Pouco antes da reunião com Pete, Alex Sherwood e Teddy Solana, Alexandre estava a fazer contas numa folha de papel na sua caravana, enquanto que bebia o café e comia as torradas. Teresa tinha ido à sala de imprensa para ver os telexes no sentido de actualizar sobre o que se passara pelo mundo nas últimas horas.
Desde que estava na equipa como piloto principal, ainda não tinha feito cálculos a sério sobre as suas possibilidades de título, pois julgava ele que, com Beaufort mais do que destacado na sua rota para o bicampeonato, o título já era uma questão de tempo. Estava demasiado concentrado em correr, em ter o carro afinado e em chegar ao fim o mais à frente possivel. Mas depois de ter conseguido treze pontos em duas corridas, começava a pensar seriamente sobre a conversa que ele e Philippe tiveram naquele pódio na Alemanha: com os seus pontos alcançados com o carro antigo, tinha dezanove, o que era imenso para um "rookie" como ele. E assim, começou a fazer contas em relação a ele e aos outros, sobre o que tinha conseguido até agora.
Das nove provas até então, Beaufort tinha ganho em Espanha, no Mónaco, na Holanda, França e Alemanha. Ele vencera na Grã-Bretanha, Turner na Belgica e O'Hara em Kyalami, mas infelizmente já não fazia parte das contas. E descobrira que, tirando Beaufort, aqueles que deveriam estar fora do seu alcance eram... pouco fiáveis. Porque quando chegou ao final das contas, descobriu que neste fim de semana, o título poderia ser decidido a favor do francês. E ele então entendeu algumas das conversas que ouvira dele e de mais algumas pessoas nas últimas semanas...
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No dia a seguir à sua vitória em Brands Hatch, e enquanto não se decidia se o Grande Prémio da Alemanha ia para a frente ou não, Alexandre e Teresa estavam no salão do hotel a tomar o pequeno-almoço juntos. Ela tinha ido ter com ele, pois iam juntos para o aeroporto e apanhar o vôo de volta para Coburgo. A meio, viram Philippe de Beaufort a entrar na sala para tomar o pequeno-almoço. Vestido de forma elegante, como um nobre sabia fazer, com a sua barba aparada, semelhante ao Capitão Haddock (o seu apelido não oficial na Matra) estava sozinho. Alexandre o viu e o convidou a juntar-se na mesa. Ele respondeu:
- Não quero interromper o vosso idilio amoroso...
- Não interrompes nada, até gostamos da tua companhia, disse Teresa.
- Ah... merci, vocês são gentis.
Depois de se sentar e servir-se, a conversa incidiu acerca dos eventos do dia anterior. Philippe elogiou o desempenho de Alexandre e disse:
- Pelo que andei a ver na Formula 2 e agora, e pelo que me dizem, tu tens potencial de campeão do mundo. Isso é bom. Não cometes muitos erros e estás nas boas mãos do Pete Aaron, um bom amigo nosso.
- Para director de equipa, está a ir bem.
- Lá isso é verdade. Mas tu tens uma máquina fabulosa nas tuas mãos. Vais a caminho do título, sem dúvidas.
- Ainda não está decidido. Talvez ganhe em Monza. Se ganhar as três próximas corridas, sim, serei campeão. Mas até lá, tudo pode acontecer. E tenho tido sorte, amigos... não sei quando é que acaba. E não sei como vai acabar.
- Mas vais ser campeão. Se não fores, tentas sempre de novo, disse Teresa.
Um longo silêncio estabeleceu-se na mesa. A expressão de Beaufort tornou-se algo triste e melancólica, para depois responder:
- Sabes, eu sou um homem de sorte. Tenho o melhor carro e tenho uma excelente equipa por detrás. Este ano, tudo está a dar bem, e vou a caminho de mais um título. Mas, "ma cherie, un jour la fortune cést fini." E não quero morrer queimado num carro, como o meu amigo John ou como o Bruce. Eram dois grandes amigos, pessoas que cresci a admirar ao longo dos anos. Excelentes adversários, ótimos amigos. E sinto a falta deles.
- Pensas em ir embora?
- Uma coisa é desejar, outra coisa é fazer. E sobre isso, amigos, não digo mais nada. Vamos falar de coisas agradáveis? Tu deves-me uma visita à tua quinta, Alex...
- Pois é. Ganhas o título e mando-te uma caixa em tua honra para o "chateau".
- Ahah! Combinado.
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Alexandre nunca pensara a sério sobre essa conversa, mas duas semanas mais tarde, após a conversa no pódio em Hockenheim, pensou novamente nas declarações dele. Achou-as elogiosas, mas associou-o à ideia de que o queria na Matra em 1971. No seu íntimo, não queria nada disso, pelo menos não tão cedo, porque desejava ficar na Apollo. Mas uma hora depois do pódio, numa das festas que se fazia na caravana, e já com álcool à mistura, os pilotos juntavam-se e falavam sobre tudo e mais alguma coisa. Alex deu por si com Teddy Solana e Bob Turner, o veterano e bem humorado britânico, bem como Pete Aaron, seu competidor em temos não muito distantes.
- Onde é que vão jantar? perguntou Bob.
- Deviamos fazer aqui, junto com os mecânicos e o resto. Afinal, daqui seguimos para a Austria, respondeu Alexandre.
- Acho que sim, está uma excelente tarde/noite de Verão, acrescentou Pete
- Eu concordo, vou perguntar ao pessoal das outras equipas se querem juntar-se a nós - disse Bob - eu vou falar com o Bruce e ao Reinhardt, quem vai à Matra?
- Eu vou, disse Alex.
- E a Ferrari? Quem vai encarar o "vecchio"?
- O Velhadas está em Maranello, não em Hockenheim, retorquiu Teddy. Eu falo com o Van Diemen.
Alexandre e Teresa foram para a Matra, onde viram Gilles Carpentier e falaram daquilo que o pessoal andava a combinar. Alexandre procurou por Philippe de Beaufort e o encontrou na porta da caravana, de tronco nu, com a garrafa na mão e a ver o Sol a desaparecer no horizonte alemão. Ao vê-lo a observar o astro celeste, perguntou:
- Bela visão, hein?
- É sim. E meu amigo, tenho uma escolha a fazer neste momento. Se disser sim, verei muitos mais como este. Se não, tenho de aproveitar os que me restam.
- Olha, estamos a preparar um jantar juntos. Queres aproveitar? O Gilles disse que sim.
- Claro, claro, respondeu algo distraidamente.
Alex viu-o pensativo e perguntou:
- Passa-se algo?
- Se tudo correr bem, arrisco-me a ser campeão do mundo daqui a menos de um mês. A partir dali, tenho de pensar o que fazer da minha vida. O Pete vai lá?
- Ele e o Bob é que tiveram a ideia.
- Otimo. Vou pedir umas dicas sobre como gerir uma equipa de Formula 1. "Ecurie Beaufort" soa-te bem?
- Os carros teriam de ser azuis?
- Ah oui!
- Vou pensar nisso, sorriu.
- Já sei o que fazer quando for embora: uma "Ecurie Beaufort". Formula 3, talvez, mas... "ça c'ést joli!"
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Depois de rever todas estas conversas na cabeça, Alexandre chegava à conclusão de que Philippe de Beaufort queria ganhar o título o mais cedo possível para depois anunciar a sua retirada da competição. O desfecho surpreendeu-o, não tanto pelo resultado em si, mas como é que não tinha captado os sinais e os gestos anteriores. Como ontem, quando viu Pete e Philippe numa longa conversa entre eles. E depois começou a pensar nas longas conversas que tinha com o seu engenheiro e com o seu director. Seria só dos carros ou algo mais?
Teresa entra dentro da caravana e apanha Alex nos seus pensamentos. Ela nota e pergunta:
- O que se passa, querido?
- O Beaufort vai-se embora, não vai?
Ela sorriu e disse:
- Só agora é que notaste? Ele está à espera de ser campeão para fazer o anuncio.
- Quem te contou?
- Ele mesmo. Só há três ou quatro pessoas que sabem disto: o director da Matra, o presidente da Matra, o Largardére, e o Pete. E ele contou-me, jurando segredo absoluto.
Alexandre ficou silencioso, tentando entender tudo aquilo. E passou a recear o futuro que ali vinha.
(continua)
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