Quando vejo de quando em quando os videos no Youtube do agora falecido candidato Enéias Carneiro, confessava que ria um bocado quando abria os seus tempo de antena com palavras como "Miásmas pútridos emanam do Congresso, exalando odor mefítico". Entenda-se: era médico de formação, e aquela linguagem era técnica, mas usava essa metáfora para dizer por outras palavras que "o rei vai nu". Enéias já morreu, o Congresso continua a exalar - cada vez menos, mas exala - o seu odor mefítico. Há leis que tentam combater esse cheiro a podre, mas é como neste momento a central nuclear de Fukushima: a fissura demora a fechar.
O que isto tem a ver com o automobilismo? Errr... tudo. É uma questão de cultura. Usei o caso politico para falar sobre os acontecimentos do passado domingo, onde um acidente em Interlagos, à chuva, durante uma prova da Copa Montana resultou em ferimentos fatais no piloto Gustavo Sondermann. Tinha 29 anos e morreu vitima de uma multipla colisão, onde um dos pilotos foi Pedro Boesel, sobrinho de Raul Boesel, e do qual resultou numa fratura numa clavícula, pelo menos.
Primeiro que tudo: o acidente foi uma fatalidade. À partida, não houve falhas grosseiras, nem no circuito, nem no cockpit, nem nos dispositivos de segurança existentes. Sondermann foi vitima de um acidente à chuva, nas primeiras voltas do circuito, e numa carambola, onde a colisão com Boesel foi em T - a pior de todas as colisões, pois quando um piloto é atingido em cheio por outro, do lado do condutor, a alta velocidade, não há dispositivo de segurança que o proteja de se magoar. Neste caso, fala-se que Sondermann teria o HANS mal colocado e isso o fez causar uma fratura na base do crânio, a pior delas todas, pois é fatal. Sem o HANS, posso dizer que foi assim que morreram Roland Ratzenberger e Dale Earnhardt Sr.
Mas eu não escrevo isto para incentivar uma "caça às bruxas". Sou dos que não defendo a remoção ou reconstrução da Curva do Café, por exemplo. Mas vendo o que se passa de fora do Brasil, pergunto-me sobre as potencialidades do automobilismo brasileiro e o que poderia ser feito para o melhorar.
Acho um paradoxo de como é que atualmente, um pais que está cada vez mais pujante na cena internacional em termos económicos se tenha deixado decair em termos automobilísticos. Produzia campeões em série, existia a capacidade para a inventividade - pequenos construtores automobilisticos puluaram nos anos 70, com engenho e arte, cujo exemplo supremo foi a Copersucar-Fittipaldi - e campeonatos de vários tipos, desde a Stock Car até à Formula Ford, Formula VW e outros.
O que há hoje, vocês sabem: Stock Car e pouco mais. A Formula 3 Sul-Americana é o só de nome, cheio de brasileiros e com provas eminentemente brasileiras. E para piorar as coisas, só há dez ou doze carros presentes na grelha. Tenho pena de que não haja uma categoria monoposto no qual não haja mais chassis e não os Troféus monomarca que começo a ver por aí e que - dou o exemplo português - pouco ou nada servem. Duram três a cinco anos e depois a marca acaba com a brincadeira, acreditem. Claro, conheço e acompanho o revivalismo que um grupo de "carolas" está a fazer para reavivar a Formula VW, construindo os seus próprios chassis, e aplaudo. Mas é uma gota no oceano...
O caso de Jacarépaguá, que será demolido em nome dos Jogos Olimpicos, é um belo exemplo. Como português, aviso desde já em termos de experiência própria que os pavilhões megalómanos de todo o tipo de modalidades, que custarão biliões de reais a mais do que o inicialmente previsto, serão verdadeiros elefantes brancos quando as duas semanas dos Jogos acabarem, lá para Agosto de 2016. E quando falo de Jacarépaguá, vocês contam-me sobre a decadência de Goiânia, do maltrato de outros circuitos e do paradoxo de haverem pessoas que queriam construir circuitos de rua para receber a Indy Car Racing, por exemplo. Se querem corridas de rua, para quê ter circuitos?
Mas mais do que fazer o diagnóstico da situação, deveria-se reagir. Eu posso sugerir algumas coisas, baseado na História e no que se vê noutros cantos do mundo. O Brasil tem o mesmo tamanho dos Estados Unidos, e muitos pilotos vão para lá correr, ou já correram por lá. A NASCAR e a Indy Car Series, por exemplo, são entidades completamente independentes da AAA ou da USAC. Fazem os seus regulamentos, constroem os seus calendários, negoceiam com as televisões os valores atribuídos à categoria e as transmissões televisivas, entre outras coisas. Pois bem, acho que deveria ser a altura dos pilotos e equipas começarem a pensar tomar o seu destino as suas próprias mãos.
Queixam-se da CBA e demais entidades automobilísticas estaduais? Simples, apresentam as suas reclamações e pedem por mudanças. Não os ouvem? Partam para a greve. Arranjem aliados e ameacem criar a sua própria categoria. Acho que, como no Brasil e em outras partes do mundo, seja a Stock Car ou a Formula 1, o poder não mexe sem se sentir ameaçado. Sem sentir que tem uma mão que lhes aperta os tomates, passe a expressão. Acho que os pilotos, as equipas, os promotores, patrocinadores e outros deveriam reunir-se e tomar decisões. Eles são o centro das atenções, porque não tomar conta do circo, como se fez nos Estados Unidos? Provavelmente podem ter mais a ganhar do que a perder, e a longo prazo, o automobilismo brasileiro poderá ter a ganhar.
É só uma sugestão.
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