quarta-feira, 2 de outubro de 2013

1976: O ano do verdadeiro "Rush" (parte IV)

(continuação do capitulo anterior)

7. O MOMENTO EM QUE TUDO MUDA

Como seria de esperar, os treinos de sábado decorreram debaixo de chuva, logo, a grelha ficou definida pelo que eles fizeram no dia anterior. Com sete minutos, seis segundos e cinco centesimos, James Hunt fora o melhor, com Niki Lauda no segundo posto e Patrick Depailler no terceiro posto, com o Tyrrel de seis rodas. Ao seu lado, no quarto posto estava o local Hans-Joachim Stuck, piloto da March, filho da lenda dos anos 30 Hans Stuck e grande conhecedor do Nordschleife. 

A grande conversa no paddock nesse final de semana, para além das preocupações com a segurança do circuito, tinha a ver com o que se passou com uma das equipas inscritas, a RAM, de John McDonald. Ele tinha inscrito o alemão Rolf Stommelen, depois de despedir sem justa causa o suiço Loris Kessel, na corrida anterior. Este meteu McDonald em tribunal e na sexta-feira de qualificação, os carros da equipa, essencialmente chassis Brabham BT44, foram apreendidos e a equipa - que tinha a piloto italiana Lella Lombardi - impedida de correr. Stommelen, aflito, queria correr e a solução veio da Brabham, que... lhe emprestou um dos seus carros de fábrica. Essencialmente, um terceiro Brabham-Alfa Romeo oficial foi inscrito às pressas.

Na hora da largada, a pista estava molhada, mas com tendência para secar, o que fazia com que os pilotos tivessem de apostar e arriscar a sua sorte. Todos decidiram colocar pneus para piso molhado... excepto um: o McLaren de Jochen Mass, que conhecendo o tempo e as caracteristicas do Nordschleife, decidiu apostar em pneus secos, pois sabia que o asfalto estava a secar rapidamente e dali a pouco tempo, todos iriam às boxes e meter pneus slicks.

E assim foi: Regazzoni larga na frente, enquanto que Hunt ficava com o segundo lugar. Mass, que largava da nona posição da grelha, já era terceiro à saída da primeira curva, com Laffite logo atrás. Ao mesmo tempo, Lauda atrasava-se, afundando-se no pelotão. A meio da primeira volta, as condições do asfalto ainda estavam más e Regazzoni sofreu um despiste, que o fez cair para a quarta posição. Hunt era agora o líder, mas já por essa altura se apercebia que o asfalto estava seco e os pilotos iriam trocar para slicks. No inicio da segunda volta, todos os pilotos que tinham partido com pneus molhados trocaram para seco: Hunt, Lauda, Regazzoni, Reutemann... poucos não o fizeram, como os suecos Ronnie Peterson e Gunnar Nilsson, mas cedo iriam ficar para trás. E quem sorria era Mass, que apostando na mistura certa, era o líder destacado da corrida.

Mas o sol foi de pouca dura: no inicio da terceira volta, os comissários decidem interromper a corrida, exibindo a bandeira vermelha. Tinham comunicado que havia problemas na zona de Bergwerk, onde um carro se tinha despistado e incendiado, causando uma colisão com outros dois carros. Pouco depois, soube-se que um dos pilotos acidentados era... Niki Lauda.

O austríaco estava a fazer uma corrida de recuperação, após a sua troca de pneus, que tinha sido mais lenta do que o normal. Quando chega a Bergwerk, uma sucessão de curvas rápidas, o carro subitamente despistou-se  - anos depois, Lauda disse que a hipótese mais consistente fora a de uma quebra da suspensão traseira direita - bateu forte no guard-rail e em ricochete vai para o meio da pista, rompendo o depósito de combustível do Ferrari e incendiando-se de imediato. Um carro surge a seguir, o Hesketh de Guy Edwards, que se despista ao tentar evitá-lo, mas logo após, surge outro carro, que embate de frente com Lauda e o faz projetar mais alguns metros. Era a viatura do americano Brett Lunger.

Imediatamente, quer Edwards, quer Lunger saltam dos seus carros e tentam chegar aos destroços do Ferrari incendiado, que bloqueava a pista. Outros pilotos surgem imediatamente para o tentar salvar: o seu compatriota Harald Ertl e o italiano Arturo Merzario, ajudam Edwards e Lunger a tirá-lo do carro, enquanto que outros pilotos, como o alemão Hans-Joachim Stuck e o brasileiro Emerson Fittipaldi, também estavam presentes para manobrar e ajudar as equipas de socorro, que em cerca de um minuto chegam ao local.

Por incrível que pareça, Lauda esteve sempre consciente durante este tempo todo. Contudo, a sua viseira tinha-se aberto durante os embates e a gasolina do depósito de combustível, rompido no primeiro embate, entrara dentro da sua cara, queimando-a. O plástico que envolvia o seu chassis tinha-se derretido e ele tinha inalado os fumos, altamente tóxicos, que estavam a corroer os seus pulmões.

Contudo, Lauda não estava preocupado. Queria mais saber se não tinha nenhum osso quebrado. Na realidade tinha uma clavícula quebrada, do embate com o muro. Levado imediatamente de urgência para o hospital de Koblenz, ele vira que os seus piores receios sobre Nurburgring tinham acontecido. Mas mal ele sabia que a sua luta pela sobrevivência estava prestes a começar.

Enquanto que ele era levado para o hospital, a corrida recomeçava. Com ele fora de combate, Hunt aproveitou da melhor maneira possível e acabou por vencer a corrida, na frente de Jody Scheckter e do seu companheiro, Jochen Mass, e conseguindo assim reduzir a diferença para 14 pontos. Os pilotos foram para os seus carros com noticias relativamente otimistas sobre Lauda. Hunt disse na altura: "As noticias que tínhamos era que estava a falar e tinha queimaduras ligeiras, então voltamos para os nossos carros sem grandes preocupações." Mas outro dos pilotos presentes, o veterano Chris Amon, tinha uma leitura diferente: "Não acredito que ele tenha queimaduras ligeiras, ele ficou demasiado tempo dentro do carro..." Mas os sorrisos na McLaren pelo seu resultado, pois tinham reduzido para 17 pontos a diferença para Lauda, cedo deram lugar à preocupação. O estado de saúde de Lauda agravava-se de hora para hora, não por causa das queimaduras, mas sim pelos fumos inalados.

No final da noite, o paddock temia o pior, e anos depois, o jornalista Peter Windsor falava sobre isso:

"Em circunstancias normais, apreciar-se ia a condução de Hunt, a velocidade dos Brabham-Alfa ou as duas paragens necessárias para mudar os Tyrrell de seis rodas para slicks. Em vez disso, todas a conversas convergiam-se para o mesmo sitio: Niki Lauda tinha batido no mesmo estilo de curva do qual ele tinha criticado. Era rápido e sem escapatória. Esta ironia iria ter duas consequências: nunca mais haveria corridas no The Ring enquanto tais curvas existirem e de agora em diante, o mundo das corridas vai encarar os avisos dos pilotos de forma mais séria. Esses eram os objetivos da causa de Lauda. Tal como as suas corridas, pensa longamente insistentemente sobre a segurança. E para ele, não havia nada menos profissional do que aquela habitual histeria bane-o-circuito-por-causa-do-acidente. Ele queria fazer as coisas de forma mais racional, e agora provavelmente poderia não ter mais essa chance."

Entretanto nesse domingo à noite, enquanto que Lauda estava a lutar pela vida, a Ferrari não perdeu tempo para arranjar um substituto para Lauda. Enzo Ferrari telefona para a Alemanha e para Emerson Fittipaldi. O objetivo? Que o brasileiro fique com o lugar dele, pilotando para a Scuderia a partir do GP da Áustria. Fiel ao projeto da Copersucar, o brasieiro não aceitou.

Quem foi testemunha dessa conversa fora o português Domingos Piedade, que na altura era o empresário do brasileiro e conselheiro na Copersucar. Recentemente recordou esse episódio numa entrevista ao blog 16 Valvulas: "Na noite do acidente, a Ferrari convidou pessoalmente o Emerson Fittipaldi para o vir substituir. Ele não aceitou porque ele é um homem integro, vertical, tinha dado a palavra à Copersucar. Se o Emerson tivesse aceite, já no Grande Prémio a seguir [na Austria], onde a Ferrari não participou, teria roubado pontos ao James. Definitivamente. E na corrida seguinte [na Holanda] onde correram só com o Clay Regazzoni, ele estaria ali para pontuar. E ali, estaria escrito que não seria o James a ganhar o campeonato do mundo", concluiu. 

Os médicos tentam tratar os seus pulmões afetados, mas na manhã de terça-feira, estes tinham entrado em colapso e estava em estado pré-comatoso. Um padre tinha sido chamado às pressas para o seu quarto para lhe dar a extrema-unção. Quando isso acontece, Lauda ainda está consciente e fica aterrorizado com o que ouve: “Estou deitado, no escuro do quarto. Aparece um homem. Fala em latim, é a minha extrema-unção. Pode-se morrer disto, pelo choque. O padre não falou nada agradável, que me desse esperança. Fiquei com vontade de gritar: ‘pare, eu não vou morrer’”, recordou mais tarde.

(continua amanhã)

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