Hoje em dia, a "Cannonball Run" ou a "Gumball 3000" é uma corrida quase sem regras, feitas por jovem viciados em velocidade, que tentam chegar de um ponto A a um ponto B (quase) sem regras, em carros muito potentes. Contudo, em 1971, quando surgiu, foi para protestar. Um protesto contra os limites de velocidade na estrada.
E porque falo disto? Ora, porque o nosso homenageado desta semana esteve envolvido: Dan Gurney, falecido este domingo aos 86 anos de idade, na sua casa de Newport Beach, na California.
Em 1971, Gurney tem 40 anos, e já tinha pendurado o capacete, começando a tratar da sua All American Racers, e tinha como piloto Swede Savage, que era dos mais promissores nos circuotos americanos, especialmente na USAC. Por essa altura, cruzou-se com Brock Yates, jornalista da Car & Driver, que fazia uma campanha contra uma lei que queria impor limites nas auto-estradas de 55 milhas por hora, quase 100 km/hora. Num dos seus artigos, Yates acreditava que “bons motoristas em bons automóveis poderiam empregar o sistema de rodovias interestaduais (as Interstates) dos Estados Unidos da mesma forma que os alemães usam suas Autobahnen”, e que “viagens de carro em alta velocidade em segurança são possíveis”.
Yates achou que uma corrida costa a costa, sem roteiro (e sem limites de velocidade) seria o ideal. Houve algumas dezenas de inscrições, mas muitos deles foram canceladas, e no final, apenas sete permaneceram. Yates participou num Ferrari 365 Daytona azul, com Gurney como co-piloto. Nem era o carro que iria usar: tinha sido inscrito inicialmente pelo ator Robert Redford, e o carro tinha sido providenciado por Kirk White, dono de uma concessionária de carros de luxo na California.
Yates batizou-a de "Cannonball Run" em homenagem a Erwin “Cannonball” Baker (1882-1960) piloto de motos e automóveis que em 1933, atravessou de costa a costa num Graham-Paige Model 57 em 53 horas e meia, um recorde que se manteve por quatro décadas.
Curiosamente, Gurney nem era a primeira escolha: Yates pediu a Phil Hill que participasse, mas ele não aceitou. E ele chegou a desistir da participação, voltando com a palavra atrás nas vésperas da corrida, graças ao seu sogro, que estava a morrer e lhe pediu para participar, como uma espécie de último desejo.
Dos sete participantes, o mais temido era um tripla de pilotos representando "Os Pilotos Polacos da América", que guiavam uma carrinha Chevrolet Sportvan. Eles eram Oscar Kovaleski, Brad Niemcek e Tony Adamowicz, e iam numa carrinha com um depósito extra de 1139 litros e uma caixa de velocidades construida para provas como... as 24 Horas de Le Mans.
A corrida começou a 15 de novembro de 1971, e no final, Gurney e Yates demoraram 35 horas e 54 minutos a fazer o percurso, a uma média de 130 km/h. E pelo caminho, tiveram uma multa de 90 dólares por andarem a 217 km/hora num sitio onde o limite era de 70 milhas por hora (112 km/hora). O segundo classificado, a carrinha polaco-americana, chegou 53 minutos depois... e não foi parada pela policia. Mas o recorde de "Cannonball" foi batido.
No final, chamaram a atenção das pessoas, mas a lei passou e continua em vigor. Yates organizou mais quatro "Cannonball Runs" e escreveu o argumento para o filme de Hollywood, feito por Hal Needham e protagonizado por Burt Raynolds, uma das comédias mais lucrativas dos anos 80, com uma parada de estrelas, desde Dean Martin até Frank Sinatra.
Yates, que depois escreveu um livro sobre Enzo Ferrari que Michael Mann o vai adaptar para filme este ano, e um rebelde por natureza, morreu em 2016, aos 82 anos de idade, devido a complicações decorrentes da doença de Alzheimer.
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