Sempre aprendemos na faculdade que os jornalistas devem ser imparciais. Mas também sabemos que a primeira frase que os nossos professores dizem é que a objectividade é um mito. E pela prática, por muito que sejamos factuais, dando as duas partes da história, e "secos" a dar a noticia, poderemos estar a tomar uma posição. Muito pequena, mas estamos.
Durante as várias semanas que acompanho o caso "Lotus vs Lotus", li as duas partes em questão e os seus aregumentos. Li a história dos últimos anos da companhia e o passado algo duvidoso de Dany Bahar. Reconheci a importância de que montar uma nova companhia sob um nome do passado facilita mais as coisas do que começar do zero, mas no final, o objectivo é o mesmo: mostrar trabalho para ter resultados e por consequência, ser reconhecido pelos seus pares.
Nunca fui com a cara de Dany Bahar e nunca o escondi. Não por convicção pessoal, mas porque quando vi o seu currículo, não tinha nada que me dissesse "eis um homem sério e trabalhador". O que descobri foi um homem que tem um sonho megalomaníaco com um desejo de vingança: o de transformar uma marca de automóveis numa Ferrari britânica. Uma grande ambição, é certo, mas é preciso dinheiro e tempo. A Ferrari demorou 40 anos para lá chegar e se manter, e teve de se sustentar graças ao Grupo FIAT, que lhe comprou 50 por cento da marca em 1969. Bahar quer fazer isso tudo em cinco anos, e quer estar em todo o lado. Quer estar na Indy, GP2, GP3, Le Mans Series e quer construir modelos de estrada até 2014. E até quer fazer os seus próprios motores, tal como a Ferrari faz agora. É um projecto megalomaníaco.
Porque é que digo isto? Pois sei que custará no mínimo, 700 milhões de libras. Onde é que vai arranjar o dinheiro, numa era em que as montadoras se vão embora da Formula 1? Da Lotus, que fabrica 2500 carros por ano? Da Proton, que faz 150 mil e é altamente deficitária? Não. É do estado malaio. Ou seja, nos próximos quatro anos, será uma parcela do Orçamento de Estado daquele país que irá pagar as ambições loucas de Bahar e da cúpula da Proton, que conseguiram convencer o governo malaio que era capaz, sem que lhe fizessem perguntas.
Por muito menos do que isso, a McLaren está com imensas dificuldades para construir o seu modelo de estrada, o MP4-12. E certamente Ron Dennis deverá estar a pensar neste momento que era feliz no paddock, a comandar os seus carros, e não sabia.
Mas não é isso que fez transbordar a água do meu copo. Foram mais as declarações desta última semana, por parte de pessoas da seriedade de um Eric Boullier, o director desportivo da Renault, de Gerard Lopez, da Genii Capital, e até de jornalistas da estirpe de James Allen e da própria Autosport britânica. Bahar convidou-os para um jantar onde explanou as suas ideias. Tudo bem, mas depois disso estaria à espera de os ver a ter uma certa capacidade critica sobre aquilo que ouviram, e a capacidade de o ver esclarecer nas dúvidas que o tinham. Quando os li, fez-me lembrar os generais de Hitler, que quando no final da guerra diziam que tudo estava perdido e que o queriam convencer a desistir, mas à saída da reunião no seu "bunker" diziam que ainda dar a volta à situação com as suas armas miraculosoas, mesmo sabendo que os russos estavam a dois quarteirões dali. Vê-los a tentar desacreditar as declarações e as fundamentações de Tony Fernandes, mesmo sabendo que Bahar não tem nada - mas NADA - por onde se pegue, aí direi que o que fizeram foi uma violação do seu direito de objectividade.
Eles faltaram ao respeito aos seus leitores, especialmente quando legitimaram aquilo que não existe: uma alegada troca de correspondência entre Fernandes e Bahar sobre um acordo de união entre os dois, mas que não foi por diante porque Fernandes lhe prometeu "uma soma ridicula". O malaio negou tudo, claro. Não vou nomear o boi, mas fico com a sensação que Bahar lhes prometeu algo em troca se escrevessem tal coisa.
Sendo assim, tomei uma decisão: a partir de agora o meu apoio passa de oficioso para oficial. Sim, eu sou pró-Fernandes.
Não sou pró-Fernandes só porque gosto da cara dele. Sou-o simplesmente por uma questão de bom senso. Porque acho que provou, ao longo dos anos, que sabe fazer as coisas como deve de ser e os seus pares o reconheceram. Um homem que compra uma companhia aérea "por um ringgitt", a Air Asia, na pior altura possivel - uma semana após o 11 de Setembro de 2001 - e a transforma numa referência continental, com lucros, é um feito reconhecido pelos seus pares. A "Forbes" asiática nomeou há algumas semanas como o "Homem do Ano" em 2010, e uma revista de prestígio como esta não dá esse título a qualquer um. Se os seus pares o elegeram, é porque provou saber que faz bem, com paixão e inteligência, e isso ninguém pode negar.
Já passaram demasiados meses para ver que Tony Fernandes demonstrou que não era o oportunista que "pintaram" de inicio quando arranjou um nome do passado para os seus propósitos pessoais. Irónicamente, acho que isso encaixa melhor em Dany Bahar, que está na Lotus Cars, pelo seu passado na Red Bull e na Ferrari, e pela colecção de maus "cartões de visita" é mais apropriado nesse papel...
Admito que tinha um grande cepticismo inicial em relação a ele e ao seu projecto da Lotus, pensava que era algo "paraguaio", mas no final acabei por ver que era sério naquilo que fazia, que queria fazer um projecto do zero, com um nome antigo, respeitando o passado e com o objectivo último de unificar, ao fim de vinte anos, os dois nomes sob o mesmo teto. Se a administração da Proton tivesse tido mais um ano de paciência, ele teria feito isto e toda esta guerra não teria acontecido, garantidamente. No final, mais do que egos, é também uma prova de impaciência, para não falar da ganância típica dos homens de negócios sem escrúpulos.
E a história dos automóveis e do automobilismo está cheia de megalomaníacos, mesmo na Lotus. Ontem vos falei de dois deles: John De Lorean e David Thiemme. Esses dois, separadamente, conseguiram convencer Chapman a meter-se em esquemas que o enfiaram numa espiral descendente que o levou à sua morte precoce, em 1982. DeLorean queria 175 milhões de dólares para lançar um carro - UM CARRO - no final dos anos 70, na pior altura possivel, que era o segundo choque petrolifero de 1979-80. Sabe-se como acabou a história: DeLorean foi acusado de fraude, especialmente depois de ter aproveitado um subsidio de 80 milhões de libras para construir uma fábrica na Irlanda do Norte que construiu apenas nove mil carros e fechou após um ano de produção. Quanto a Thiemme, um sujeito estranho que anda va sempre de preto, com óculos de sol e chapéu, pouco depois de ter sido preso na Primavera de 1981 pelo fisco suiço, sob acusações de fraude - que revelaram não ter fundamento - o seu negócio de transação de petróleo na bolsa, a Essesx Petroleum, faliu.
O que quero dizer no final é que, pela experiência e pelos casos do passado, que esta história tem tudo para acabar mal. Primeiro que tudo, o caso existente no tribunal sobre os direitos da Team Lotus tem tudo para acabar de forma favorável a David Hunt, porque já aconteceu no passado e Hunt ganhou. Segundo, vai haver uma altura em que as pessoas irão pedir explicações pelo dinheiro gasto, mesmo que não haja uma crise no país. Se existir qualquer tropeço nesse plano megalomaniaco de Bahar, o resto de afunda num instante, como um castelo de cartas e quem vai pagar tudo será o contribuinte malaio.
Apesar dessa extensa declaração de interesses, não vou simplesmente ignorar o outro lado. O rumo continua a ser o mesmo e caso haja algo de relevante, falarei, e darei a minha opinião, da forma mais rigorosa e mais racional possivel. Direi os prós e os contras da situação, como fiz até agora. Acho que devo isso às pessoas que me lêm diariamente, mesmo que diga que, no mínimo, acreditar que as ambições megalomaníacas do Dany Bahar acabarão em poucos anos com o fecho da fábrica de Enstone, da falência da Lotus, da Proton e da própria Malásia.
Em jeito de conclusão, direi que há dias em que nos simplesmente nos fartamos de ser distantes e cínicos. Eu só tenho de aplaudir pessoas como Tony Fernandes e Mike Gascoyne, as dezenas de pessoas que estão nas instalações de Norfolk e os pilotos titulares, Jarno Trulli e Heiki Kovalainen, porque acreditam no projecto, trabalham com afinco, entusiasmo e lutam pelo direito de ter o nome e a herança Team Lotus porque sabem que tem a história e a razão do seu lado. E eu estou com eles.
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