Quase uma semana após o desaparecimento de John Surtees, dei de caras com o momento em que ele começou a passar das duas para as quatro rodas. A coisa interessante sobre o próprio "Big John" é que em 1960, quando essa transição aconteceu, ele não tinha qualquer intenção de se meter nas quatro rodas. No final, foi um misto de aborrecimento, escape de um contrato que lhe era desfavorável e oportunidade.
Tudo começou em 1959, quando Surtees estava no auge da sua carreira nas motos. Vencia tudo nas classes de 350 e 500cc, graças às máquinas italianas da MV Agusta. O conde Agusta estava feliz por saber que tinha o melhor piloto do pelotão, mas surtees estava aborrecido. Queria ter maior liberdade no seu contrato, especialmente para correr noutras máquinas, entre os Grandes prémios de motociclismo. Agusta recusou, e depois de pensar um bocado, recordou uma conversa que tinha tido algum tempo antes com Mike Hawthorn: de que deveria tentar os automóveis, não só porque tinham mais duas rodas que as motos, mas também "porque não cais tão facilmente", citando o primeiro campeão inglês de Formula 1.
Como nada havia no seu contrato que impedisse de correr em quatro rodas, Surtees tentou a sua sorte num Aston Martin de Le Mans. Esse teste aconteceu em Goodwood e ele andou bem. Tão bem que... superou os tempos feitos por Stirling Moss no mesmo carro. Os resultados do teste chegaram aos ouvidos de Tony Vanderwell, dono da Vanwall, que ficou fascinado com o que Surtees tinha feito, e telefonou-lhe, oferecendo um dos exemplares do carro de 1958.
Surtees contou esse episódio anos depois, à Motorsport: "Ele disse, 'o que diabos você estava a fazer dirigindo essa coisa? Por que você não me disse que queria experimentar um carro?' Ele me disse para estar em Goodwood no dia seguinte, onde havia um Vanwall de Formula 1 à minha espera."
Dito e feito: com o Vanwall à sua espera, Surtees saltou para o carro e fez tempos melhores do que Tony Brooks e Stirling Moss. Vencidas as reticências, Surtees alinhou na sua primeira corrida, uma prova de Formula Junior em Goodwood, no inicio de 1960. O seu maior rival na grelha? Um tímido escocês chamado... Jim Clark, que alinhava num Lotus. Surtees estava num Cooper-BMC inscrito por um madeireiro chamado Ken Tyrrell.
A corrida foi um duelo entre Clark (que estava a fazer a sua segunda corrida em monolugares!) e Surtees, que tinha feito a pole-position. Tudo acabou quando ele bateu contra um concorrente que iria dobrar. Mas a experiência - e a maneira como duelou com o escocês - foi mais do que suficiente para que corresse na Formula 1 logo nesse ano, no GP do Mónaco. A bordo de um Lotus 18, que tinha como companheiro de equipa... Clark.
A corrida nas ruas monegascas não teve o inicio que queria, desistindo ao fim de 17 voltas, mas em Silverstone, conseguiu o seu primeiro pódio, um segundo lugar. E na Boavista, conseguiu ainda mais: uma pole-position, a primeira de sempre da equipa de Colin Chapman. Liderou a corrida sem problemas até à volta 37, quando uma fuga de óleo o fez escorregar o seu pé do pedal do travão e causou uma batida contra os fardos de palha. Mas tinha convencido Chapman ao ponto de ele poder escolher o seu companheiro de equipa. Ele quis Clark, mas sentiu pena por Innes Ireland, com quem tinha uma boa relação de amizade, e decidiu ele mesmo sair da Lotus.
Mas ele já tinha feito a decisão de ir para as quatro rodas, retirando-se das duas no auge, com ambos os títulos de 350 e 500cc no bolso.
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