuvolari, não foi?
- Por aí.
- Fez ele bem. Pelo menos vou ver a envelhecer. Tal como tu.
- É verdade. Mas somos excepções. Como eu, o Tim Randolph, o John Hogarth, o Dan Gurney...
- Nunca pensei nisso: competir com Gurney, Hogarth de Bob Turner. Via-vos na TV há dois ou três anos, só dei conta de que isso poderia ser real há ano e meio, na Formula 2. É de loucos...
- É verdade. E então, que achas de nós?
- Vocês são os meus heróis. E excelentes pilotos. Mas agora, é a nossa vez! exclamou, deitando fora a beata e caminhando para dentro da boxe.
- Onde é que vais?
- Eu? Procurar a minha namorada e fazer amor com ela. Já que não tenho carro, mais vale celebrar a vida, Pete.

Pete sorriu e abanou a cabeça enquanto o via caminhar para a tribuna de imprensa. Quando virou para trás, viu os irmãos O'Hara na sua direcção, a conversar sobre o treino de hoje, que lhe deu a ele um quinto posto na grelha de partida, que aqui seria de 2-2. O'Hara estava atrás de Gilles Carpentier, Patrick Van Diemen, Philippe de Beaufort e Pieter Reinhardt, na ordem crescente na grelha de partida, num duelo entre Jordan e Matra, com Ferrari e Apollo a espreitar. A seu lado teria o McLaren de Peter Revson e logo atrás o BRM de Bob Turner e o outro Apollo de Teddy Solana e a finalizar o "top ten" estava o Jordan de Bob Bedford e o outro Ferrari de Toino Bernardini.

Tudo estava pronto para a corrida de amanhã e a atmosfera começava a desanuviar, depois do golpe da morte de Bruce McLaren. E amanhã seria outro dia.

(continua)

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