Comemorou-se ontem, creio eu, os trinta anos da primeira vitória de Ayrton Senna em monolugares. O "Beco" estava prestes a fazer 21 anos, corria nesse ano na Formula Ford 1600, na sua primeira temporada a correr no estrangeiro e até estava... recém-casado com uma rapariga chamada Liliane Vasconcellos. O casamento durou pouco, porque, segundo ela, ele só pensava em carros. Uma obsessão, dizemos agora.
Quem recordou este dia foi o fotógrafo Keith Sutton. Hoje em dia é um dos monstros sagrados da fotografia automobilistica, a par outros como Rainer W. Schlegemilch, Paul-Henri Cahier e muitos outros, mas em 1981 era mais um jovem à procura do seu lugar ao sol. Sutton afirma que a sua passagem por Brands Hatch era um acaso: tinha ganho um bilhete de graça da British Rail que tinha vindo... numa promoção da Kellog's.
"Tinha acabado de chegar ao paddock de Brands Hatch quando Senna se aproximou de mim, pois me tinha reconhecido de uma corrida anterior em Thruxton. Queria saber porque é que tinha tirado fotos dele. 'Você é um fotógrafo profissional?' Respondi: 'sim, claro'. Depois prossegiu: 'Bom, preciso de fotos para poder enviar para o Brasil numa base regular. Pode-me ajudar?' Respondi naturalmente que sim, mas sob a condição 'que me pagasse para fazer tal coisa!'"
Senna - que no seu carro era ainda identificado como "A. da Silva" - venceu uma das mangas na versão mais curta do circuito, a versão Indy, e sob o instável tempo inglês, tinha a pole-position para a corrida final e venceu com 9,5 segundos de vantagem sobre o segundo classificado, o mexicano Alfonso Toledano. Quanto a Sutton, ele diz que "tinha acabado de assistir à performance de um jovem talentoso e carismático, que estava a caminho de ser uma das lendas da Formula 1". A relação de trabalho e de amizade durou até ao final dos dias de Senna, em 1994.
Hoje em dia parece um evento normal, mas em 1981, a divulgação dos feitos de um piloto no estrangeiro era algo do qual pouco se pensava, pelo menos para pilotos do seu calibre que aventuravam no estrangeiro. É certo que ele não era o primeiro, nem o último a fazer essa estrada, mas nessa altura, os brasileiros olhavam mais para Nelson Piquet e falavam da equipa Fittipaldi e de um dos seus pilotos, Chico Serra. Quando leio os arquivos da revista brasileira Quatro Rodas, noto o crescente destaque que ela dá a Senna à medida que os meses de 1981 e 82 passam.
Um bom exemplo que vi foi o fim de semana do GP da Belgica de 1982, em Zolder. No meio das noticias sobre a corrida e do acidente mortal de Gilles Villeneuve, há um pequeno destaque sobre a presença de Senna numa corrida da Formula Ford 2000 e do fato de algumas equipas de Formula 1 estarem de olho nele, e uma delas, se a memória não me falha, era a Williams. Interessantemente, recordei uma reportagem da TV finlandesa, onde estavam nessa mesma equipa (Keke Rosberg era o seu piloto numero um) e há um "flash" a meio da reportagem onde ele aparece.
Em 1983, quando faz a sua temporada na Formula 3 inglesa, o destaque a Senna é tão grande como a Formula 1, e à medida que essa temporada se transforma em uma parada triunfal, com vitórias atrás de vitórias, já todos falam na inevitabilidade do "Beco" ir para a categoria máxima do automobilismo, culminada com os testes feitos na Willams, McLaren e Toleman. Em suma, a grande lição que Senna deu nesses anos é que talento sem divulação é a mesma coisa que não ter talento. Sem um "manager" propriamente dito, encontrou alguns bons parceiros para divulgar os seus feitos e "pavimentou" a sua entrada na Formula 1. O seu talento nato, as vitórias e os títulos fizeram o resto.
Em suma, muitos devem saber quando e com quem ele testou na sua primeira passagem pela Formula 1, mas acho que pouca gente se lembrava deste dia. Muitos talvez lembrem que o ano de 1981 representou a sua estreia nos monolugares, mas este pormenor de Brands Hatch, tenho sérias dúvidas. Mas enfim, agora que sabemos o que fez e a sua vida deu um documentário, pode-se olhar para esse dia e sabermos quando é que a sua carreira começou a ser construida.
P.S. Enquanto escrevia este post, descobri algo raro no Blog do Gomes: uma entrevista feita a Lilian Vasconcellos, a sua unica mulher. No meio de toda esta avalanche sobre Senna, ela quase foi esquecida, jogada para canto. Aliás, não ficaria admirado se muitos estavam convencidos que ele nunca se tinha casado e que só teve duas mulheres na vida, a Xuxa e a Adrianne Galisteu. pois bem, isso é treta.
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