A PRIMEIRA VEZ EM TERRAS BRASILEIRAS
Desde o final da década de 80 do século XIX, altura em que o automóvel triunfa como invenção viável, que as máquinas se espalharam um pouco por todo o mundo, e o Brasil não é excepção. De facto, torna-se até num dos primeiros a ter um automóvel a circular no país, imediatamente depois de ter sido proclamada a República, no final de 1889. E um dos pioneiros é Santos Dumont.
Ninguém sabe dizer com precisão onde caiu o primeiro automóvel, se em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Contudo, sabe-se sem qualquer tipo de dúvida que a primeira vez que há um veículo sem tração animal em terras brasileiras é em Salvador, no ano de 1871, onde aparece um veículo a vapor, importado pelo Sr. Francisco António Pereira Rocha, e causa sensação entre os habitantes daquela que tinha sido a primeira capital do Brasil. As coisas continuaram assim por algum tempo, até que alguém desafiou o senhor Rocha, afirmando que o "mostrengo" não subiria a ladeira. O resto da história pode ser lida no sitio Carro Antigo:
"Um dia alguém desafiou o Dr. Rocha, dizendo que aquele monstrengo só andava no plano. Queria ver se subia ladeira. O homem pulou na defesa de seu automóvel. O outro teimou. Então foi fechada uma aposta: iria à praça do Mercado, subiria a Ladeira da Conceição da Praia e chegaria à Praça do Palácio.
A notícia correu célere. Todo mundo tomou conhecimento da aposta, e muitas apostas mais surgiram, uns defendo o carro do Dr. Rocha, outros achando que ele, tão pesado e sem nada que o puxasse, não agüentaria a ladeira.
No dia combinado, o Dr. Rocha montou no veículo. O povo comprimia-se ao redor do monstrengo. O bicho resfolegou e começou a andar. Encaminhou-se para a Ladeira. Um momento de ‘suspense”. Parece que o bicharoco nem deu pela mudança de nível: foi subindo vagarosa mas firmemente. Quando despontou na Praça do Palácio, o povo que estava nas janelas e enchia a rua, prorrompeu em aplausos.
O Dr. Rocha ganhou a aposta e muita popularidade. Não se falou noutra coisa durante muito tempo.
Uma das coisas que mais impressionaram o baiano, no caso do automóvel primitivo, foi o fato de ele ter as rodas cobertas de borracha. Tanto assim que logo surgiu uma quadrinha popular, que ficou no folclore baiano muito tempo. Dizia ela:
“Havemos de ver dos dois
O que aperta ou afrouxa:
Do Lacerda o “parafuso”
Ou a “borracha” do Rocha"
O parafuso do Lacerda é o ascensor da época ligando a Cidade Baixa à Cidade Alta. A borracha do Rocha é o primeiro automóvel de rodas de borracha, do Dr. Francisco Antonio Pereira Rocha.
O fim da primeira excursão do carro brasileiro foi melancólico: de volta de uma excursão ao Rio Vermelho, à margem do Dique, partiu-se uma peça do veículo. Os passageiros não tiveram outro recurso senão voltar de trole: vieram para a cidade num dos troles da “Trilhos Centrais”. Segundo algumas informações, não confirmadas, o automóvel a vapor do Dr. Rocha teria ido ao Rio Grande do Sul."
O fim da primeira excursão do carro brasileiro foi melancólico: de volta de uma excursão ao Rio Vermelho, à margem do Dique, partiu-se uma peça do veículo. Os passageiros não tiveram outro recurso senão voltar de trole: vieram para a cidade num dos troles da “Trilhos Centrais”. Segundo algumas informações, não confirmadas, o automóvel a vapor do Dr. Rocha teria ido ao Rio Grande do Sul."
Mas os automóveis só voltarão a aparecer no Brasil em 1890, simultaneamente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na então capital, é Fernando Guerra Duval, engenheiro de formação e irmão do embaixador do Brasil na Corte russa, que importa um Decauville de dois cilindros e causa sensação ao passar pelas ruas da cidade. Para arranjar combustível, para nas farmácias e compra benzina, e as suas excursões com o automóvel leva até à antiga capital imperial, Petrópolis, onde espanta todos os que estão curiosos com essa nova invenção.
Ao mesmo tempo, em Paris, um jovem paulistano procura pelo melhor automóvel existente em França para o poder importar para o seu pais de origem. Seu nome era Alberto dos Santos Dumont, e como todos os que viviam em terras francesas em 1890, estava curioso para experimentar a nova invenção. Depois de pesquisa aturada, decidiu-se por um Peugeot, que o importou para o Brasil. A ideia era mais de o estudar do que o de guiar, quem fez isso foi o seu irmão mais velho, Henrique.
Ele teve o maior usufruto do automóvel, e foi ele o primeiro a ver os grandes obstáculos que iria ter de enfrentar, nomeadamente, o mau estado das estradas. Tanto que onze anos depois, em 1901, pede ao governador do estado para que isente o seu automóvel do pagamento de imposto de circulação.
Na carta que escreveu, explica:
“...o suplicante sendo o primeiro introdutor desse sistema de veículo na cidade, o fez com sacrifício de seus interesses e mais para dotar a nossa cidade com esse exemplar de veículo “automobile”; porquanto após qualquer excursão, por mais curtas que sejam, são necessários dispendiosos reparos no veículo devido à má adaptação de nosso calçamento pelo qual são prejudicados sempre os pneus das rodas. Além disso o suplicante apenas tem feito raras excursões, a título de experiência, e ainda não conseguiu utilizar de seu carro “automobile” para uso normal, assim como um outro proprietário de um “automobile” que existe aqui também não o conseguiu”.
Infelizmente, Santos Dumont irmão não conseguiu o que queria.
A PRIMEIRA VEZ EM PORTUGAL
Apesar de Portugal e da elite portuguesa estar muito atenta às novidades vindas de Paris, só quando se torna popular é que se pensa em adquirir e importar um automóvel para terras portuguesas. E vai ser em 1895 que D. Jorge de Avilez, Conde de Avilez, toma esse passo, adquirindo um Panhard e Levassor. E a sua primeira viagem vai ter contornos de insólito.
Primeiro que tudo, o automóvel, importado de Paris, chega a Lisboa no inicio de novembro, tendo estado retido na Alfandega durante alguns dias, devido às dificuldades dos funcionários de o catalogar como máquina agricola ou como um "locomobile". Decidiu-se por este último. O Panhard e Levassor tinha quatro cavalos, com um motor de 1320cc, e podia andar a 20 quilómetros por hora.
Atravessado o Tejo de barco, desembarcaram no Barreiro, na margem sul, e empreendeu a viagem até ao seu destino, a sua quinta em Santiago do Cacém. A passagem do automóvel causou curiosidade entre as pessoas, que como seria de esperar, nunca tinham visto nada assim. Na zona de Palmela, perto de Setúbal, acontece um incidente: um burro atravessa-se no caminho do automóvel e é atropelado, tendo morte imediata. O Conde de Avilez resolve logo o problema, pagando ao proprietário a quantia de 18 mil reis, mais do que suficiente para pagar... três burros. Nem o carro, nem os ocupantes, sofreram estragos de maior.
Depois de um resto de viagem sem incidentes, o Panhard chegou a Santiago do Cacém, o destino final, onde foi admirado por todos os que lá viviam e passavam. O Conde ficou com ele até 1901, fazendo viagens até Évora e Beja - um feito nas más estradas nacionais da época - quando o vendeu por setecentos mil reis - uma fortuna na altura - a Mariano Sodré de Medeiros, que não estando feliz com as suas performances, troca por um Decauville pertencente a João Garrido, do Porto.
O Panhard é redescoberto em 1954 na Garagem Auto-Palace, no Porto, onde acaba por ser doado ao Automóvel Clube de Portugal, na condição de este não sair da Cidade Invicta. E é na Alfândega do Porto onde ele está, hoje em dia, em exposição permanente.
A partir deste momento, os automóveis vão entrar com regularidade no território português, tando que em 1900, já havia 150 carros em Portugal. E a família real era um enorme entusiasta, principalmente o irmão do Rei D. Carlos, D. Afonso. A garagem real chega a ter oito Peugeots, cada um a custar 2400 contos, o equivalente a... cem anos de salário de um trabalhador não-qualificado. É graças aos seus feitos automobilísticos que fica conhecido como o "Arreda", pois à falta de buzinas nos seus automóveis, principalmente no seu favorito, um Fiat, é isso que costuma gritar aos pedestres, sempre que se cruzam nas ruas de Lisboa...
(continua no próximo episódio)
Ao mesmo tempo, em Paris, um jovem paulistano procura pelo melhor automóvel existente em França para o poder importar para o seu pais de origem. Seu nome era Alberto dos Santos Dumont, e como todos os que viviam em terras francesas em 1890, estava curioso para experimentar a nova invenção. Depois de pesquisa aturada, decidiu-se por um Peugeot, que o importou para o Brasil. A ideia era mais de o estudar do que o de guiar, quem fez isso foi o seu irmão mais velho, Henrique.
Ele teve o maior usufruto do automóvel, e foi ele o primeiro a ver os grandes obstáculos que iria ter de enfrentar, nomeadamente, o mau estado das estradas. Tanto que onze anos depois, em 1901, pede ao governador do estado para que isente o seu automóvel do pagamento de imposto de circulação.
Na carta que escreveu, explica:
“...o suplicante sendo o primeiro introdutor desse sistema de veículo na cidade, o fez com sacrifício de seus interesses e mais para dotar a nossa cidade com esse exemplar de veículo “automobile”; porquanto após qualquer excursão, por mais curtas que sejam, são necessários dispendiosos reparos no veículo devido à má adaptação de nosso calçamento pelo qual são prejudicados sempre os pneus das rodas. Além disso o suplicante apenas tem feito raras excursões, a título de experiência, e ainda não conseguiu utilizar de seu carro “automobile” para uso normal, assim como um outro proprietário de um “automobile” que existe aqui também não o conseguiu”.
Infelizmente, Santos Dumont irmão não conseguiu o que queria.
A PRIMEIRA VEZ EM PORTUGAL
Apesar de Portugal e da elite portuguesa estar muito atenta às novidades vindas de Paris, só quando se torna popular é que se pensa em adquirir e importar um automóvel para terras portuguesas. E vai ser em 1895 que D. Jorge de Avilez, Conde de Avilez, toma esse passo, adquirindo um Panhard e Levassor. E a sua primeira viagem vai ter contornos de insólito.
Primeiro que tudo, o automóvel, importado de Paris, chega a Lisboa no inicio de novembro, tendo estado retido na Alfandega durante alguns dias, devido às dificuldades dos funcionários de o catalogar como máquina agricola ou como um "locomobile". Decidiu-se por este último. O Panhard e Levassor tinha quatro cavalos, com um motor de 1320cc, e podia andar a 20 quilómetros por hora.
Atravessado o Tejo de barco, desembarcaram no Barreiro, na margem sul, e empreendeu a viagem até ao seu destino, a sua quinta em Santiago do Cacém. A passagem do automóvel causou curiosidade entre as pessoas, que como seria de esperar, nunca tinham visto nada assim. Na zona de Palmela, perto de Setúbal, acontece um incidente: um burro atravessa-se no caminho do automóvel e é atropelado, tendo morte imediata. O Conde de Avilez resolve logo o problema, pagando ao proprietário a quantia de 18 mil reis, mais do que suficiente para pagar... três burros. Nem o carro, nem os ocupantes, sofreram estragos de maior.
Depois de um resto de viagem sem incidentes, o Panhard chegou a Santiago do Cacém, o destino final, onde foi admirado por todos os que lá viviam e passavam. O Conde ficou com ele até 1901, fazendo viagens até Évora e Beja - um feito nas más estradas nacionais da época - quando o vendeu por setecentos mil reis - uma fortuna na altura - a Mariano Sodré de Medeiros, que não estando feliz com as suas performances, troca por um Decauville pertencente a João Garrido, do Porto.
O Panhard é redescoberto em 1954 na Garagem Auto-Palace, no Porto, onde acaba por ser doado ao Automóvel Clube de Portugal, na condição de este não sair da Cidade Invicta. E é na Alfândega do Porto onde ele está, hoje em dia, em exposição permanente.
(continua no próximo episódio)
Essa série tá sendo uma das coisas mais interessantes que li nos últimos tempos; parabéns, muito bem feita.
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