(...) Desde 1934 que Mercedes e Auto Union dominavam as competições europeias. A primeira, mais tradicional, tinha Alfred Neubauer como diretor desportivo, e pilotos como Rudolf Caracciola, Manfred von Brauchitsch, Louis Chiron e Richard Seaman como os seus expoentes mais fortes. Do lado da Auto Union, cujas máquinas eram desenhadas por Ferdinand Porsche, tinham ao longo dos anos sendo guiados por pilotos como Bernd Rosemeyer, Hans Stuck, Achille Varzi e Tazio Nuvolari. Em 1939, Rosemeyer e Seaman estavam mortos, enquanto que Achille Varzi estava afastado das lides depois de ter sido descoberta a sua adição pela morfina.
A temporada tinha sido interessante, pelo facto da Mercedes ter descoberto um excelente piloto, Hermann Lang, que guiava o modelo W154, estreado no GP de França de 1938, em Reims. Graças a ele, a Mercedes venceu três das quatro corridas oficiais, entre elas o GP da Alemanha, no circuito de Nurburgring. Contudo, nessa prova, o vencedor foi Rudolf Caracciola, enquanto que Lang tinha vencido em Spa-Francochamps e no circuito suiço de Bermgarten, que ocorrera a 20 de agosto.
(...) A corrida de Belgrado iria ser feita num circuito feito à volta do Parque Kalemegdan, na Fortaleza da cidade, com o alto patrocínio do rei Pedro I da Jugoslávia, que aos 16 anos, ainda era menor de idade, e no seu nome e em seu lugar, o seu tio, o principe Paulo, era o seu representante. Com 2790 metros de extensão, a corrida iria ter ao todo 50 voltas, no total de 139,5 quilómetros de extensão, num piso que não era totalmente apropriado, pois corria-se com piso em paralelepípedo, que fazia com que os carros escorregassem em piso molhado.
Cedo, a participação alemã ficou assegurada, com a Auto Union a ter quatro inscrições para Hans Stuck, Ulrich Bigalke, o italiano Tazio Nuvolari e o suiço Hermann Paul Muller; enquanto que a Mercedes tinha três carros para Von Brauchtisch, Lang e Valter Baumler. Contudo, a Auto Union iria trazer apenas dois carros para Belgrado, e dois dos seus pilotos não iriam correr. Para além disso, estavam inscritos dois Maserati 8CTF, para o alemão Paul Pietsch e para o italiano Luigi Villoresi, e dois Alfa Romeo 308, um deles para o francês Raymond Sommer. Para além disso, havia um piloto local, Bosko Millenkovic, que corria num Bugatti Tipo 51, com quatro anos de idade e naturalmente desfasado em relação aos carros alemães. (...)
(...) E dois dias antes da corrida, a 1 de setembro, a Alemanha invade a Polónia, no sentido de derrotar os exércitos polacos e ocupar o país. Imediatamente nesse dia, Grã-Bretanha e França decidem dar um ultimato de dois dias à Alemanha para que retirasse de território polaco, pois caso contrário, iria declarar guerra. O ultimato expiraria no domingo, 3 de setembro, pelo meio dia, horário do centro da Europa, onde horas em Londres. E era precisamente na hora da corrida, em Belgrado. (...)
(...) Quando despertaram, (...) os jornais locais faziam edições umas atrás das outras, com edições especiais sobre a invasão. Isso afligiu os organizadores, que tiveram de pedir às equipas alemãs para que ficassem, pois em caso de cancelamento, existiria um enorme prejuízo financeiro. Esse foi um dia de muito calor, com temperaturas acima dos 30 graus, e com a temperatura no chão perto dos 40 graus, dando dificuldades acrescidas aos pneus, devido ao seu desgaste. (...)
(...) O domingo amanheceu com a certeza de que a Alemanha não iria recuar face ao ultimato franco-britânico e que a guerra iria ser inevitável. Conta-se a lenda de que quando foi dada a noticia de que havia guerra, Von Brauchitsch (que era o sobrinho de um dos generais alemães de maior prestigio da Wermacht) entrou em pânico e exigiu a presença de um avião que o levasse para a Suiça. (...)
(...) A partida deu-se pela uma da tarde, com um tiro de canhão vindo da fortaleza. Lang partiu logo para a frente, desejoso de vencer a corrida sobre Von Brauchitsch. Nuvolari e Muller vieram a seguir, mas o sobrinho do general não estava devidamente concentrado na corrida e fazia as curvas de forma demasiado aberta, trazendo pedras e terra para a pista. Na quinta volta, uma dessas pedras atinge os óculos de Lang, estilhaçando-os e entrando num dos seus olhos. Magoado, encosta à boxe e é substituido por Walter Baumer. (...)
Faz hoje precisamente 75 anos que os Flechas de Prata se mostraram pela última vez perante o público. Em Belgrado, capital da então Jugoslávia, Auto Union e Mercedes mostravam a sua superioridade, ao mesmo tempo em que as tropas alemãs invadiam a Polónia e Grã-Bretanha e França faziam um ultimato que terminaria ao meio dia daquele dia 3 de setembro. Quando a partida fora dada, ambos os países declararam guerra à Alemanha, colocando a Europa de novo em guerra, 21 anos após o final das hostilidades.
Para Tazio Nuvolari, foi mais uma vitória a bordo das máquinas alemãs, mas era também o final de uma era no automobilismo, especialmente quando os carros foram confiscados pelo exército alemão para serem guardados em locais mais seguros. E é disso que falo este mês no site Nobres do Grid.
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