domingo, 29 de setembro de 2013

1976: O ano do verdadeiro "Rush" (parte I)

Desde o passado dia 13 de setembro que se estreou nas salas de todo o mundo um filme sobre a temporada de 1976 da Formula 1 e o duelo entre o austríaco Niki Lauda e o britânico James Hunt. Realizado por Ron Howard, o homem por trás de peliculas como “Apollo 13”; “Uma Mente Brilhante” ou “Frost/Nixon”, com o argumento do britânico Peter Morgan, tem como atores o australiano Chris Hemsworth, que apareceu em filmes como “Os Vingadores”, como o britânico James Hunt; e o alemão Daniel Bruhl, estrela de filmes como “Adeus, Lenin!” como o pragmático austriaco Niki Lauda.

Há anos que Hollywood não faz um filme que tenha como base o automobilismo. Nos anos 60, filmes como "Grand Prix", realizado por John Frankenheimer, e "Le Mans", que teve Steve McQueen como ator principal, colocaram o automobilismo no patamar dos clássicos, apesar de nem todos terem tido sucesso na altura, apesar de Grand Prix ter conseguido três prémios da Academia (os Óscares) em categorias técnicas. Os adeptos esperaram muito tempo por este filme, e muitos seguiram atentamente as filmagens, realizadas no Aeródromo de Balckbushe, na Grã-Bretanha. Esperavam que o filme relatasse fielmente os acontecimentos da temporada de 1976, nomeadamente o duelo entre ambos, o acidente de Nurburgring, que quase custou a vida a Lauda, o seu regresso e o final eletrizante no circuito japonês de Fuji. Contudo, Hollywood decidiu que seria melhor tomar algumas liberdades artísticas em relação à história, para atrair as audiências.

Contudo, enquanto que o filme não se estreia nas salas portuguesas (a estreia oficial é a 3 de outubro) decidi que era a melhor altura de se contar neste blog o que se passou realmente há 37 anos, as razões e os episódios pelo qual fizeram com que esta temporada acabou por virar o filme de Hollywood que todos nós conhecemos.

1. AS ORIGENS

Niki Lauda nasceu a 22 de fevereiro de 1949, em Viena, ano e meio depois de James Hunt, que nascera a 15 de agosto de 1947 em Londres. Ambos tiveram "berços de ouro": Hunt era filho de um corretor da Bolsa e Lauda vinha de uma familia abastada, com o avô a ser um dos banqueiros mais importantes do seu país. Ambos tiveram uma boa educação, com Hunt a frequentar a Eton College, um dos mais elitistas do Reino Unido, e a sua paixão pelo automobilismo surgiu mais ou menos na mesma altura. Mas nenhum deles, ao contrário do que se poderia esperar, teve vida fácil.

O primeiro contacto de James Hunt com o automobilismo foi aos 18 anos, em 1966, quando começou a correr em Minis. Apaixonou-se à primeira vista e cedo virou obsessão. Cedo passou para os monolugares, correndo na Formula Ford e em outubro de 1970, estava na Formula 3, onde deu nas vistas numa corrida em Crystal Park... mas pelas piores razões. Numa luta pelo segundo posto, Hunt se envolveu nas curvas finais com o seu compatriota Dave Morgan, e ambos se tocam, terminando a corrida no muro. Nenhum dos dois ficou magoado, mas Hunt, irritado, foi ter com ele e lhe deu um murro.

A reação da Royal Automobile Club foi de desaprovação, mas os comissários acharam que Morgan teve as culpas e suspenderam-no por um ano, enquanto que Hunt não foi sancionado por achar que a sua reação foi mais instintiva.

Por esta altura, Niki Lauda também era um piloto que lutava para chegar à Formula 1. E apesar das suas origens, não tinha a aprovação, nem o financiamento da familia. Tinha começado cedo, também num Mini, em rampas na sua Austria natal, aproveitando a "Rindtmania" causado pelos feitos do seu compatriota Jochen Rindt, que acabaria por morrer num acidente em Monza, em setembro de 1970. Por essa altura, Lauda tinha passado para a Formula Super Vê, mas os resultados eram escassos e fazia algumas corridas em Turismos e Endurance.

Em 1971, Lauda decide ir para a Formula 2, mas para adquirir um carro, necessita de dinheiro. Assim sendo, decide pedir um empréstimo bancário, usando o nome da família e uma apólice de seguro como garantia. Os resultados são bons, e no final dessa temporada, compra um lugar na March para se estrear na Formula 1, no seu GP da Austria. Partindo do 21º lugar da grelha, desistiu na volta vinte, com problemas de direção.

Aos poucos, a March nota os talentos de Lauda ao redor do carro: meticuloso e calculista a arranjar e a aprimorar os carros, em 1972, a sua temporada de Formula 2 é um sucesso, mas na Formula 1, ao lado do sueco Ronnie Peterson, é um fracasso: o carro e pior do que na temporada anterior e não consegue pontuar. No final do ano, é despedido, e Lauda está desesperado, com dividas por pagar. Anos depois, o austríaco admitiu que contemplou o suicidio.

Contudo, tentou a sua sorte com mais outro empréstimo bancário, e em 1973, estava na BRM, como piloto pagante, ao lado do suiço Clay Regazzoni, que no ano anterior tinha corrido na Ferrari. E vai ser ele a pessoa decisiva para a sua carreira.

Entretanto, em 1972, James Hunt lutava por dar nas vistas na Formula 2, e também com um March. Mas ao contrário de Lauda, o britânico corria com um chassis cliente, e após algumas experiências fracassadas, conhece um jovem nobre britânico: Alexander Hesketh. Apesar de ter 21 anos, era barão desde muito novo e tinha uma grande fortuna. Tinha conhecido outra pessoa, Anthony "Bubbles" Horsley, e fizeram a Hesketh Racing. Tinham um chassis March de Formula 2 e precisavam de um piloto. Hunt apareceu e foi a parceria ideal: eram jovens e fogosos e adoravam a boa vida. Hunt sentiu-se ótimo nesse ambiente e a sua reputação de festeiro começou a surgir.

Em 1973, a Hesketh estava na Formula 2, mas os resultados não eram visiveis. Vendo isto o dono decidiu por uma solução original: ir para a Formula 1! Hesketh justificou depois que "se é para falharmos, então vamos para a Formula 1 onde ali podemos falhar em grande estilo."

2. A FORMULA 1

Hunt estreou-se no GP do Mónaco, com um chassis March, onde deu nas vistas antes de abandonar a corrida, vítima de uma falha no motor, quando rolava no sexto posto. A seguir, contrataram um jovem projetista, Harvey Postlethwaithe de seu nome, com o intuito de melhorar e modificar o chassis. Aos poucos, o March ficou tão modificado que já era mais um chassis original do que outra coisa.

Hunt pontuou pela primeira vez em Paul Ricard, terminando no sexto lugar. Na corrida seguinte, em Silverstone, foi quarto e fez a volta mais rápida. Rapidamente se torna numa sensação e a equipa dá nas vistas com o seu estilo: chegada ao circuito em Rolls Royce, mulheres no paddock, festas regadas a champanhe, todo um estilo excêntrico. Mas havia resultados: Hunt subiria ao pódio em Zandvoort, onde foi terceiro, e repetiu o feito na última corrida do ano, em Watkins Glen, onde foi segundo, colado ao Lotus de Ronnie Peterson. Terminaria a temporada com 14 pontos e o oitavo lugar da classificação.

Já Lauda tinha uma temporada mais modesta em termos de resultados, mas brilha em várias corridas. No Mónaco, em Silverstone e Mosport, o austríaco rola na liderança, mas não chega ao fim. O seu melhor resultado é um quinto lugar no GP da Belgica, conseguindo apenas dois pontos. Apesar de ser um piloto pagante, a BRM reconhece o talento e tenta ficar com ele para piloto titular, num contrato de três temporadas. Mas o austríaco quer ser pago o suficiente para saldar as suas dívidas, e eles recusam isso.

No final de 1973, Regazzoni regressa à Ferrari, e o seu fundador, Enzo Ferrari, pergunta a ele se pode recomendar alguém como seu companheiro de equipa. O suiço lembra-se de Lauda e Ferrari o chama a Maranello, a sede da fábrica. Ali, Enzo Ferrari lhe oferece um contrato suficientemente bom para pagar todas as dividas, e Lauda aceita.

Em 1974, o austríaco seria o segundo piloto de Regazzoni, numa Ferrari que tinha passado por uma das piores temporadas de sempre, onde não venceu qualquer corrida, nem sequer subira ao pódio. A dupla era totalmente nova, e o carro fora desenvolvido ao longo do inverno europeu.

Na primeira corrida do ano, na Argentina, Lauda chegou ao seu primeiro pódio, no segundo lugar, e três corridas depois, em Jarama, conquistou a sua primeira vitória. O austríaco confirmava por fim as expectativas que existiam sobre ele, e ele começou a lutar pelo título mundial, ao lado do seu companheiro Regazzoni, do McLaren de Emerson Fittipaldi e o Tyrrell de Jody Scheckter. Mas Lauda só venceu mais uma corrida, em Zandvoort, e lutou pelo título até ao GP de Itália. No final, conseguiu 38 pontos e o quarto lugar do campeonato.

Em contraste, Hunt e Hesketh decidiram fazer o seu próprio chassis, com a ajuda de Postlethwaithe. Por incrível que pareça, o dinheiro gasto para construir e manter uma equipa de Formula era migalhas para a fabulosa fortuna de Lord Hesketh. E o estilo de vida de Hunt dava nas vistas: para além de ser um ávido fumador e bebedor, o seu gosto por mulheres era insaciável. Foi nessa altura que colocou no seu fato a seguinte frase: “Sexo – o Pequeno-Almoço dos Campeões.” Para Hunt, o campeonato foi estável, pois conseguiu três terceiros lugares e o oitavo posto final, com 15 pontos.

3. O PRIMEIRO DUELO

Para 1975, o carro de Lauda sofre modificações e o austríaco beneficia delas. O grande duelo é com Emerson Fittipaldi, no seu McLaren, e os resultados dessa temporada refletem isso. Apesar de tudo, têm um começo lento e difícil, vencendo apenas na quinta corrida do ano, no Mónaco. Mas é a partir dali mais quatro pódios seguidos, três deles resultantes de vitórias: Bélgica, Suécia e França.

A única corrida que não ganhou nesse período foi na Holanda e o culpado foi... James Hunt. Na pista de Zandvoort, Lauda e Regazzoni monopolizam a primeira fila da grelha de partida, com Hunt logo atrás. O dia da corrida começou com chuva, que apesar de ter parado por alturas da partida, a pista ainda estava molhada. Lauda partiu para a frente, com Hunt no quarto lugar, atrás de Scheckter e Regazzoni. Com o passar das voltas, a pista secou e as paragens na box sucederam-se. Hunt parou primeiro que Lauda, com o seu Hesketh, e quando foi a vez do austríaco, o britânico ficou com a liderança, com Lauda em terceiro, atrás do Shadow do francês Jean-Pierre Jarier.

Na volta 42, Lauda conseguiu passar para o segundo lugar e aproveita a oportunidade para se encostar a Hunt e pressionar na luta para a liderança. Nas trinta voltas finais, assiste-se a uma batalha entre os dois para ver qual deles é que leva a melhor. A Ferrari era melhor nas curvas, mas nas rectas, o motor Cosworth conseguia ser mais eficaz, e as coisas estavam muito igualadas. No final da volta 75, quando cruzaram a meta, Hunt tinha conseguido algo impressionante: não só conseguira resistir à pressão do Ferrari de Lauda como também tinha sido o primeiro inglês a vencer um Grande Prémio desde 1971. E a sua primeira vitória na carreira era também o momento mais alto da Hesketh, a louca equipa de Lord Hesketh e "Bubbles" Horsley. Agora, a reputação de Hunt era menos "shunt" e mais o de um piloto vencedor. Lauda era segundo, colado ao britânico.

Contudo, esse não foi mais do que um "soluço" na caminhada imparável de Lauda rumo ao título mundial. O austriaco iria vencer mais uma corrida, em Watkins Glen, vencendo o titulo com 64,5 pontos, contra os 45 pontos do McLaren de Emerson Fittipaldi. Quanto a James Hunt, os resultados foram os melhores até então, com mais três pódios e uma volta mais rápida, conseguindo 33 pontos e o quarto lugar do campeonato.

(continua amanhã) 

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