sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A entrevista de Armindo Araujo ao jornal Público

Esta sexta-feira, ao mesmo tempo que, na Sardenha, se disputa o Rali de Itália, penultima etapa do Mundial WRC de 2012, Armindo Araújo veio quebrar um longo silêncio ao ser entrevistado pelo jornal português Público. Nesta entrevista feita pelo jornalista Nuno Sousa, o piloto de Santo Tirso fala sobre as razões pelos quais o projeto da Motorsport Itália com a Mini acabou mal para ele, obrigando-o a abandonar a meio do ano, as razões pelo qual isso aconteceu e por fim, que cenários estão desenhados para o seu projeto em 2013.

Para além disso, fala do atual cenário do WRC, com a entrada da Volkswagen e sobre Sebastien Löeb, que o não o descarta de ele tentar um décimo campeonato em 2013, caso as coisas lhe corram bem nessa temporada.

ARMINDO ARAÚJO: "SE NÃO CONSEGUIR VIABILIZAR O PROJETO EM QUE ACREDITO, SERÁ ALTURA DE PARAR".

19.10.2012 - 14:59 Nuno Sousa 

Por razões que lhe são alheias, a época de Armindo Araújo no Mundial de WRC acabou mais cedo [em Agosto] e o piloto português, que termina contrato com a Mini no final do ano, olha para 2013 com cautelas. Em entrevista ao PÚBLICO, percorre os bastidores da decisão que o afastou do campeonato e deixa várias hipóteses em aberto para o futuro. 

P - Por esta altura, em condições normais, deveria estar no Rali da Sardenha, mas em vez disso está provavelmente ansioso por que o seu contrato expire. Como tem gerido os últimos meses? 

R - Da minha parte, tem sido relativamente fácil de gerir.Estou de consciência tranquila. Desde 2008 que estou a gerir os meus projectos e trabalho com as melhores empresas nacionais. Este ano tinha um projecto de oito provas no WRC e, depois da primeira prova, a Mini pediu-me para fazer todo o campeonato. A partir daí, deixei de ter o controlo total do projecto. Passou a ser uma equipa técnica italiana [Motorsport Italia] a lidar com a marca na Alemanha [BMW] e as coisas começaram a descarrilar. O caminho da seriedade, do bom trabalho, começou a passar para segundo plano. 

P - Mas o que falhou, em concreto? 

R - A equipa italiana começou a trabalhar apenas a imagem para agradar à Mini e passou a descurar a parte técnica. Entrámos em ruptura, puseram lá outro piloto [Chris Atkinson] e propuseram-me assumir uma doença fictícia para a minha saída... Não posso compactuar com estas atitudes. Expus o caso à BMW e à FIA e não continuei no projecto, que eu achava que estava condenado e acho que o tempo veio dar-me razão, porque a própria Mini já anunciou que vai retirar-se do campeonato para o ano. 

P - Acha que os riscos desta aposta no WRC foram mal calculados? 

R - Fui o primeiro piloto do mundo a competir com o Mini WRC. Sabíamos que íamos ter dificuldades, porque era um projecto novo, e no primeiro ano correu muito bem. No segundo ano, sabíamos que tínhamos de trabalhar muito para melhorar o carro e o que é certo é que a Motorsport Itália deixou de testar, de desenvolver o carro e quando eu era questionado pela imprensa, que me perguntou quantos quilómetros tinha feito no Rali da Finlândia para testar o carro — ao que eu respondi que não o tinha testado —, a equipa vinha cobrar-me a dizer que não podia afirmar que não testei porque dava uma má imagem da equipa e a própria BMW poderia questionar onde é que andavam a gastar o dinheiro. 

P - A componente financeira também pesou na decisão? 

R - A Motosport Italia estava a tentar cozinhar um contrato milionário com a Mini para 2013 e queria mostrar, com algum show-off, que estava a fazer um excelente trabalho. E, na prática, não estava. 

P - Ainda o incomoda o facto de ter sido usada a sua licença, mesmo sem autorização, para a Mini competir no Rali da Alemanha? 

R - Eu fiz sempre o que achava correcto e, por parte da FIA [Federação Internacional do Automóvel], nunca tive um contacto que fosse, da parte do construtor também não. Eu acho que se tivesse feito alguma coisa mal teria sido encostado à parede. O que fiz foi defender a verdade. Eu tinha uma licença tirada no início do ano, com a qual competi em Monte Carlo. Após essa prova, quando fui convidado a fazer o resto das provas, a Mini disse-me que tinha de inscrever a equipa como WRC Mini Portugal. Mas essa licença foi tirada por mim e paga por mim. Quando saí da equipa, após a Finlândia, comuniquei à FIA que não autorizava ninguém a utilizar essa licença a não ser eu. O que é certo é que no Rali da Alemanha eles correram com uma licença WRC Mini Portugal. Se essa licença é a minha ou não, não sei, terá de questionar a FIA. 

P - Este caso mudou a forma como olha para a FIA? Até porque esta não foi a primeira decisão controversa que o afectou. Em 2010, no Rali da Suécia, foi aceite a inscrição de última hora do Patrik Flodin, que ficou à sua frente, e contabilizada a prestação nessa prova. 

R - A FIA é a FIA, tem as suas regras, temos de as seguir e é aquilo que tenho vindo a fazer até hoje. 

P - O que é que aprendeu com o primeiro ano no WRC? 

R - Tem tudo a ver com orçamentos. Quando temos uma Volkswagen e uma Citroën com budgets que rondam os 80/100 milhões de euros e a Mini que não está sequer perto dessa fasquia, isso paga-se desportivamente. A Mini teve uma aproximação muito tímida ao Mundial, talvez tenha tentado fazer omeletas sem ovos e pagou caro por isso. Tinha um projecto no mínimo a três anos, por isso não deve ter sido bem estruturada a entrada no WRC. 

P - Está arrependido de ter feito esta opção na carreira? 

R - Se soubesse o que sei hoje, nunca tinha entrado no projecto. Por motivos que eu não controlo, a Mini não terá investido o suficiente para ser competitiva e retira-se após dois anos pela porta pequena. 

P - Qual a principal diferença que encontra entre o WRC e o Mundial de Produção (PWRC)? 

R - O Mundial de Produção era para equipas privadas, com pilotos privados, e em termos de budgets estavam todos mais ou menos equiparados [a rondar os 1,5 milhões de euros por equipa]. Isso permitiu que estivesse a bom nível, porque toda a gente tinha mais ou menos as mesmas armas. No WRC estivemos sempre completamente abaixo das outras equipas. 

P - Olhando para 2013, já sabe qual o passo que vai dar? 

R - A Mini não vai continuar e estou, com os patrocinadores, a tentar delinear um projecto. Ainda não sabemos em que moldes, porque está muito difícil financeiramente. 

P - E admite voltar ao PWRC? 

R - Neste momento, admito tudo. Em cima da mesa estão não só os ralis, mas também a velocidade, o todo-o-terreno e outras categorias de ralis, estão vários campeonatos. Estamos a avaliar qual o melhor caminho a seguir, sabendo nós que temos de nos adaptar à realidade portuguesa e europeia.
 

P - Após tantos anos na alta roda [foi bicampeão mundial de PWRC], sente-se injustiçado pela falta de apoios estatais? Sobretudo tendo em conta casos como o de Tiago Monteiro, que recebeu dois milhões de euros do Estado para se manter na Fórmula 1, em 2006. 

R - Bem, quem somos nós, desportistas, para exigir dinheiro ao Estado num momento em que há pessoas que passam fome? Temos de ser solidários. É muito fácil queixarmo-nos e eu não gosto muito de me queixar. Eu acho que até tenho reconhecimento, porque consegui vários títulos, já corri um pouco por todo o mundo. Se me pergunta se o desporto motorizado devia ser mais acarinhado, devia, mas, infelizmente, todos os desportos vivem à sombra do futebol e as grandes verbas de patrocínios são canalizadas para o futebol. No futebol são permitidas coisas e comportamentos que nunca seriam permitidos noutro desporto. 

P - Sente-se prejudicado por essa tendência? 

R - Depois de mais de dez anos de carreira, ficamos imunes a muita coisa. Temos de começar a viver com o que temos e não estar constantemente a queixarmo-nos. Temos de pensar positivo. 

P - Em 2013, haverá uma nova categoria para além dos Grupos A e N, que é o Grupo R. O que é que isto pode trazer de novo à competição? 

R - É um bocadinho mais do mesmo. É mais uma classe secundária. Continuará a haver sempre um grande fosso para o WRC. Os Super 2000 estão completamente em fim de carreira e esta categoria servirá para limpar um pouco os Super 2000. 

P - O que é um campeão como Sébastien Loeb representa para si? 

R - Nós, que andamos lá, damos grande mérito ao Sébastien Loeb. É um excelente piloto, é super-inteligente na abordagem às corridas, é muito trabalhador. Agora, todos nós, pilotos, gostaríamos de ver o Loeb a conduzir uma equipa que não fosse a melhor e que não tivesse o melhor budget. Ele geriu bem a carreira. Entra na Citroën com dois grandes pilotos, dois grandes holofotes para a imprensa, o Colin Mcrae e o Carlos Sainz, e portanto ele conseguiu trabalhar sem grande pressão e aprendeu muito com estes campeões. Depois estas duas estrelas caem e ele tem hipótese de brilhar, com uma equipa a trabalhar única e exclusivamente para ele, a melhor equipa, com o melhor carro. Ficou praticamente imbatível. 

P - Nesse aspecto, acredita que para o ano, a confirmar-se a participação apenas pontual de Loeb em algumas provas do calendário, poderá abrir-se uma nova era no WRC? 

R - Vai abrir-se uma nova era, mas ainda não foi tudo dito, porque o Loeb ainda não disse quantas provas vai fazer. Quatro, cinco, seis? É tudo muito relativo. Acredito que se ele, por exemplo, correr as seis primeiras provas e estiver destacado à frente do campeonato, possivelmente sai um comunicado de imprensa a dizer: ‘Já agora, vamos ganhar o décimo [campeonato]’. 

P - Tem 35 anos de idade e uma carreira de 12. Até quando pensa continuar nos ralis? 

R - Tanto posso acabar a carreira em Janeiro, como continuar muitos mais anos. Se não conseguir reunir um budget que me permita responder pela minha palavra perante os patrocinadores, não assumo o projecto. Tenho muita vontade de correr, sinto-me forte, rápido, mas isso não chega, preciso dos meus parceiros. Se não conseguir viabilizar financeiramente o projecto em que acredito, infelizmente será a altura de parar.

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