quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Lembrando Colin McRae, o senhor 110 por cento

Sempre admirei o Colin McRae, embora nos ralis fosse mais fã de Carlos Sainz. Era aguerrido, rápido e muitas vezes sem cérebro. Dá que ele fosse chamado na Grã-Bretanha de "Colin McCrash". Mas tinha os ralis nos seus genes, tal como tinha o seu pai Jimmy, campeão britânico por várias vezes num Ford Escort MKI, ou o seu irmão Alistair, também campeão, mas com menor sucesso nas classificativas um pouco por todo o mundo.

Conhecemo-o e aprendemos a admirar o seu estilo de condução a bordo dos Subaru preparados por David Richards. Primeiro os Legacy e depois os Impreza, onde aprendeu a guiar mais depressa sem bater, e depois venceu corridas e foi campeão em 1995, batendo o seu companheiro de equipa... Carlos Sainz. Lembro-me bem da sua primeira vitória, na Nova Zelândia, em julho de 1993, porque deram uma coroa de louros ao vencedor, a ele e ao seu navegador de sempre, Nicky Grist, e comemorou com uns "donuts" e a bandeira escocesa na mão.

O mais engraçado dele é que era um "petrolhead", adorava automóveis e a adrenalina que se retirava deles. Era tão viciado nisso que quando viu a sua carreira nos ralis numa espécie de beco sem saída, foi acelerar para o Dakar, inclusivé deu umas cambalhotas no deserto a bordo de um Nissan, em 2006 ou 2007, se a minha memória não me falha.

Além de ralis, Dakares e X-Games, também chegou a fazer uma perninha a Le Mans, num Ferrari, e fez um teste num carro de Formula 1, em 1996, pela Jordan. Portanto para ele, era tudo normal, fazia parte do entretenimento, do prazer que tinha em conduzir, da felicidade que tinha em guiar a 110 por cento, independentemente do resultado.

Quando ele morreu, em 2007, decidi escrever um testo em sua homenagem, e publiquei num projeto que o Ron Groo andava a fazer no Wordpress chamado "Mondo Interativo", uma primeira tentativa de agregar o pessoal da blogosfera. Foi algo que durou pouco tempo, mas deu para fazer alguns artigos. E este foi um deles, um tributo a este escocês voador.

COLIN MCRAE, O SEHNOR 110 POR CENTO

"A minha ideia inicial era o de fazer um tributo a Marcus Gronholm, que na passada sexta-feira anunciou que se iria retirar no final da época, provavelmente com o seu terceiro título mundial no bolso, mas o Destino encarregou-se de dar outro rumo, este bem mais triste: o acidente mortal de Colin McRae, este Sábado, vítima de um acidente de helicóptero.

Os factos são conhecidos de todos: McRae regressava a casa depois de uma ida a Londres com um amigo o os seus respectivos filhos. Na altura em que escrevo estas linhas, ainda não se sabe o que aconteceu, pois McRae era um piloto de helicópteros experimentado, com centenas de horas de voo, Mas o tempo estava chuvoso e o vento era forte, portanto, este pode ter tido algum efeito no acidente fatal.

Tinha acabado de fazer 39 anos. Estava a preparar-se para uma nova ida ao Lisboa-Dakar, a bordo de um BMW X5 Raid da equipa oficial, mas a ideia de um regresso aos Ralies ainda não o tinha abandonado a sua mente. Tivera um regresso frustrado em 2006 a bordo de um Citroen Xsara, substituindo o francês Sebastien Löeb, que tinha tido um acidente de bicicleta. As suas performances ainda estavam lá, mas um problema eléctrico tinha impedido de chegar em segundo no Rali da Austrália. Com a retirada de Gronholm, anunciada no dia anterior, a ideia de um regresso à equipa da Ford, onde estivera de 1999 a 2002, começava a ser plausível. Mas isso já não vai acontecer…

Pessoalmente, nunca tive a oportunidade de conhecê-lo. As minhas incursões no Rali de Portugal limitam-se às classificativas, onde os via de passagem. Mas sei que nos anos 90, haviam dois pilotos que mexiam os adeptos: Colin McRae e Carlos Sainz, esse era mais por causa dos muitos espanhóis que nos visitavam, e não só...

Ele era filho e irmão de campeões. O seu pai, Jimmy McRae, tinha sido campeão britânico de Ralies por cinco vezes, nos anos 70. O seu irmão, Alistair, tinha sido piloto da Hyundai e da Mitsubishi no início desta década, mas sem o sucesso do irmão.

Desde cedo que se revelava que queria ser piloto. Aos 19 anos, em 1987, teve a sua estreia em Ralies do Campeonato do Mundo. Primeiro num Ford Sierra Cosworth, mostrou rapidez e tendência para acidentes... muitas das vezes, Colin chegava aos finais das classificativas com o carro destruído, sem vidros e com o tecto amolgado. Cedo, os jornalistas desportivos, como o Martin Holmes, lhe deram uma alcunha: “Colin McCrash”. A razão era simples: a sua rapidez era muitas vezes compensada com uma ida à berma, normalmente com o carro destruído.

Mas o seu patrão na altura, David Richards, confiava nas capacidades do seu piloto. E que a sua hora iria chegar. E assim foi: em Julho de 1993, no Rali da Nova Zelândia, Colin McRae fez uma prova sem falhas, e subiu ao lugar mais alto do pódio. Tinha 25 anos, e era o piloto mais jovem de sempre a ganhar um rali, até então. E David Richards tinha razão: o seu piloto era capaz de ganhar corridas, sem perder a rapidez...

Dois anos mais tarde, ele finalmente disputava um título mundial contra os melhores: Carlos Sainz, Juha Kankunnen, Didier Auriol, Francois Delecour, Tommi Makinen, Armin Schwartz... Nesse ano, o escocês voador ganhara somente o Rali da Nova Zelândia, mas a sua regularidade era impressionante, e depois de uma luta com o seu companheiro, o espanhol Carlos Sainz, ele acabou por ganhar o Rali da Inglaterra (então o Rali RAC), batendo o espanhol na classificação por cinco pontos.Nos anos seguintes, continuava a ser rápido, consistente, e vencedor.

Podia ter ganho mais títulos mundiais, mas ele foi um dos maiores rivais de Tommi Makinen, que ganhou quatro títulos consecutivos, entre 1996 e 2000. Chegou até a ganhar cinco ralis em 1997 (mais do que qualquer um dos seus rivais), mas o título acabou nas mãos do finlandês da Mitsubishi… por um ponto!

No final de 1998, decidiu abandonar a sua equipa de sempre, a Subaru, para ajudar a Ford a desenvolver o seu novo modelo, o Focus. Na realidade, ele começou a sua carreira na Ford, guiando Sierrras Cosworth, mas graças a ele, o modelo tornou-se num carro vencedor, fazendo com que a WRC, no final do século, fosse a categoria mais competitiva de então no automobilismo internacional. Um exemplo: as cinco primeiras provas do mundial de 1998 foram ganhas por cinco pilotos diferentes!

As suas passagens por Portugal, por alturas do Rali, nunca passavam despercebidas: ou vencia, ou desistia. “Do or Die!” Ganhou por duas vezes, na primeira das quais, a luta com Carlos Sainz tinha sido tão épica que só conseguiu ser o vencedor por apenas... 2,3 segundos. Foi a diferença mais curta em ralis até então, batido somente este mês, no Rali da Nova Zelândia, por Marcus Gronholm e por Sebastian Löeb, que ficaram separados entre si… por 0,3 segundos.

Nesta altura, McRae já era conhecido noutros meios: os videojogos. Foi o primeiro piloto a dar a cara por um videojogo, que se tornou num marco: “Colin McRae Rally”. Quase todos nós já jogamos, pelo menos uma vez, numa versão deste jogo de computador, seja ele na versão PC, na versão consola (Playstation, XBox…). Certamente têm o seu carro favorito (pessoalmente, hesitava sempre entre o Ford Focus e o Subaru Impreza) e o seu rali favorito (durante muito tempo era fã da Nova Zelândia), mas nunca vira em computador o Rali de Portugal, o que me dava pena. Mas como ultimamente não tenho jogado as novas versões, espero que essa lacuna tenha sido preenchida...

Com o passar dos anos, e com a profissionalização cada vez maior das estruturas das equipas, notava-se que McRae perdia a paciência com os testes cada vez mais exaustivos, e as minúcias cada vez maiores nos carros. Para ele, o carro é que se devia adaptar-se ao seu estilo de condução, e o verdadeiro teste era em pista, e não em simuladores. A sua passagem pela Citroen foi tudo menos famosa, e no final de 2004 fica sem carro competitivo pela primeira vez em quase 15 anos. Então, vira-se para outros desafios: começa a correr em todo-o-terreno, num Nissan oficial, com a mesma rapidez de sempre, e por vezes com os resultados de sempre... No ano passado, no Lisboa-Dakar, apesar de ter ganho cinco das 22 etapas do mais longo e conhecido “rally-raid” de todo-o-terreno, teve um arrepiante despiste que causou o seu abandono.

Também aproveitou para participar num acontecimento americano: os X-Games. Levou os ralis para o público norte-americano, e fez o espectáculo do costume: sempre rápido, nem sempre a acabar bem. Mas com ele, o espectáculo estava sempre garantido. O carro, esse, nem sempre voltava inteiro..."

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