Desde cedo que se formam imensas filas nas estradas de acesso ao circuito. Em Mannheim e à volta, desde que se conheceu o anuncio da transferência do GP da Alemanha para Hockenheim que os hoteis, estalagens e demais hospedarias ficaram cheias de tantos entusiastas do automobilismo vindos não só da Alemanha como dos países à volta, como Belgica, Holanda, Suiça ou mesmo França. Milhares de carros convergiam para o circuito, famoso pelas suas longas rectas e pela enorme tribuna na sua zona mais sinuosa, que é chamada de "Stadion", e que podia albergar mais de 200 mil espectadores. E os que viam tudo aquilo comentavam: se era assim na sexta-feira, como seria do Domingo?
As equipas não tiveram alguma dificuldade em arranjar acomodamento. Como tinham acordado com Hockenheim, marcaram reservas para a altura inicialmente prevista. E quando souberam do adiamento, pediram uma simples transferência, algo que acordaram, mesmo que alguns tenham pago um extra. Outros trouxeram autocaravanas extra para o circuito, onde podiam pernoitar sem problemas. Mas cedo viu-se que isso era pouco necessário.
Nas boxes improvisadas de Hockenheim, havia uma equipa totalmente transformada: a Jordan. As três semanas que mediaram Brands Hatch com Hockenheim foram agitados na sede da Jordan, em Northampton, não muito longe da casa da Apollo: Bruce Jordan decidiu dispensar os serviços de Bob Bedford, a pretexto das suas lesões na qualificação da corrida britânica, e o substituiu pelo brasileiro Pedro Medeiros. Mas entretanto, também tinha dispensado os serviços do espanhol Cervantes, no qual chegou à conclusão de que nada acrescentava à equipa. Mas tinha inscrito na mesma três carros para a corrida alemã. Quem tomaria o lugar?
Para conseguir o que queria, teve de chegar a um acordo com Henry Temple. Em troca de chassis novos, peças a "preço de amigo" e algum dinheiro (cerca de dez mil libras, diziam alguns, seis mil, diziam outros) conseguiu os serviços do finlandês Antti Kalhola, o piloto que há muito o perseguia desde que o viu correr pela primeira vez na Formula 2 europeia e que Temple o descobrira com tenra idade, quando circulava livre na pista de Keimola, entre os "grandões" do automobilismo local. Ao lado de Pieter Reinhardt e Pedro Medeiros, tinha a convicção de que tinha arranjado os pilotos do futuro, que seriam campeões do mundo algures na década que iria começar.
A Jordan era a unica que vinha a Hockenheim com três carros. Apollo, Ferrari, BRM, Matra e McLaren tinham dois carros. Nesta última, ainda a lamber as feridas da perda do seu fundador, andavam em agitação. Com o americano Peter Revson ao volante, precisavam de um bom segundo piloto, já que Dan Gurney e John Hogarth, já muito veteranos, não serviam para o futuro próximo. Teddy Mayer tinha abordado Pete Aaron sobre a hipótese de ter nas suas fileiras o sul-africano Pieter de Villiers para os próximos anos, mas este estava relutante em aceitar, porque ele também o queria para a temporada seguinte, enquanto que estaria disposto a abrir mão de Teddy Solana, se assim o quisesse. Contudo, Solana tinha os seus próprios planos, e esses passavam por um regresso à BRM, já que Bob Turner iria abandonar a competição, especulando-se que para formar a sua própria equipa. Anders Gustafsson não era própriamente o melhor dos pilotos para o lugar, e Solana era favorável à ideia de ser o primeiro piloto da equipa. E ainda havia no ar a ideia de que outras equipas iriam surgir no futuro, como a Lamborghini...
Apesar de todas estas negociações, De Villeirs não iria participar na Alemanha devido a compromissos já marcados na sua terra natal, e ele ainda estava disposto a ganhar o campeonato local, para poder depois encarar a temporada seguinte com tudo pago. Gurney decidiu não participar mais na Europa, porque a sua equipa nos Estados Unidos precisava dele, e decidiu que era mais do que tempo de pendurar o capacete. Afinal, chegar vivo aos 39 anos não era para qualquer um... mas não seria a última vez que iriamos ouvir algo de Dan. Nesta corrida, John Hogarth iria tripular o carro, num compromisso até ao final da temporada, mas depois iria também pendurar o capacete. Afinal, tinha chegado aos 40.
Bedford, desempregado e aleijado, não iria ficar parado por muito tempo. Podia não correr na Alemanha e se calhar na Austria, mas Harry Temple já lhe prometera que teria um lugar à sua espera na Temple-Jordan em Monza. Até lá, esse lugar pertencia a um local: o austríaco Manfred Linzmayer, que aceitara a oferta de correr num carro... vá lá, semi-oficial. E era isto tudo que se via no "paddock" de tendas e caravanas de Hockenheim, com o resto do pelotão, como a Ferrari e a Matra, num estado considerado como tranquilo.
Aquela sexta-feira era o primeiro dia de qualificação no circuito alemão. Já na véspera, tinham dado algumas voltas no circuito e a impressão geral tinha sido boa. Podiam acelerar em plena floresta, mas sabiam que em cerca de dois minutos viam a meta, em vez dos mais de sete minutos e centena de curvas do "Inferno Verde" de Nurburgring. E a pista era tão veloz como Monza... Na caravana da Apollo, na hora anterior à sessão, Pete Aaron estava reunido com Alex Sherwood, Arthur O'Hara e os pilotos Alexandre de Monforte e Teddy Solana, para falarem sobre um problema surgido durante as voltas que tinham dado ontem:
- De facto, a carga aerodinâmica é minima por aqui, mas temos duas chicanes e a zona de Estádio, pelo que retirar as asas não é aconselhável, afirmou Alex.
- Acho até perigoso. Isto é diferente de Monza, onde só aceleramos e temos uma curva a sério, que é a Parabolica. Aqui eles colocaram aquela secção seletiva, e não foi só para os espectadores verem os pilotos, reforçou Pete.
- Eu concordo, respondeu Alex.
- Eu também, disse Teddy.
- Então se todos concordamos, para quê o motivo desta reunião, afirmou Arthur, um pouco alheio a tudo isto.
- O problema, Artur, é que ouvimos que o Bruce Jordan pode tirar as asas dos seus carros para ganhar alguns segundos preciosos.
- E funciona?
- Pelos vistos, até prejudica mais do que beneficia, mas parece que o Medeiros e o Kahola vão experimentar.
- Tipico dele. Ainda por cima, com dois "rookies" na equipa, pode fazer o que quiser, retorquiu Sherwood.
- Mas pessoal... o que me garante que tudo isto não seja um "bluff"? Pelo que vi, o Reinhardt não usou nada disso. afirmou Alexandre.
Apontado à porta da caravana, uma rapariga de máquina fotográfica aponta para eles e tira algumas fotos. Vira a máquina para tirar mais algumas e depois vai embora dali, deixando-os em paz e a caminho das boxes, onde vai tirando mais algumas fotos dos motores, dos mecânicos e do ambiente. Vai fazer isso nos minutos que se seguem até perto da hora do começo do treino. Para além da maquina que tem nas mãos, tem outra no seu peito e uma bolsa a tiracolo. Tem o tempo todo contado, porque sabe que dali a alguns minutos, vai colocar tudo nessa autocaravana, do qual ela é uma das detentoras da chave.
Naquelas duas semanas, Teresa Lencastre decidiu aceitar a oferta de Pete Aaron para ser uma faz-tudo na equipa: acessora de imprensa, fotógrafa oficial, tomadora de tempos... tudo aquilo com a ajuda de Pat Aaron, a mulher de Pete, a troco de uma soma de dinheiro. Com seria de esperar, ela despediu-se do seu emprego no Liberal, para ajudar a erguer um departamento importante na equipa, e que começava a ser importante arranjar profissionais capazes de enfrentar o assédio cada vez maior da imprensa.
Com a chegada da televisão, dando novas audiências um pouco por todo o mundo, cada vez mais jornalistas e fotógrafos invadiam os circuitos, tornando-se numa horda cada vez mais de dificil controlo. E Teresa já sentia isso na pele, nesse fim de semana alemão. Para além de ser uma fotógrafa improvisada, iria também escrever o comunicado de imprensa para dar aos jornais e controlar os pedidos de entrevista a Pete, Alex e Teddy. Era muita coisa para uma pessoa... apesar de Pam a ajudar naquilo que podia, devido à sua experiência. E ambas sabiam que era preciso mais uma pessoa para ter tudo controlado.
(continua)
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