Na minha infância, o Brasil era governado por um general chamado João Batista Figueiredo. Apanhei a parte final do regime militar, aquele que promoveu uma amnistia e depois eleições livres para os vários cargos até 1984, quando se tentou fazer com que a próxima eleição para o presidente fosse feita pelo povo e não por um conjunto de deputados e senadores, as famosas "Diretas Já". Figueiredo, que era general e viveu entre 1918 e 1999, fazia lembrar-me o meu querido avô Tomás - e na confusão dos meus quatro anos, convenci-me que era mesmo o presidente - não gramava a politicagem e dizia estava ali por obrigação. Pelo menos era isso que dizia. Como qualquer militar obediente, lá cumpriu o seu dever, não sem algum enfado.
Tinha uma paixão, o hipísmo. Chamava-as de "mulheres" e dizia que "perferiria o cheiro de cavalo ao cheiro do povo" e afirmava que quando acabasse a sua presidência, a unica coisa que levaria dali eram os seus cavalos. Alegadamente, quando passou a pasta a José Sarney, em 1985, perguntado sobre como queria ser lembrado, respondeu, de modo direto e sem rodeios: "Sinceramernte, quero que me esqueçam."
Confesso que não sei qual é o cheiro favorito de Bernie Ecclestone. Mas se fantasiarmos um pouquinho e queremos ser maldosos, direi que esse seria o cheiro das notas de dólar, de preferência aquele cheiro proveniente dos maços de cem dólares. O octogenário anãozinho parece ser movido a dinheiro - por muito que o negue - e não tem idade nem cabeça para olhar para os apelos ao bom senso ou ao politicamente correto. Aliás, até gosta de provocar. As tiradas elogiando Adolf Hitler e os politicos de direita como Margaret Thatcher só mostram o tipo de pessoa que é: perfere fazer negócios e ser direto do que aturar politicos.
O Tio Bernie faz-me lembrar esse general. Ao fazer orelhas moucas ao povo e os seus representantes eleitos demonstram o seu menosprezo à democracia. Já vimos isso no passado, quando mandou às malvas as pressões internacionais para que a Formula 1 se retirasse da Africa do Sul, em pleno regime do "Apartheid". Foi aí que aprendeu que qualquer governo que queira romper com o isolamento internacional é capaz de pagar o que for necessário para ter algo que demonstre uma cara de "normalidade". Quantos milhões de "kruger rands" não entraram nos cofres da FIA e em particular, do bolso de Bernie Ecclestone, até 1985?
E o Bahrein vai pelo mesmo caminho. Com crescentes apelos ao boicote, Ecclestone faz orelhas moucas - ou se perfereirem, entope-as de notas de dólar - porque aquele é um dos paises que tem petróleo no seu subsolo. E como os "sheiks", principalmente o principe herdeiro, um "petrolhead" que pagou mais de 150 milhões de dólares para construir o circuito de Shakir e 60 milhões para que a sua ilha fosse a primeira corrida do ano, Bernie sabe que esse dinheiro serve perfeitamente para acrescentar a sua fortuna e pagar uma parte às equipas, que também precisam desse dinheiro. Com isso tudo em jogo, eles não se movem perante apelos à humanidade das pessoas, infelizmente.
Assim sendo, não creio que Ecclestone não largue o Bahrein e abdique desses milhões "a bem". É certo que as equipas, mesmo que neste momento estejam em Jerez de la Frontera, concentrados nos seus esforços para desenvolverem os seus novos carros de "bicos de pato" para 2012, ouvem essa voz de fundo a crescer nas suas costas. Mesmo que no final do dia estejam demasiado cansados e demasiado ocupados a resolver os problemas técnicos, mecânicos, aerodinâmicos e algo mais, ligam a televisão, e no seu "zapping", procurando por distrações, chegam à BBC ou a CNN e vêem, por exemplo, o bombardeamento do exército sírio às suas populações civis em Homs, Hama ou Damasco, ou as discussões do FMI, o Banco Central Europeu e outros, sobre o novo plano de resgate à Grécia.
Por muito que a Formula 1 tente ser um casulo insensível ao que se passa lá fora, mesmo isso pode perturbar os seus planos. E as semanas que aí vêm serão um teste para saber se Ecclestone e as equipas resistirão ao "mau cheiro" da realidade.
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