quinta-feira, 1 de maio de 2014

O automobilismo continua a ser perigoso

Vinte anos depois da última morte na Formula 1, queria assinalar este dia de outra forma, fugindo às convenções que uma efeméride destas, num numero redondo como este, acarreta. Não foi fácil, mas ontem comecei a pensar sobre as coisas que já vi no automobilismo nesses anos todos. E uma das conclusões que cheguei é que as pessoas querem acreditar que depois de Ayrton Senna e Roland Ratzenberger, o grande legado do automobilismo é que este ficou mais seguro. A minha resposta a isso é... sim e não. Sim, é verdade que as coisas ficaram bem mais seguras, no sentido em que os pilotos têm hoje em dia muito mais hipóteses de sobrevivência. Mas tende-se a esquecer que nestes vinte anos que passaram, muitos foram os pilotos que pagaram o preço mais alto pelo seu amor à modalidade.

Desde que comecei este espaço, já lá vão uns sete anos, já lamentei as mortes violentas de alguns pilotos. Henry Surtees, Dan Wheldon, Allan Simonsen, Sean Edwards... e antes disso, recordo-me de outros como Dale Earnhardt, Paul Dana, Jerry Krosnoff, Scott Brayton, Gonzalo Rodriguez e Greg Moore. Bem vistas as coisas, como boa parte de nós vê a Formula 1 como o representante máximo do automobilismo, olhamos pouco para as outras categorias. E não temos em conta de que o automobilismo continua a ser perigoso, apesar dos avanços em termos de segurança e nos materiais usados para a construção dos chassis e dos sistemas de segurança.

Nestes vinte anos, creio que construímos um mito. O "mito da invulnerabilidade", aquele mito onde acreditamos - ou queremos acreditar - de que reduzimos o risco de morte para zero. Digo isto por causa das reações de surpresa quando acontecem acidentes graves na Formula 1. Sei que há exemplos que contrariam isso, como por exemplo o espetacular acidente de Robert Kubica no GP do Canadá de 2007, mas lembro-me das reações de choque quando Felipe Massa levou com aquela mola na cabeça, nos treinos do GP da Hungria de 2009. Por vezes acho que as pessoas, quando ouvem mortes no automobilismo noutros lados que não na Formula 1, devem dizer algo como "ah, foi noutro lado e não na Formula 1, pois eles fizeram tudo direito para evitar tragédias destas".

Confesso que tenho dificuldades em acreditar nisso. A FIA, apesar de fazer imensos testes em prol da segurança dos pilotos nos seus habitáculos - e avançou muito em termos de crash-tests, por exemplo - não creio que cubra todos os aspectos. Quero acreditar que sim, que se faz um trabalho bem feito nesse campo. Mas quando me lembro das circunstâncias do acidente fatal do Henry Surtees, em Brands Hatch, durante uma corrida de Formula 2 (levou com um pneu na cabeça de outro carro), pergunto-me por vezes se na realidade, ainda existe aquela ínfima parte de azar do qual um dia, a Formula 1 voltará a ser assombrada.

No meio disto tudo, voltei a lembrar os eventos de outubro de 2011, onde em uma semana, perdemos Dan Wheldon e Marco Simoncelli. Tal como aconteceu no passado com Roger Williamson, Gilles Villeneuve, Roland Ratzenberger e Ayrton Senna, na Formula 1, foram acidentes vistos em direto perante milhões de pessoas, em acidentes considerados horríveis. Em ambos os casos, as corridas foram canceladas de imediato. E fico a pensar que... se fosse na Formula 1, tal não aconteceria. E a razão era simples: porque o promotor não deixaria. E esse promotor, como sabem, chama-se Bernie Ecclestone.

Eccelstone é daqueles da velha guarda, que têm na mente aquela ideia de que "o espectáculo têm de continuar", e é capaz de agarrar-se a isso, mesmo indo contra a opinião pública, com os melhores exemplos aquilo que fez quando a Formula 1 vai a lugares duvidosos como o Bahrein, ou quando ia no passado na África do Sul, quando este vivia o regime segregacionista do "apartheid". Estando no meio desde há mais de 40 anos, o artificio que usou em Imola em relação a ambos os acidentes, de que os pilotos morreram no hospital, quando todos concordam que - pelo menos no caso de Ratzenberger - tiveram morte imediata na pista, para evitar que as autoridades intervissem, sendo obrigado a cancelar o Grande Prémio. E sei que muitos suspiram quando gostariam que essa corrida tivesse sido logo cancelada naquele sábado à tarde.

Nestes vinte anos, assistimos a um alto desenvolvimento da tecnologia para a resistência dos carros aos duros impactos e ao aumento da segurança nos carros e nos circuitos. Os anos 60 e 70 já lá vão, e desejamos que nunca mais voltem. Mas quero acreditar que a FIA fez um bom trabalho para que os carros sejam estupendamente seguros, que o risco de morte do piloto seja "zero", e que o trabalho nesse sentido por parte da entidade máxima do automobilismo é contínuo. Contudo, confesso que a ideia de que nunca mais veremos um acidente fatal na Formula 1 é mais um desejo do que uma realidade, porque, sejamos honestos... não existe o "risco zero".

3 comentários:

  1. Faltou-te o Shoya Tomizawa do Moto 2 que tb foi em directo, ou ainda o Dajiroh Kato que tb foi em directo o acidente.

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  2. É verdade, nem me lembrava. E escrevi sobre o Tomizawa na altura...

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  3. Concordo, o perigo sempre vai existir, mas hoje a coisa está muito mais segura.
    Kubica, por exemplo, já seria estatística após aquela panca em Montreal.

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