Há dez anos, todos nós estavamos num estado de choque. Os acontecimentos de Nova Iorque e Washington tinham ocorrido quatro dias antes,e tinham apanhado o pelotão da CART na Europa, quando faziam pela primeira vez as primeiras corridas em ovais nesse continente. A primeira dessas corridas iria acontecer na Alemanha, na recém-inaugurada oval de Lausitz, para logo a seguir rumarem à Grã-Bretanha, correndo na oval de Rockingham.
A CART estava ainda no seu auge, e parecia estar na mó de cima na rivalidade com a então IRL, de Tony George, pois as grandes equipas (Ganassi, Newman-Haas, Penske) lá estavam, mas já tinha sofrido alguns precalços nesse ano, nomeadamente no final de abril, quando aconteceu o cancelamento da corrida na oval de Texas, devido à sua excessiva velocidade que os carros atingiam nos treinos. Mas isso não impedia a sua expansão em termos de corridas. Nesse ano, para além da Alemanha e Grã-Bretanha, das duas corridas no Canadá, havia corridas no México (Monterrey), Japão (Motegi) e Austrália (Surfers Paradise).
Eram 21 corridas ao todo, e uma multidão de pilotos, um excelente pelotão de pilotos, mas a maioria deles já eram estrangeiros: dos 32 que participaram nessa temporada, apenas sete eram americanos. E dos 25 estrangeiros presentes na competição, dez eram... brasileiros. E nesse ano, só houve uma vitória americana (Michael Andretti, em Toronto) contra dez de pilotos brasileiros. Parecendo que não, já se mostravam ali as sementes da queda da CART, pois a IRL, e sobretudo, a NASCAR, que tinha o núcelo dos pilotos "born in America"...
E ainda no inicio desse ano de 2001, havia mais um motivo de regozijo para os fãs da CART: era o regresso do italiano Alex Zanardi. Bicampeão em 1997 e 98, tinham-lhe bastado três temporadas para demonstrar todo o seu talento e o seu carisma a pilotar nas pistas americanas. Tinha feito aquela mítica ultrapassagem a Bryan Herta na curva "Saca-Rolhas", na última volta da corrida de Laguna Seca. Provavelmente deve ser a melhor ultrapassagem que o século XX deve ter visto. Nessas duas temporadas, tinha conquistando o respeito dos fãs mais emperdenidos, ao ponto de haver um "Alex Zanardi facts", embolado pelo Daniel Médici no seu adormecido blog Cadernos do Automobilismo.
A sua falta fora sentida quando no final de 1998, decidiu voltar à Formula 1, a bordo de um Williams, em substituição do canadiano Jacques Villeneuve. Mas a Williams atravessava um mau momento e Zanardi foi incapaz de demonstrar por lá tudo o que tinha feito nas Américas. Era como se a Formula 1 fosse a sua "criptonite". Em 2000, Williams e Zanardi foram cada um para o seu lado e ele fora substituido por um jovem de 20 anos chamado Jenson Button.
O italiano tirou um ano de folga e depois decidiu voltar para a CART, na equipa de Mo Nunn. Mas o regresso estava a ser uma desilusão, pois não estava a voltar à sua antiga forma. Não tinha conseguido nenhuma vitória, nenhum pódio, apenas um "top cinco" e uma volta mais rápida. Aliás, estava tão desiludido com aquela temporada que já pensava em abandonar de vez o automobilismo.
Naqueles dias pós-11 de setembro, era algo irónico ver um pedaço da América em solo estrangeiro. Aliás, era o maior contigente civil americano fora dos "States" naquela altura. Mas naqueles dias, o mundo inteiro se sentia americano e eles queriam demonstrar esse patriotismo ao máximo. Aliás, a corrida, que inicialmente se iria chamar de German 500, foi rebatizada de American Memorial 500. E quse toda a gente corrida ou com uma faixa branca ou com uma enorma bandeira americana, simbolo daqueles dias. ainda por cima, num dia estranho, que era um sábado á tarde. Mas havia uma justificação: o tempo não ajudara, pois tinha chovido e a CART tem a tradição de não correr com piso molhado nas ovais.
Alex nem tinha feito um grande tempo nos treinos, mas na corrida, as coisas melhoraram um pouco. E ao longo dessa corrida, a sua prestação estava a ser tão boa que de repente se viu na liderança. Estava a fazer a sua melhor corrida do ano quando decidiu parar para reabastecer na volta 142. Um "spalsh and go" para não perder tempo. E a pressa era tanta que pisou a relva e entrou em despiste. Fora de controlo, rumo ao desastre. Fez um pião e ficou na linha interna, o pior sitio onde poderia ficar. E nesse momento passavam os carros dos canadianos Patrick Carpentier e Alex Tagliani. Carpentier safa-se, mas Tagliani escolheu mal a trajetória e embateu no carro de Zanardi em cheio. Em T, a mais de 320 km/hora. Era pior forma de bater, o pior acidente possivel.
Confesso que gritei bem alto no momento do embate. Estava a ver ao vivo na minha TV, transmissão na Eurosport, naquele sábado á tarde. Tinha visto acidentes mortais, como a do Greg Moore, em Fontana, ano e meio antes. Acho que só reparei que tinha perdido as pernas pouco depois, pensava que tinha simplesmente as quebrado e não decepado, como fora. Mas pensei logo que estava morto. Logo de imediato, como o Greg Moore.
Anos depois, o brasileiro Bruno Junqueira disse que o Dr. Steve Olvey, o médico da CART naquela altura, usou as tiras do cinto de segurança como torniquetes improvisados para estancar o sangue que jorria das pernas agora inexistentes. Perdera muito sangue e ficou apenas com um litro no seu corpo, quando o normal é ser o contrário: se perder um litro de sangue é passivel de morrer. Teve depois três paragens cardíacas e ninguém esperava que sobrevivesse a viagem de helicóptero para Berlim. Anos depois, disse: "Mais dez minutos e estaria morto."
Até na distante Monza, onde a Formula 1 se concentrava para correr o GP de Itália, as noticias sobre o acidente de Zanardi fizeram com que o ambiente naquele "paddock" - que recebera em choque os acontecimentos daquela terça-feira - ficasse ainda mais sombrio.
No final, Alex Zanardi conseguiu uma recuperação tão improvável como memorável. Recebeu um litro de sangue antes de ser operado para reparar as fraturas o mais posivel, esteve em coma por três dias e depois acordou para a vida. Incrivelmente, recuperou. Teve mais operações para retirar os pedaços de carbono que tinha no seu corpo, e passadas seis semanas estava fora do hospital. Mas depois é que veio a parte mais memorável: voltou a correr.
Primeiro, foi correr um CART adaptado em 2003 no Lausitzring, o local do acidente que quase o matou, para fazer as doze voltas que faltavam naquele dia. Correu tão bem que fizera tempos dignos de registo. E isso foi mais do que suficiente para uma nova carreira, desta vez no WTCC, ao serviço da BMW. Correu até 2009, venceu três corridas e tornou-se num exemplo de vida para toda a gente.
Depois do automobilismo, está noutro tipo de desporto: bicicletas adaptadas. Zanardi, agora do alto dos seus 45 anos, anda entusiasmado com esta sua nova aventura que o seu objetivo é estar na seleção italiana para os Jogos Paralimpicos de 2012. E quer ganhar a medalha de outro. Pelo seu estilo e por aquilo que é capaz, não ficaria admirado.
Zanardi, exemplo de vida e exemplo de ser humano, para aqueles que reclamam demais, histórias de vida como essa nos mostram o quanto podemos superar os obstáculos.
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