terça-feira, 25 de julho de 2017

"Carmagedão" (segunda e última parte)

(continuação do capitulo anterior)


Ter carros elétricos vai mudar imenso a paisagem. À medida que serão crescentemente mais baratos, mais disponíveis, com melhores redes de abastecimento e maior autonomia, a paisagem mudará. Acabarão os postos de gasolina, provavelmente reconvertidos em postos de carregamento de carros elétricos de toda a espécie. Esse tipo de automóveis, sem motor e todas as partes que precisa um carro a combustão, irão reduzir em 80 por cento a necessidade de um mecânico. Só se for para comprar pneus, trocar de luzes e de travões... e pouco mais. Todas as operações de mudança de motor acabarão por desaparecer, e provavelmente 75 por cento das oficinas desaparecerão, ou então apenas servirão para reparar carros clássicos, uma minoria desses carros a combustão que circularão em encontros de automóveis, para matar a saudade dos nostálgicos.

E a complementaridade desses carros elétricos com a autonomia poderá fazer diminuir os acidentes na estrada e em consequência, as vitimas mortais - bem como o preço do seguro automóvel. Que há muitos anos a esta parte, as mortes na estrada tem vindo a diminuir, é um facto. A robustez e a segurança dos automóveis ajudou muito, bem como a mudança de mentalidades em relação a certos gestos ao volante (o cinto de segurança é um deles, bem como o alcool). Contudo, com a autonomia dos automóveis para evitar certos acidentes poderá fazê-los diminuir até 80 por cento. Imaginem um ano em que chegamos a ter apenas 25 mortos nas estradas portuguesas, em vez dos 400 de agora? Pode acontecer. Se acham que é utopia, lembrem-se que em 1975 foram registadas 2100 mortes nas estradas portuguesas...

Mais uns extratos do artigo:

"Dentro de alguns anos, os veículos elétricos serão mais baratos, mais duráveis ​​e mais fiáveis ​​do que os carros a gasolina, a autonomia será boa o suficiente para que você não precise mais de motoristas humanos e todos poderão pedir um carro no telefone (ou seus óculos de Alexa ativados por voz). O custo de uma viagem de carro tornar-se á mais barato do que fazer um café, o que significa que será acessível a todos. Em pouco tempo, veremos uma deserção em massa para à mobilidade como um serviço.

Este é o verdadeiro objetivo: não precisamos de esperar muito para que as pessoas se livrem de seus carros antigos. Uma manhã, eles se sentarão e farão seu orçamento mensal, e percebem que é mais sensato ter um veículo autônomo e elétrico. Dada a escolha, as pessoas selecionarão a opção mais barata. E essa opção não incluirá a propriedade. O veículo de combustão não vai desaparecer gradualmente, ao longo de algumas décadas - desaparecerá no espaço de alguns anos. Estamos falando sobre o tipo de ruptura na mobilidade urbana que não vimos em mais de um século, e que pode acontecer em uma escala de tempo que pode ser medida em meses".

Pessoalmente, já me convenci há algum tempo de que estamos a um carro de termos o primeiro elétrico que funcione tão bem como um carro a combustão. Dou um exemplo pessoal: no ano passado, o meu pai e o meu irmão compraram carros. Ambos eram a Diesel, que neste momento é mais barato do que ter um carro a gasolina. Este ano, tenho um amigo meu que comprou um carro a gasolina, apenas por vaidade pessoal: desejava ter um "pussy magnet". O grande problema é que, se no caso do meu pai e do meu irmão, sei que são opções económicas (mas poluidoras), no caso desse meu amigo, a vaidade pessoal tem resultados mais do que duvidosos. E provavelmente deverá ele ser o primeiro a livrar-se do seu carro, perdendo bem mais dinheiro do que gastou agora.

E quando os três mudarem de carro, é altamente provável que os três (ou pelo menos um deles) terá um carro eletrico como seu "daily driver". E essa viatura será mais autónoma do que é agora. Pensem nisto: no dia em que teremos um carro com uma automomia tão boa como os de a gasolina, será o dia em que estes desaparecerão, ou serão convertidos. Sim, vão aparecer - já apareceram - companhias e firmas privadas onde o carro a gasolina será convertido para um carro elétrico, com uma autonomia relativamente pequena, mas que no final do mês, custarão uma fração do que se gasta em petróleo vindo de países distantes, com regimes politicos altamente duvidosos.

E agora, vamos a esse tópico: a nossa busca por petróleo desaparecerá? Não. A extração e refinação de petróleo não é só usado para a gasolina. Precisa-se dele para asfaltar estradas e fazer plástico, entre outros. Mas tirando (ou diminuindo bastante) a fatia destinada à gasolina automóvel, não haverá tanta necessidade de andar à procura de lugares onde os "derricks" furarão a terra para extrair o "ouro negro". Os países produtores terão imensa dificuldade em arranjar compradores para o seu petróleo e a cartelização deixará de ser eficaz, fazendo com que o seu preço diminua nos mercados. A ideia dos preços altos do barril de crude, como aconteceu na década passada (até 2014) poderá não mais voltar, e esses países produtores poderão ter visto para sempre desaparecer um fonte de receitas no qual eles confiavam. E como vemos hoje em dia na Venezuela, por exemplo, uma economia petro-dependente pode colapsar, se o preço estiver sempre em baixo.

Mas há outras coisas dos quais não consigo ser tão otimista quanto o autor do artigo. A ideia de carros autómomos, onde possamos chamar um carro autónomo pelo "smartphone" e fazer um percurso entre um ponto A a um ponto B vai ter muitos obstáculos pela frente. E há dois grandes à vista: os "lobbys" e a legislação.

A ideia de um Porto-Lisboa poder custar o equivalente a um café e ser guiado por um carro sem condutor pode ser uma excelente ideia, mas isso implicaria o fim da profissão de taxista, algo do qual os próprios taxistas... estão contra. Vimos o que andaram a fazer em relação a plataformas como a Uber e a Cabify, onde exigem que sejam proíbidos, pois desregulariam a profissão. A ideia de ter um condutor normal (como eu e você) a fazer os serviços de um taxista é visto por eles como concorrência desleal, pois eles, para serem taxistas, têm de fazer varias coisas (instalar dispositivos de segurança nos seus taxis, ter uma licença especial, que custa dinheiro) e ver que essa gente não precisa disso tudo para poderem exercer a sua profissão é uma ofensa.

Agora, se aparecer uma plataforma de carros autónomos, que façam "car-sharing" do ponto A ao ponto B, e que faça com que dispense o motorista... acham que as associações, os sindicatos dos taxistas, irão ficar quietos a assistir a tudo isto? Não creio.

E depois, temos o vazio legal. Que leis é que devem regular este tipo de serviços? É certo que isto tudo será um anarquia, nos primeiros tempos. E com a anarquia deste "mundo novo" aparecerão os abusos, e as queixas. Os governos têm tendência para reagir, e nunca agir. Não aparecerão nada que legisle este setor, sobre o funcionamento dos carros autónomos, o seu alcance, as firmas de aluguer, os impostos do qual o governo terá de aplicar sobre este setor. É que, se os portugueses deixarem de comprar automóveis, diminuem as receitas fiscais resultantes do imposto automóvel. E com isso, deixam de consumir gasolina, que também diminui as receitas indiretas no preço do combustível. É certo que o imposto de circulação continuará, mas a única solução para minorar as perdas de receita será, talvez, aumentar o preço da electricidade, de forma a aproveitar o seu inevitável aumento do consumo.

De uma certa maneira, este "carmagedão" (ou "autocalipse") vai acontecer. E apresenta muitos desafios dos quais todos terão de encontrar uma solução. Claro, o ambiente sai a ganhar, a segurança sai a ganhar, mas os bolsos do Estado terão de arranjar maneira de colmatar o que vão perder.

https://medium.com/future-crunch/carmageddon-is-coming-899c0f05a2a

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