A noticia do regresso da Renault à Formula 1, após cinco anos de ausência, faz recordar que há quase 40 anos, também em dezembro de 1976, a marca fez a sua apresentação oficial à imprensa, antes de se dedicar a uma série de testes para se estrear condignamente em julho de 1977, com o RS01 Turbo, no GP da Grã-Bretanha, em Silverstone, com Jean-Pierre Jabouille ao volante.
As expectativas sobre mais este regresso são interessantes. Sabendo que o construtor, como fornecedor de motores, sempre foi dos melhores da sua história (recordemos os V10 aspirados que dominaram as pistas entre 1989 e 1997), já em termos de equipa completa, apesar das expectativas, fracassaram em termos de títulos, entre 1977 e 1985, apesar de terem dado inicio a uma era da Formula 1. Só em 2002, quando adquiriram a Benetton, é que conseguiram aquilo que faltava, graças a Fernando Alonso, numa equipa dirigida por Flávio Briatore. E depois de Alonso, ainda tiveram pilotos interessantes como Robert Kubica, Jarno Trulli, Giancarlo Fisichella ou até Jenson Button.
Lendo os arquivos da revista Motorsport, dei de caras com um artigo de junho de 1977 escrito pelo mítico jornalista Dennis Jenkinson, onde fala sobre as expectativas que existiam acerca desta aventura francesa num mundo que era dominado pelos britânicos, apesar de existirem equipas italianas, americanas, alemãs e uma brasileira.
Sob o título "Continental Notes" (onde é que já li isto...), eis alguns extratos sobre o que ele referia.
"O tão aguardado Renault de Fórmula 1 foi mostrado à imprensa no início do mês passado no "showroom" da Renault nos Champs Elysees em Paris, com Gerard Larrousse a introduzir todos os membros que estarão envolvidos no funcionamento do carro quando ele aparecer nos circuitos da Formula 1. O envolvimento da Renault francesa no desporto automóvel já se arrasta há um longo tempo, as suas actividades que vão desde a patrocinar um campeonato de turismos para as corridas de Endurance com um motor de 2-litros V6"
"Todas as várias actividades desportivas são originadas a partir da fábrica Renault-Gordini, uma subsidiária da Regie-Renault situada em Viry-Chatillon, ao sul de Paris. Nesta fábrica, que emprega 64 pessoas e contém um escritório de design, oficinas, bancos de ensaio e oficinas mecânicas, todos os motores Renault são ali preparados, seja para as corridas de pista, sejam para os ralis, e claro, são realizados os trabalhos de desenvolvimento dos motores turbo. Foi aqui que foi projetado o primeiro carro de Fórmula 1, um veículo de teste que está sendo testado desde o final do ano passado. Depois de testes privados (e muito secretos) nas pistas de ensaios da Michelin, em Clermont-Ferrand, este carro de teste apareceu em Jarama no final da primavera de 1976 e em seguida surgiram os rumores de que a Renault iria participar na Fórmula Um, mas nada tinha sido dito sobre quando isso aconteceria."
"A fazer estes testes estava Jean-Pierre Jabouille, que também estava correr não só num carro de Formula 2, como no carro Endurance turbo, numa estreita associação à companhia petrolífera Elf. Aliás, o novo carro de Formula 1 está sendo chamado de Renault-Elf."
Quase um ano após o protótipo ter sido visto pela primeira vez, a Renault mostrou todo o projeto e dizer que estão prontos para correr. Apresentado no passado dia 10 de maio, é o seu primeiro carro de corrida completo, RS/01, o RS para Renault-Sport, o departamento de competição da Renault. Sua construção foi iniciada em novembro passado e concluído dois dias antes de ser mostrado para a imprensa. Antes de participar em corridas, tem de passar por um programa de teste para cumprir, logo, Larrousse não se compromete sobre onde seria a sua estreia. Os franceses, naturalmente, esperam que seja no seu próprio Grande Prémio, em Dijon-Prenois, mas a lógica sugere que é mais provável que seja no GP da Grã-Bretanha, em Silverstone, pois é um circuito mais adequado para um motor turbo que Dijon. Aconteça o que acontecer, Jabouille será o piloto para o que as corridas de 1977, e se tudo correr bem eles vão correr com dois carros em 1978. Caso funcione bem, não faltarão pilotos para o segundo carro.
Pequeno parêntisis pós-histórico: a Renault só alargaria a sua equipa para dois carros na temporada de 1979, com a inclusão do francês René Arnoux.
A partir daqui, são os detalhes técnicos sobre o motor e sobretudo, os pneus Michelin, que iriam fazer a sua estreia na Formula 1 com os pneus radiais, numa altura em que na Formula 1 havia um monopólio da Goodyear, mas um monopólio sem imposição, apenas por causa do desinteresses de outros fornecedores para estarem na Formula 1. A última vez que houve concorrência tinha sido em 1974, com a Firestone, mas estes tinham ido embora, deixando as coisas tal como estavam.
A impressão geral do carro é que ele é muito pequeno e compacto, claramente projetado em torno de dois fatores principais: o motor V6 1.5 litros turbo e pneus radiais Michelin. Todo um grupo de pessoas foram envolvidas na concepção e criação do carro, com especialistas em motores, caixas de velocidades, chassis e suspensão, aerodinamistas, para não falar dos técnicos da Michelin, que têm trabalhado exclusivamente para a Renault.
O projeto inteiro tem estado sob o controle de Francois Castaing, um engenheiro de 31 anos de idade, diretor técnico da Renault-Gordini e que foi responsável, entre outras coisas, para o desenho inicial do Motor V6 Renault-Gordini. Os leitores mais velhos podem estar a recordar Amedée Gordini quando ele estava correndo a sua equipa na década de cinquenta, e poderão estar a perguntar como é o velho "Feiticeiro" se encaixa neste programa. A resposta é que ele não faz parte, para além de ser uma espécie de presidente de honra, pois a Renault absorveu a Gordini há muitos anos, quando eles começaram a interessar-se pela competição, e Amedée está aposentado há muitos anos (acabaria por morrer em maio de 1979, aos 79 anos), deixando seu nome nas atividades de competição da Renault como uma espécie de símbolo de respeitabilidade. Ele ainda aparece como espectador nas corridas de Fórmula 1 e sem dúvida vai querer saber como se comportará o novo Renault de corrida.
Depois de uma parte mais técnica, onde referia o motor, a caixa de velocidades e a colocação dos radiadores, Jenkinson refere que o carro foi bem desenhado e pensado, apesar de ser um carro desenhado e construído em França, numa altura em que quase todas as equipas construíam os seus carros da Grã-Bretanha (com as notáveis excepções da Ferrari e da Ligier, a outra equipa francesa que estava no pelotão)
Na parte final, Jenkinson falava de um problema importante: os pneus. A Michelin iria quebrar o monopólio dos Goodyear, e uma das coisas que existia era um "acordo de cavalheiros" entre as equipas em que impedia de usar os pneus de qualificação. Como nem Michelin, nem a Renault faziam parte desse acordo, nada os impedia de usar esses pneus, se quisessem marcar presença no pelotão desde a primeira corrida. E que poderia mexer no panorama da Formula 1 num futuro próximo, embora "Jenks" tenha errado no alvo. Ele esperava ver a Porsche a reagir e entrar na categoria máxima do automobilismo, mas o seu envolvimento só aconteceria em 1983... e depois de Mansour Ojjeh e a sua Techniques D'Avant Garde ter chegado a Weissach com uima mala cheia de dinheiro.
"Construir um carro é uma coisa, ganhar corridas é outra. Mas aconteça o que acontecer, este Renault de Fórmula 1, com o apoio e a responsabilidade da Regie-Renault, deve ser interessante para a cena global da Fórmula 1. De particular interesse é a questão dos pneus, pois a Michelin está empenhado neste projeto. No momento, a Goodyear tem um monopólio na Fórmula 1 e eles ditam o tipo de pneu que todo mundo vai usar para cada corrida, e ninguém está autorizado a usar pneus especiais "de curta duração" para a qualificação. Este é um acordo "de cavalheiros" não oficial entre os membros da Associação de Construtores, mas a Renault não está na F1CA e se Michelin produzir alguns desses pneus para Jabouille para usar nos treinos, ninguém os pode deter.
Prevejo que esse "acordo de cavalheiros" seja quebrado. Há uma ou duas outras manipulações "cuidadosamente dispostas" dentro do "circo" da Formula 1, que também pode ter um pouco de um choque quando a Renault entrar nas corridas, o que não vai ser uma coisa má para o desporto em geral, e quem sabe, todas aquelas pessoas em Weissach, no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Porsche, que estão olhando em direção a Munique com "palas nos olhos", pode ter de virar ao contrário...
Em jeito de conclusão histórica, a Renault arrancou como previsto em Silverstone, mas demorou ano e meio para conseguir resultados. As constantes quebras do motor fizeram com que os carros tivessem o duvidoso nome de "chaleira amarela". Mas dali a exatamente dois anos, a 1 de julho de 1979, em Dijon-Prenois, Jean-Pierre Jabouille iria dar à marca a sua primeira vitória, num carro cem por cento francês: chassis, pneus, motor e gasolina. E a Michelin, nessa altura, já estava a fornecer pneus à Ferrari...
"A fazer estes testes estava Jean-Pierre Jabouille, que também estava correr não só num carro de Formula 2, como no carro Endurance turbo, numa estreita associação à companhia petrolífera Elf. Aliás, o novo carro de Formula 1 está sendo chamado de Renault-Elf."
Quase um ano após o protótipo ter sido visto pela primeira vez, a Renault mostrou todo o projeto e dizer que estão prontos para correr. Apresentado no passado dia 10 de maio, é o seu primeiro carro de corrida completo, RS/01, o RS para Renault-Sport, o departamento de competição da Renault. Sua construção foi iniciada em novembro passado e concluído dois dias antes de ser mostrado para a imprensa. Antes de participar em corridas, tem de passar por um programa de teste para cumprir, logo, Larrousse não se compromete sobre onde seria a sua estreia. Os franceses, naturalmente, esperam que seja no seu próprio Grande Prémio, em Dijon-Prenois, mas a lógica sugere que é mais provável que seja no GP da Grã-Bretanha, em Silverstone, pois é um circuito mais adequado para um motor turbo que Dijon. Aconteça o que acontecer, Jabouille será o piloto para o que as corridas de 1977, e se tudo correr bem eles vão correr com dois carros em 1978. Caso funcione bem, não faltarão pilotos para o segundo carro.
Pequeno parêntisis pós-histórico: a Renault só alargaria a sua equipa para dois carros na temporada de 1979, com a inclusão do francês René Arnoux.
A partir daqui, são os detalhes técnicos sobre o motor e sobretudo, os pneus Michelin, que iriam fazer a sua estreia na Formula 1 com os pneus radiais, numa altura em que na Formula 1 havia um monopólio da Goodyear, mas um monopólio sem imposição, apenas por causa do desinteresses de outros fornecedores para estarem na Formula 1. A última vez que houve concorrência tinha sido em 1974, com a Firestone, mas estes tinham ido embora, deixando as coisas tal como estavam.
A impressão geral do carro é que ele é muito pequeno e compacto, claramente projetado em torno de dois fatores principais: o motor V6 1.5 litros turbo e pneus radiais Michelin. Todo um grupo de pessoas foram envolvidas na concepção e criação do carro, com especialistas em motores, caixas de velocidades, chassis e suspensão, aerodinamistas, para não falar dos técnicos da Michelin, que têm trabalhado exclusivamente para a Renault.
O projeto inteiro tem estado sob o controle de Francois Castaing, um engenheiro de 31 anos de idade, diretor técnico da Renault-Gordini e que foi responsável, entre outras coisas, para o desenho inicial do Motor V6 Renault-Gordini. Os leitores mais velhos podem estar a recordar Amedée Gordini quando ele estava correndo a sua equipa na década de cinquenta, e poderão estar a perguntar como é o velho "Feiticeiro" se encaixa neste programa. A resposta é que ele não faz parte, para além de ser uma espécie de presidente de honra, pois a Renault absorveu a Gordini há muitos anos, quando eles começaram a interessar-se pela competição, e Amedée está aposentado há muitos anos (acabaria por morrer em maio de 1979, aos 79 anos), deixando seu nome nas atividades de competição da Renault como uma espécie de símbolo de respeitabilidade. Ele ainda aparece como espectador nas corridas de Fórmula 1 e sem dúvida vai querer saber como se comportará o novo Renault de corrida.
Depois de uma parte mais técnica, onde referia o motor, a caixa de velocidades e a colocação dos radiadores, Jenkinson refere que o carro foi bem desenhado e pensado, apesar de ser um carro desenhado e construído em França, numa altura em que quase todas as equipas construíam os seus carros da Grã-Bretanha (com as notáveis excepções da Ferrari e da Ligier, a outra equipa francesa que estava no pelotão)
Na parte final, Jenkinson falava de um problema importante: os pneus. A Michelin iria quebrar o monopólio dos Goodyear, e uma das coisas que existia era um "acordo de cavalheiros" entre as equipas em que impedia de usar os pneus de qualificação. Como nem Michelin, nem a Renault faziam parte desse acordo, nada os impedia de usar esses pneus, se quisessem marcar presença no pelotão desde a primeira corrida. E que poderia mexer no panorama da Formula 1 num futuro próximo, embora "Jenks" tenha errado no alvo. Ele esperava ver a Porsche a reagir e entrar na categoria máxima do automobilismo, mas o seu envolvimento só aconteceria em 1983... e depois de Mansour Ojjeh e a sua Techniques D'Avant Garde ter chegado a Weissach com uima mala cheia de dinheiro.
"Construir um carro é uma coisa, ganhar corridas é outra. Mas aconteça o que acontecer, este Renault de Fórmula 1, com o apoio e a responsabilidade da Regie-Renault, deve ser interessante para a cena global da Fórmula 1. De particular interesse é a questão dos pneus, pois a Michelin está empenhado neste projeto. No momento, a Goodyear tem um monopólio na Fórmula 1 e eles ditam o tipo de pneu que todo mundo vai usar para cada corrida, e ninguém está autorizado a usar pneus especiais "de curta duração" para a qualificação. Este é um acordo "de cavalheiros" não oficial entre os membros da Associação de Construtores, mas a Renault não está na F1CA e se Michelin produzir alguns desses pneus para Jabouille para usar nos treinos, ninguém os pode deter.
Prevejo que esse "acordo de cavalheiros" seja quebrado. Há uma ou duas outras manipulações "cuidadosamente dispostas" dentro do "circo" da Formula 1, que também pode ter um pouco de um choque quando a Renault entrar nas corridas, o que não vai ser uma coisa má para o desporto em geral, e quem sabe, todas aquelas pessoas em Weissach, no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Porsche, que estão olhando em direção a Munique com "palas nos olhos", pode ter de virar ao contrário...
Em jeito de conclusão histórica, a Renault arrancou como previsto em Silverstone, mas demorou ano e meio para conseguir resultados. As constantes quebras do motor fizeram com que os carros tivessem o duvidoso nome de "chaleira amarela". Mas dali a exatamente dois anos, a 1 de julho de 1979, em Dijon-Prenois, Jean-Pierre Jabouille iria dar à marca a sua primeira vitória, num carro cem por cento francês: chassis, pneus, motor e gasolina. E a Michelin, nessa altura, já estava a fornecer pneus à Ferrari...
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