À medida que se contam as horas para o inicio do primeiro Grande Prémio da Índia da história da Formula 1, aproveito este espaço para falar um pouco daquilo que as pessoas que se deslocarão para lá irão deparar. E também para mostrar os dois lados da moeda de um novo pais que a caravana da Formula 1 está a visitar, nesta sua expansão imparável por paragens asiáticas, graças aos esforços de Bernie Ecclestone, o proxene... ooops, empreendedor dono da FOM.
Ao longo das últimas semanas e meses surgiram inúmeras polémicas sobre o subcontinente e o circuito de Buddh: sobre a politica de vistos que o páis têm, que dificultou ao máximo a ida de pilotos e mecânicos; as contestações vindas dos camponeses dos arredores do circuito de Buddh, que ameaçam perturbar o final de semana caso as autoridades locais não lhes compensem devidamente sobre as terras que foram obrigados a ceder para que o circuito fosse construído; as leis locais, que obrigam que pilotos e equipas pagassem um rendimento pela sua passagem na Índia, e do qual se chegou a um acordo com o governo, isentando-os desse pagamento - mas que os tribunais já prometeram contestar tal lei - e agora, as fracas expectativas sobre o numero de espectadores, pois esperam-se 80 mil em 120 mil possíveis. E "last, but not least", a temível burocracia indiana.
Apesar de todas estas "histórias de horror", a Formula 1 queria mover-se para este pais de quase mil milhões de habitantes, dos quais 26 milhões assistem regularmente a um Grande Prémio de Formula 1. Números extremamente agradáveis para Bernie Ecclestone, que aproveitou o projeto da firma Jaypee, uma das maiores da India, quando decidiu construir perto de Jaypur, nos arredores de Nova Delhi, um circuito de Formula 1, como parte integrante de uma cidade desportiva com mais de um milhão de habitantes, não se fez rogada.
Só por aí podemos ver que as coisas na Índia são diferentes. Ao contrário da China ou do Golfo Pérsico, onde os projetos são governamentais ou são construidos graças aos caprichos de "sheiks" ou "emires" locais com demasiado capital a mais, o projeto indiano é privado, logo, os prejuizos são da firma. E para além disso tudo, a Índia é uma democracia. A maior do mundo, como muito orgulhosamente afirmam.
E é uma democracia que está em rápida expansão económica, com mais de oito por cento de crescimento ao ano e com uma classe média - em média, cinquenta milhões de pessoas - em absoluta expansão. E em termos de Turismo, este pais - que só por si já atrai o resto do mundo - prevê que com a Formula 1 por aquelas bandas ajude a bater o recorde de turistas alcançado em 2010, onde 17,9 milhões de pessoas visitaram o subcontinente.
É certo que a India tem imensos defeitos: a extrema pobreza convive ao lado de extrema riqueza nas maiores cidades do pais. Aí, como na China, pensa-se em milhões. Se falarem de uma grande classe média, poderemos falar em algumas dezenas de milhões. Mas se falarmos em pobres... é a mesma coisa, também são milhões. Um exemplo foi um artigo da Reuters, publicado no inicio da semana e que encontrei no blog do Joe Saward:
"Dentro das instalações, no meio dos reluzentes Mercedes-Benz estacionados, as mulheres locais usam escovas e as suas mãos para limpar a sujidade nas estradas de acesso, enquanto que as suas crianças brincam ali perto", descreve. " Na vizinha aldeia de Salarpur, Meera, uma aldeã iletrada do qual só se pode adivinhar a sua idade, tem uma criança doente aos seus braços, doente de malária pela segunda vez. Nesse lugar, onde a sujidade vem ao de cima em poços de água estagnada, meninos brincam nessas poças.
'Não entendo esta ideia de carros a correrem por entretenimento', começa por afirmar Meera. 'As pessoas pagam para ver isto, como se fossem ver um filme?', pergunta logo a seguir.
"Enquanto que os trabalhadores aparam a relva e a regam, em preparativos de última hora, Meera - que tem apenas quatro horas de luz por dia, tem de caminhar meia hora até à bomba de água mais próxima".
Para além dos enomres contrastes entre a extrema riqueza e a extrema pobreza, que a India sofre, a India debate-se com uma burocracia é enorme e ineficaz, o que incentiva a corrupção, outra enorme chaga na sociedade indiana. A ONG "Transparency International" relata, num relatório seu de 2005, que "mais de 55 por cento dos indianos teve experiências em primeira mão relacionados com subornos, para resolver problemas de ordem burocratica nas repartições públicas". A mesma organização afirma que "se estima que só os camionistas paguem por ano mais de cinco mil milhões de dólares em subornos". No ranking mundial, a India está mal classificada: é o 87º em 178 países.
E mais interessante - ou chocante, depende daquilo que entenderem - é que a India é o país que tem mais dinheiro depositado em contas na Suiça: 1456 mil milhões de dólares, segundo um relatório de 2006 da Associação de Bancos Suiços. E esse dinheiro daria para pagar a sua dívida nacional em mais de treze vezes. Espantoso, hein?
De uma certa forma, apesar das polémicas, burocracias e expectativas algo goradas, creio que ter a Formula 1 na India vale mais a pena do que em alguns outros paises. Teremos de ver depois como é que a máquina será afinada nos anos a seguir e se o senhor Bernie Ecclestone não faça as asneiras do costume que é sugar os organizadores até ao tutano, como faz normalmente.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...