Ken Gregory, o antigo "manager" de Stirling Moss e um dos fundadores da BRP, a British Racing Partnership, que correu em meados dos anos 60, morreu no passado dia 1 de dezembro na sua casa, no sul de Espanha. Tinha 87 anos. Gregory foi um dos homens mais importantes do automobilismo nos anos 40 e 50, primeiro, como piloto da classe 500cc, e depois ao tomar conta dos destinos de Moss, ao longo da década de 50 e ter ajudado a fazer, ao lado de Alfred Moss, o pai de Stirling, a equipa BRP, que andou na Formula 1 até 1964, primeiro com chassis de outras marcas, e depois com o seu próprio chassis, guiado por pilotos como Innes Ireland, Hans Hermann e Tony Maggs, entre outros.
O seu percurso no automobilismo começa após ter servido na II Guerra Mundial. Com o surgimento de uma categoria pujante, a classe 500cc, muitos deles com chassis Cooper, Gregory tentou a sua sorte, primeiro como corredor, e depois como integrante no departamento de competição do Royal Automobile Club. E é por essa altura que conhece um jovem de 20 anos chamado Stirling Moss, numa recepção do RAC. Depressa se tornam amigos, e é ele que arranja os seus primeiros contratos na Formula 1, com a HVM, em 1951. Ao mesmo tempo, ao serviço da RAC, tinha conseguido fazer a primeira corrida em quatro rodas no circuito de Brands Hatch, que até então, só tinha visto corridas de motos.
“SM (Stirling Moss) sentia-se mais confortável quando guiava para equipas britânicas - disse Gregory ao jornalista Gordon Cruikshank, da revista Motorsport, em 2009 - não porque era patriota ou algo assim, mas porque se sentia confortável da maneira como os britânicos trabalhavam. Mas em 1951, a Ferrari ofereceu-lhe um volante, mas recusou porque tinha um compromisso com a HWM. E ele honrava os compromissos".
Contudo, em 1953, Moss passa uma má temporada na Cooper-Alta, e com a aparição da nova Formula de 2,5 litros, em 1954, Gregory tenta encontrar um carro para Moss, mas não encontra lugar nas equipas oficiais: Mercedes, Ferrari e Maserati. Gregory tenta falar com Alfred Neubauer, mas sem sucesso, e as coisas com a Maserati também tinha redundado em fracasso. Para piorar as coisas, Moss tinha-se zangado com Enzo Ferrari quando, numa corrida em Bari, faltou ao compromisso acertado e não lhe deu um carro. Logo, a Scuderia também estava riscada dos planos.
"Telegrafei para [Rudolf] Ulenhaut e pedi uma reunião", começou por dizer. A ideia era de eles se encontrarem com Alfred Neubauer, o mítico chefe de equipa da marca. Gregory fala dele como um "homem jovial", mas nessa reunião, as coisas não correram bem: "Disse-lhe que tinha em mãos o melhor piloto do mundo, mas Neubauer já tinha [Juan Manuel] Fangio e disse 'fizemos a nossa escolha e não estamos certos se Stirling está suficientemente maduro'. Entretanto, a Maserati tinha já a sua equipa. Parecia desanimador".
Ken contou a Stirling a situação, e ele respondeu com um "Ken, deixo esses pormenores para ti", antes de ir para a Bahamas, correr na Nassau Speed Week. Assim, contou a situação ao seu pai e disse que o ideal seria ir a Itália e comprar um 250F.
"Voei no dia seguinte para Modena, para me encontrar com Orsi e Alfieri [Maserati]. Eu queria colocar Stirling na equipa, mas eles já tinham três argentinos [Onofre Marimon, Froilan Gonzalez e Carlos Menditeguy], então decidi que iria comprar um carro. Chegamos a um preço de nove mil liras - 5100 libras. Só que não sabia de onde é que viria o dinheiro. Não houve assinaturas até às duas da tarde, porque tive de os convencer a mudar o pedal da aceleração para a direita. Pelas três da tarde, liguei para o Alfred Moss e disse: 'comprei-o. Tens de me ajudar a arranjar o dinheiro'."
Acabou por ser a sua irmã Pat a aranjar, bem como um patrocinio da Shell, que assegurou o pagamento. "A partir de 1954, as coisas andaram rapidamente. Ele adaptou-se rapidamente ao carro, a após a morte do Marimon na Alemanha, a Maserati ficou com ele. Eles pagavam tudo e nós ficamos com o "prize money".
Contudo, é somente em 1955 é que o envolvimento entre os dois é mais forte quando Gregory convence a Mercedes a assinar um contrato com ele para a sua equipa de Formula 1. O contrato poderia ser fabuloso, porque a marca alemã era a mais forte da altura, mas havia um detalhe importante: Moss não sabia. E ele demonstrava algum cepticismo sobre os alemães.
Gregory contou como é que arranjou o contrato: “Recebemos um telegrama de Neubauer a perguntar: 'Moss tem contrato para 1955?'. Nessa altura, ele estava a fazer as malas, a caminho de Nova Iorque e disse-me: 'Esquece.' Deixei-o embarcar e disse a Alfred: 'Não podemos deixar escapar isto', ao que ele respondeu: 'Tu conheces o Stirling. Vai lá ver quanto é que lhe pagam'".
"Então voei para Estugarda ver o que é que poderia pedir a Neubauer. Quando cheguei e ouvi os termos, eles iriam pagar mais daquilo que esperava. Então, para 'adoçar', disse-lhe que se poderia fazer o favor de emparelhar com Fangio em Le Mans, porque sabia que idolatrava-o. Quando ele soube, ele disse primeiro 'Disse-te que não queria correr para eles', mas quando ouviu quanto iria ganhar e com quem ele iria correr em Le Mans, ele ficou convencido".
A chegada à Alemanha, Moss foi fazer um teste a Hockenheim, antes de assinar o contrato. Com ele, vinha uma equipa de fotógrafos do Picture Post, e Neubauer decidiu despistá-los... mandando-os na direção errada. Nessa altura, os três – Gregory, Moss pai e filho – tinham estabelecido o Stirling Moss Ltd, que servia para agenciar os crescentes contratos profissionais e publicitários que Moss já tinha conseguido. Apesar de Gregory estar encarregado de arranjar os contratos, a palavra final era da família, especialmente do próprio Stirling. E apesar de em certos momentos as cartas dos fãs chegavam às centenas por semana, Stirling respondia com uma foto autografada. “Assinou às centenas”, contou Gregory.
A maneira como ele lidou com os assuntos de Moss fez com que outros pilotos se interessassem pelos seus serviços. Em 1955, Peter Collins pediu a Gregory que fosse seu manager. Ambos foram à Targa Florio, e venceram, com um Mercedes. Quanto à maneira de lidar com as coisas, Gegory afirmou que ambos eram completamente diferentes um do outro: “Stirling chegava aos eventos sempre a tempo e a horas, enquanto que com o Peter serias sortudo se aparecesse uma hora mais tarde”.
Com o passar do tempo, Gregory conseguia lidar com ambos os pilotos, e ainda foi convidado para organizar corridas em Brands Hatch, a convite da RAC, que o mandava também ajudar na organização da Nassau Speed Week, pois aquele sitio ainda era colónia britânica.
Mas mesmo assim, em 1958, Ken Gregory sentia-se... aborrecido. Moss estava a saltar entre a Vanwall e a Rob Walker Racoing, com os seus Cooper de motor traseiro, enquanto que Collins estava na Ferrari, ao lado de Mike Hawthorn, e ambos tinham as suas vidas arranjadas quando ligou a Alfred Moss e perguntou se queria voltar a gerir uma equipa: “Sabia que Alfred também tinha saudades e lhe perguntei ‘porque não vamos formar uma equipa?’”. Compraram um Cooper de Formula 2, a meias entre os dois. “Paguei a parte dele logo na primeira temporada”. E em relação à estanha cor verde-alface… “Tivemos muitos comentários desfavoráveis, mas foi uma escolha memorável”.
E cedo Gegory descobriu os estranhos hábitos de Sterling: “Descobri rapidamente quão supersticioso ele era. No RAC, consegui dar-lhe a licença numero 7, e tinha outra regra: não tinha sexo dois dias antes das corridas!”
As coisas correram bem entre ambos até à segunda-feira de Páscoa de 1962, no circuito de Goodwood. Moss guiava um Lotus 21 da BRP quando, inexplicavelmente, sofreu um grave acidente que fraturou as pernas e as costelas, ficando mais de um mês em coma. Para Ken Gregory, foi um choque: “Cheguei a receber 400 cartas por dia. A imprensa estava louca para obter uma revista [com Moss, no hospital]. Acabei por vender os direitos por dez mil libras”, contou. Curiosamente, alguns meses depois, em 1963, veio a fundar a revista “Cars and Car Conversations”, que continuou a ser publicada até 2003.
Pelo meio, Gregory decidiu fazer uma empresa de táxis aéreos, a Gregory Air Taxis, onde transportava a elite da musica e de Hollywood. Um dos seus aviões transportou John Lennon e Yoko Ono até Gibraltar, em 1969, onde se casaram pelo civil. As coisas andaram bem para ele até meados dos anos 70, onde maus investimentos o fizeram perder uma grande fortuna. Mas voltou a ficar em forma até à reforma, que decidiu passar no sul de Espanha, fazendo frequentes viagens até à Grã-Bretanha, onde via os amigos e via como a Formula 1 tinha mudado nos mais de 40 anos que continuou a seguir após o desaparecimento da BRP, em 1965.
E continuou a defender a amizade e os feitos de Moss nas pistas, especialmente em relação às circunstâncias da sua primeira vitória na Formula 1, no GP da Grã-Bretanha de 1955, onde muitos afirmam que Moss venceu Fangio porque o argentino assim o quis. Sobre isso, Gregory respondeu com um “Confesso que não sei. Mas uma coisa é certa: ele era capaz de bater Fangio nos Sport Cars!”
Ars longa, vita brevis.
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