Estamos na semana pascal, e Portugal, este pacífico país à beira-mar plantado, está com a respiração suspensa. A razão é simples: os motoristas das matérias perigosas decidiram na segunda-feira iniciar uma greve por tempo indeterminado para reivindicar melhores condições de trabalho, desde aumentos salariais até seguros para proteger os motoristas de... azares. Como são eles que guiam os camiões-cisterna para abastecer... tudo - depósitos de gasolina, mas também os aeroportos, os hospitais, os bombeiros - em três dias, o país ficou à mercê deles. E como é a semana da Páscoa, as pessoas entraram em pânico e entupiram os postos de abastecimento para encher os depósitos, fazendo com que em muitos deles se colocasse o aviso de "ESGOTADO".
Em suma, no terceiro dia de greve, já estamos a roçar o equivalente ao "apocalipse zumbi". Admirado? Não, era de esperar. E o governo já accionou a requisição civil - por agora só em Lisboa e Porto, mas em breve deve ser no interior do país - mas por agora não passam de paliativos. É claro, muitos abasteceram agora para ter gasolina para "ir à terra" nestes dias pascais, mas se o assunto não estiver resolvido na segunda-feira, a agonia será maior.
E esta é daquelas greves que apanha toda a gente com as calças na mão. É das poucas no qual todos são afetados. São tocados por muitas coisas. A primeira é porque 90 por cento dos carros que circulam são a gasolina ou Diesel. Há alguns a gás de petróleo liquefeito e outros elétricos, mas nem chegam a dez por cento. Claro, essa gente anda por estes dias na rua com um sorriso nos lábios, vendo a aflição dos outros, porque não precisam de ir aos postos de reabastecimento, podem fazê-lo em casa. E também sei que, provavelmente, pode ser uma das últimas greves onde eles poderão ter impacto porque... se daqui a dez anos, tivermos algo parecido com a Noruega, para quê reabastecer?
Mas isso é futuro condicional. Estamos agora, esta situação embaraçosa.
O que pretendem? As coisas do costume: melhores salários, melhores condições de trabalho. Contudo, aparentemente, eles tinham alguns privilégios, um deles era ter um terço do salário livre de impostos. Pelo menos foi o que entendi ontem, num debate que ouvi num dos canais de televisão da nossa praça. O outro lado nega, dizia que recebem cerca de 700 euros, o que é pouco mais que o salário mínimo, e acho que isso é pouco mais que escravatura. Salários dignos, numa profissão de risco, é o que merecem. Mas claro, não são trabalhadores do estado. Isso tem de ser combinado com as gasolineiras e as empresas de transportes. No final, o que desejam é ter subsídios, condições especiais. Não é viver como nababos, mas sim um trabalho digno. E nesse campo, eu concordo.
Em qualquer greve, todos têm de ceder, para haver paz social. Melhores salários e melhores condições, é o que devem ter, e o outro lado têm de aceitar, porque há consequências. Mas também não convêm haver abusos, caso contrário, desaparece a simpatia que as pessoas possam ter pelos grevistas, mesmo que essa simpatia sirva para outros meios politicos - derrube do atual governo e respectivas eleições antecipadas, etc.
Ao fim e ao cabo, a minha reflexão é mais abrangente. Vivo numa cidade que não é grande, é verdade. Não é bem abastecida de transportes públicos, mas têm, e eu começo a ter mais simpatias pelo carro elétrico do que pelo Diesel ou gasolina. As razões são simples: vejo mais vantagens que desvantagens. Mas isso sou eu. Outras pessoas, noutros lugares, noutras situações, não tem aquilo que tenho. Ir a pé até casa é um bom exercício, evita o sedentarismo, por exemplo. Eu posso fazer isso sem problemas. Mas nem toda a gente pode. E já tive carro. Vendi-o, adaptei-me e sinto-me bem. E até gosto de andar de transportes públicos. Estamos demasiado dependentes de carros, se queremos pensar as coisas desta forma.
Enfim, esta situação será resolvida em breve. Não sei quem vencerá este braço de ferro, mas haverá um acordo, os piquetes serão levantados e os postos de abastecimento voltarão a ter gasolina e Diesel. Mas sei que depois disto, muitos provavelmente repensarão a ideia de serem de novo apanhados numa greve e perderem tempo em filas para abastecer...
Um artigo de 2008:
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