Para quem não sabe muito de finanças, ou como eram as coisas antes do referendo da passada quinta-feira, direi que o Reino Unido tinha todos os benefícios da União Europeia, sem se aplicar muito. Aliás, sempre foi esse seu objetivo: não passar mais do que uma aliança de comércio livre, com a soberania intocada e um controlo de fronteiras. No país onde nasceu a economia moderna, graças a Adam Smith, tinham a libra e não estavam no espaço Schengen, que permitia que todos circulem sem mostrar passaportes ou peçam autorização de residência para trabalhar ou montar o seu próprio negócio.
E isso tudo tinha os seus benefícios: a libra estava forte, o que permitia ter altos salários e os ingleses podiam viajar sem grandes problemas para os seus destinos de férias favoritos, como o sul de Espanha, o sul de Portugal, o sul de França, a Grécia ou o Chipre, e trocando libras por euros, poderiam gastar mais e melhor. Isto era assim... até ontem. No momento em que se soube do "brexit", a libra perdeu imenso valor, caindo para níveis de 1985. E ainda poderemos não ter visto tudo, pois na segunda-feira (e nos dias seguintes) a moeda inglesa poderá cair ainda mais.
Claro, há benefícios. Com a libra bem barata, exportar para outros países vai sair mais barato, os custos do emprego serão bem mais baratos, mas os ingleses não sairão tanto para passar férias em outros países. Em vez de apanhar sol em Portimão, Ibiza ou Paphos, vão apanhar sol em Blackpool ou Brighton, e haverá menos aviões da EasyJet ou Ryanair a cruzar nos céus da Europa, causando despedimentos no setor e perda de encomendas.
Mas há uma pessoa que ri alegremente a caminho do banco: Bernie Ecclestone. Nas 24 horas que se seguiram ao "Brexit", o anão tenebroso ganhou cerca de 180 milhões de dólares com a desvalorização da moeda. É que antes, a diferença libra-dólar era de cerca de 1.5, agora caiu para 1.32, e isso beneficiará os pagamentos em dólares, especialmente aqueles provenientes dos promotores que pagam a Bernie para ter a Formula 1. E pelos números das finanças da Formula 1, que no final de 2014 resultaram em cerca de 1,8 mil milhões de dólares, parece estar muito feliz com a desvalorização da libra.
Quem também vai ganhar imenso vão ser as equipas, principalmente as que tem sede na Grã-Bretanha. Pagas em dólares pela FOM, mas com os salários em libras para os seus funcionários, poderão ver os seus orçamentos um pouco mais folgados com esta desvalorização, pelo menos por agora.
Contudo, apesar das boas noticias para Ecclestone e os seus apaniguados, poderão ser dos poucos beneficiados com este resultado. Joe Saward comentava hoje no seu blog o seguinte:
(...) Em parte, estou certo, o voto [no Brexit] foi também por causa da tendência em muitos países de rejeitar as classes políticas de hoje, nomeadamente nos EUA, onde em breve poderá eleger uma estrela de "reality show" [Donald Trump], sem experiência política e algumas ideias verdadeiramente assustadoras. A mensagem é que os políticos estão fora de sintonia com o homem comum e, portanto, as pessoas voltaram-se para soluções mais extremas. Os britânicos pró-Brexit parecem ter aglomerados todos esses sentimentos e ao votar, contra todos os conselhos, para sair da Europa, tinham a atitude que "vamos resolver o problema depois, como sempre fizemos".
Esse é o pano de fundo para Brexit, então o que isso significa para a Europa e, mais especificamente, para a indústria do desporto motorizado? A resposta simples é que não se faz qualquer ideia. O país saltou do avião e está apenas começando a perceber que a "Union Jack" por si mesma não pode deter a queda. É um fato interessante que uma das maiores pesquisas do Google no Reino Unido desde a votação ocorreu foi "O que é a UE?" Recriminações já começaram, com um político conservador acusando Boris Johnson de sacrificar um milhão de postos de trabalho a fim de obter as suas ambições politicas. Esperemos que isso seja um exagero" (...)
"A indústria automóvel do Reino Unido constrói cerca de 1,59 milhões de carros por ano e dá emprego a cerca de 800 mil pessoas. É a maior indústria na Grã-Bretanha. O "Brexit" representa uma enorme ameaça para o investimento estrangeiro no Reino Unido. Empresas como a Toyota, Nissan, Honda e Tata escolheram o Reino Unido, mas com o país a sair da UE, isto poderá criar dificuldades para essas empresas o que poderá levá-los a sair. Mesmo antes da decisão Brexit, Grã-Bretanha não era necessariamente a primeira escolha para a Jaguar Land Rover, que decidiu abrir uma nova fábrica na Eslováquia. Claro, o mesmo conceito é verdadeiro em França, onde o sistema torna indesejável para as empresas de automóveis a nível mundial a ter fábricas até mesmo a Renault e Peugeot, que são francesas, têm vindo a abrir novas fábricas em lugares como a Roménia, Marrocos, Irão e China.
A maioria das empresas de automóveis no Reino Unido, disseram antes da votação que preferem o voto para manter a Grã-Bretanha dentro da UE. Eles vão agora analisar suas estratégias e operações, agora que as decisões foram tomadas. É a mesma coisa vai ser feita no setor financeiro e nos serviços em geral. As empresas podem sair dali se acharem que a Grã-Bretanha não dá aquilo que eles querem" (...)
Em suma, Saward acha que nesta "salto no escuro", os britânicos verão a sua economia entrar numa espiral de desinvestimento, fuga e recessão nos próximos dois anos. Poucos escaparão, e mesmo o setor automóvel poderão ver se vale a pena ter fábricas num Reino Unido que poderá desintegrar-se rapidamente, caso, por exemplo, a Escócia conseguir um referendo em 2018. Em suma, os britânicos começam a ter a consciência das consequências de uma votação contrária ao "establishment" e como no cartoon, não vai ser a bandeira que os vai salvar.
Mesmo que os anti-Europa gritem que isto é o principio do fim, a lógica parece dizer que, a acontecer algum fim, será a do Reino Unido. Os tempos do Império acabaram - só tem algumas rochas espalhadas pelo mundo - o petróleo está em águas escocesas, e o comércio não gosta de qualquer tipo de obstáculo, mesmo que a libra, um dia, valha tanto quanto o real brasileiro ou o rand sul-africano. Em suma, queriam ver o circo pegar fogo, mas agora estão no meio da multidão, a tenda está prestes a cair e não planearam a fuga dali.
Mas isto tudo está no inicio. Mesmo Bernie Ecclestone poderá não esfregar as mãos de contente por muito tempo...
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