Numa altura em que os libios começam a encarar o pós-Khadaffi (enquanto não decidem o que fazer com o seu cadáver) ando a ler em dois dias seguidos dois artigos no mesmo sentido: a hipótese da Libia acolher, a médio prazo, uma corrida de Formula 1, como forma de acelerar o turismo naquele pais e também como forma da categoria máxima do automobilismo poder dizer, por fim, que está em todos os continentes, já que não está em paragens africanas desde 1993.
Ontem o Joe Saward falava disso no seu blog e hoje, o jornal i voltou a carregar no tema. O motivo é bastante simples: nos anos 30, quando a Libia era uma colónia italiana, as autoridades locais decidiram fazer o circuito de Melhalla, com mais de onze quilómetros e com fama de ser muito veloz, e atrairam para lá os melhores pilotos europeus, como Tazio Nuvolari, Hans Stuck, Bernd Rosemeyer, Achille Varzi, etc... aliás, foi em Melhalla, mais concretamente em 1933 que houve o caso da "batota" do qual os pilotos combinaram o resultado da corrida para poderem partilhar o prémio. Essa história pode ser lida com todos os pormenores no blog do Pandini.
Quer um, quer o outro, falam que em 2004, quando a Formula 1 chegou ao Bahrein, Muhammar Khadaffi mandou o seu primeiro-ministro, Shukri Mohammed Ghanem, para ver a corrida e elaborar uma estratégia para construir - ou reconstruir - um circuito para ter a Formula 1 por lá, como um plano para o regresso à comunidade internacional, que durante imensos anos o colocou como pária, devido às sanções internacionais devido ao atentado de Lockerbie, no Natal de 1988, e que matou 270 pessoas. Para além desse objetivo, havia outro subjacente: atrair turistas, no sentido de diversificar uma economia altamente dependente do petróleo.
Por causa das sanções, entre outras coisas, o turismo nesse país está altamente subdesenvolvido, ao contrário do que passa com a Tunisia e o Egito, altamente dependentes desse setor. Para terem uma ideia, se os dois países acima referidos recebem mihões por ano, a Libia apenas recebeu em 2007 cerca de 180 mil turistas. E tem paisagens magnificas, como as praias, o deserto e os oásis, mais de três mil anos de história graças às presenças gregas e romanas. Um exemplo? As ruínas de Leptis Magna, uma das cidades romamas mais bem preservadas do mundo, situam-se na Libia, 180 km a leste de Tripoli. E tudo isto a duas horas de vôo de Roma e Atenas, e a três de Paris, Berlim e Londres. Logo, dezenas de milhões de potenciais visitantes.
Com a guerra civil que durou oito meses, milhares de milhões de dólares pertencentes à familia Khadaffi ficaram congeladas em bancos no estrangeiro. Só para terem um exemplo, só em Portugal, a Caixa Geral de Depósitos tem congelados 1300 milhões de euros pertencentes aos libios, que provavelmente o quererão de volta. E irão certamente investir na sua reconstrução, que provavelmente será rápida, semelhante ao que aconteceu ao Kuwait após a invasão de 1990-91 por parte de outro ditador, Saddam Hussein. E para além na reconstrução das infraestruturas, a oportunidade de trazer eventos deportivos de monta, para mostrar uma nova Libia ao mundo, seria uma oportunidade de ouro. Aliás, eram para acolher a Taça das Nações Africanas de 2013, agora adiadas para 2017, em troca com a Africa do Sul.
Quanto à ideia de Khaddafi, ele depois desinteressou-se, tipico da sua personalidade errática. Mas mesmo que o i e o Joe sejam abertos e entusiastas a essa ideia, pessoalmente mostro o meu ceticismo. Há imensos obstáculos pelo caminho, tantos que acho até provável que isso aconteceria de forma mais fácil se negociasse com o próprio Khadaffi ou com os filhos.
A razão tem a ver com a transição para a democracia, a acontecer. Tudo isto é fresco, as Primaveras Árabes mal arrancaram, digamos assim. Khadaffi ainda mal arrefeceu e não se sabe como e quando é que vai ser a transição para uma democracia. E que tipo de democracia é que vai ser. Será algo parecido com a Turquia ou teremos uma islamização à iraniana? Para terem uma ideia, amanhã haverá eleições para a Assembleia Constutuinte na Tunisia, que foi a primeira a derrubar o seu ditador, em janeiro. As coisas até decorrem sem grandes sobressaltos, mas há o receio de que os islamitas ganhem as eleições com mais de 30 por cento. E todo o mundo árabe está a olhar para o que se passa por aí, porque a seguir será o Egito e depois a Libia.
E mesmo que os receios sejam infundados e os libios nos surpreendam pela positiva, vai demorar muito tempo até que se considere essa hipótese. Mais rapidamente veria a Formula 1 em Angola, num reformado Autódromo de Luanda, ou até a correr em Portimão, do que máquinas da Ferrari, McLaren ou Red Bull andarem pelas ruas ou arredores de Tripoli. Poderemos voltar a falar disso na próxima década.
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