Esta semana, como é sabido, comemoraram-se os 30 anos sobre os eventos de 1982 no circuito de Montreal, sobre a vitória de Nelson Piquet num circuito que fora rebatizado de Gilles Villeneuve, em honra do seu grande piloto, falecido um mês antes, e sobre os eventos que levaram à morte do piloto italiano Riccardo Paletti, que tripulando o seu Osella, bateu em cheio na traseira do Ferrari de Didier Pironi.
Entre os vários testemunhos desse tempo, um dos mais impressionantes para mim foi o do jornalista britânico Maurice Hamilton, que escreveu na semana passada no site grandprix.com as suas impressões sobre essa corrida, como testemunha. Primeiro que tudo, quando falava do tempo que se fez sentir naquele mês de junho de 1982, onde o tempo estava demasiado frio para aqueles dias, uma primeira ironia pelo facto de a FIA e Bernie Ecclestone ter descolado o GP do Canadá dos finais do mês de setembro, altura onde era habitualmente realizado, por causa do frio e da chuva. Pode não ter chovido, mas ficou-se com a impressão de que parecia que o mau tempo andava a perseguir o GP canadiano, apesar de não ter chovido nesse dia.
Hamilton conta depois que o mau tempo foi só mais um fator a preocupar os organizadores, que azar dos azares, veram o seu filho pródigo, Gilles Villeneuve, morrer um mês antes do GP canadiano, pois seria a certeza de que o autódromo encheria de gente. Os receios eram legítimos, e para piorar as coisas, nesse final de semana houve uma greve dos condutores do Metro de Montreal, pois havia uma linha direta para o local, resquícios do facto de aquele ter sido o local da EXPO 67, que serviu para comemorar o centenário do Canadá. Claro, a organização reagiu rapidamente ao seu desaparecimento, rebatizando-o de "Circuit Gilles Villeneuve". Mas as coisas pioraram um pouco quando se soube que o "poleman" desse Grande Prémio era Didier Pironi, para muitos o motivo pelo qual Villeneuve acabou por morrer.
Hamilton explicou o que aconteceu nos momentos a seguir: "Em vez de celebrar, era um sombrio [Didier] Pironi que enfrentou os média constituido na sua maioria por jornalistas franco-canadianos, muitos deles conscientes de que Villeneuve e Pironi não eram os melhores amigos. Na realidade, não seria descabido afirmar que o pequeno canadiano desprezava o piloto francês. Acreditando piamente que Pironi quebrou o acordo que tinha com ele sobre quem iria vencer no GP de San Marino, semanas antes, a 25 de abril, Villeneuve não lhe dirigiu a palavra até ao momento da sua colisão fatal, durante a qualificação do Grande Prémio seguinte, em Zolder. Agora estava Pironi, enfrentando a imprensa, rádio e televisão, no Circuito Gilles Villeneuve.
Nunca tinha visto ninguém tão desconfortável numa conferência de imprensa. Em vez de sentar-se descontraídamente e aproveitar o momento, como costumam fazer os que conquistam a "pole-position", Pironi estava sentado para a frente e a medir cada sílaba das suas palavras, em francês. Quando alguém lhe pediu para repetir o que tinha dito, mas em inglês, Pironi parecia angustiado, quase a entrar em pânico.
Pressionando o seu dedo indicador esquerdo contra a mesa, ele continuou a falar quieta e pausadamente, escolhendo cautelosamente as palavras, explicou como tinha sido um preazer de ter conseguido a primeira pole para a Ferrari num circuito que 'levava o nome da pessoa que não era só o seu companheiro de equipa, como seu amigo. E dedicava este feito a ele porque sabia que, se estivesse ainda entre nós, teria sido ele a fazer a pole-position'. O momento de silêncio a seguir a aquelas palavras mais parecia uma calma mortal."
De facto, Hamilton tinha razão no que dizia. Por essa altura, outro jornalista, Nigel Roebuck, então a escrever para a Autosport, - e fora ele que tinha captado as declarações de Villeneuve, dizendo que não o iria falar mais com ele enquanto fosse vivo - estava perto do piloto finlandês Keke Rosberg, quando ambos ouviram as declarações de Pironi pelos altifalantes do circuito. Rosberg, sempre honesto e franco sobre aquilo que se passava à sua volta, afirmou para quem quisesse ouvir: 'Se não fosse por ele', disse em tom de desprezo, 'Gilles estaria aqui...'
O dia da corrida, como foi dito atrás, estava nublado e frio. E havia uma greve no Metro que dificultava a vida de muita da gente que queria ir à ilha de Nôtre-Dâme para ver a corrida. Mas o que não se sabia na altura é que a corrida só iria começar pelas 16:15 da tarde devido às obrigações televisivas. Certamente para não colidir com o Mundial de Futebol, que iria começar precisamente nesse dia em Espanha...
A primeira partida durou uns metros, como é sabido. Riccardo Paletti, o jovem piloto italiano de 23 anos - iria fazer 24 dali a dois dias - embateu em cheio na traseira do Ferrari de Didier Pironi, que tinha ficado parado na grelha de partida. Certamente que tinha sido traído pelos nervos e deu cabo da embraiagem. A mais de 130 km/hora e em terceira velocidade, Paletti embateu em cheio no carro numero 28 e o seu chassis recuou horrivelmente, a ponto de ter partido as pernas e ter causado uma grave fratura no torax, devido ao volante. E tudo isso perante o olhar de horror da sua mãe, que tinha ido ver a corrida do seu filho, pois queria passar o seu aniversário a passear em Nova Iorque.
O socorro demorou 28 minutos, demasiado tempo, de uma certa forma. E para piorar as coisas, houve um incêndio no Osella devido ao facto dos seus tanques estarem cheios e o carro, amolgado, poder fazer faíscas perante o combustível que vazava. O Dr. Syd Watkins, que socorreu Paletti, anos depois recordou desses momentos nas suas memórias: "Ele estava profundamente inconsciente e coloquei um tubo de ventilação na sua boca. As suas pupilas estavam dilatadas. Tive consciência então de ouvir, embora distante, o barulho de um líquido a escorrer, que imaginei ser combustível. Nesse preciso momento, o eco de uma explosão de chama disparou no ar. Foi muito difícil tirar o rapaz de um carro que mais parecia um acordeão. Não havia pulsação detectável no pulso."
De facto, Paletti foi declarado morto duas horas mais tarde, após o Grande Prémio. Uma declaração conveniente, sem dúvida, para que não perturbasse o Grande Prémio, cuja segunda partida foi dada pelas seus da tarde, algo quase impossível nos tempos que correm. É certo que no fim, os Brabham de Nelson Piquet e Riccardo Patrese ficaram com os dois primeiros lugares, e três pilotos - Eddie Cheever, Derek Daly e Andrea de Cesaris - perderam hipóteses certas de pódio ou de pontuação nas voltas finais devido à falta de gasolina. Mas aquele 13 de junho de 1982 demonstrou, mais uma vez, até que ponto aquela temporada estava a ser horrivel, mas com alguns toques de ironia.
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