"Dez horas da manhã de domingo nas colinas da Carolina do Norte. Carros, quilómetros de carros, em todas as direcções, milhões de carros, carros pastel, verde água, azul marinho, azul marinho, bege, dourado, amanhecer, crepúsculo, azul marinho, azul marinho, azul marinho, azul marinho, azul marinho, malacca, malaca Carros cor de cereja, coral Nude Strand, laranja Honest Thrill e carros creme Baby Fawn Lust estão indo para as corridas de stockcar, e aquele velho sol da Carolina do Norte continua explodindo nos pára-brisas. Deus Santo!
Dezessete mil pessoas, incluindo eu, todos nós, dirigindo pela Estrada 421, indo para as corridas de carros no North Wilkesboro Speedway, 17.000 indo para uma pista oval de 0,8 milhas com uma placa da Coca-Cola na frente. Isso não quer dizer que não haja pregação e gritos no sul nesta manhã. Há pregação e gritos. Qualquer um de nós pode ligar o velho auto-rádio do seu automóvel e conseguir tudo o que deseja:
'Eles são cães gananciosos. Sim! Eles andam em carros grandes. Unnh-hunh! E perseguir mulheres. sim! E beber álcool. Unnh-hunh! E fumar charutos. Ai sim! E eles são cães gananciosos. sim! Unh-hunh! Ai sim! Amém!'
Há também alguns comerciais no rádio para os grãos de tia Jemima, que custam dez centavos de dólar. Há também as Harmonetas do Evangelho, cantando: "Se você cavar uma vala, é melhor você cavar duas ....'"
Há uns meses, a sugestão do João Carlos Costa, andei a ler o artigo da Esquire sobre Junior Johnson, um dos pilotos da primeira era da NASCAR. O artigo, escrito em 1965 por Tom Wolfe, é um ensaio sobre uma coisa nova chamada "New Journalism", onde se misturava objectividade com pitadas de humor, considerações pessoais, e no caso deste artigo em si, algumas onomatopeias. E o título ficaria na história do século XX: "O Último Herói Americano".
A ideia do último herói americano tinha a ver com as suas origens, e as origens da NASCAR. Johnson, nascido Roger Glenn Johnson, nascido a 24 de junho de 1931 e falecido esta sexta-feira aos 88 anos de idade, era alguém que, vindo do povo, se tornou no seu herói. Só que Johnson e as pessoas que moldaram a NASCAR não eram operários ou agricultores que, de sol a sol, trabalhavam em plantações de algodão nas Carolinas, orgulhosos da sua "Dixie flag". Eram contrabandistas de álcool. Sim: a NASCAR surgiu por causa do "bootleging", resquícios da Lei Seca.
Em 1919, há precisamente cem anos, entrava em vigor a Volstead Act, que proibia a comercialização e consumo de álcool por todo o país. Deveria fazer dos Estados Unidos o primeiro país do mundo a proibir a bebida, mas o que aconteceu foi que imensa gente decidiu dedicar-se ao contrabando. Foram 12 anos assim até à sua revogação, mas em certas partes, a proíbição local manteve-se, e outros, cujo consumo de álcool era permitido, preferiam fazê-lo porque os impostos locais eram muito, muito altos. E foi por causa de impostos que os Americanos fizeram a sua Revolução...
A familia de Johnson fazia do contrabando o seu oficio: o seu avô serviu vinte anos da sua vida em prisões, foi protagonista da maior apreensão de alcool do estado, com 400 galões apreendidos pela policia, e em 1956, o seu neto serviu um ano de prisão por contrabando.
Johnson era um daqueles que levava o contrabando na bagageira de um Ford Modelo A, que tinha o V8, para escapar da policia. E a cada vez que os carros da policia tinham melhores motores, o outro lado respondia com motores mais potentes, com compressores e tudo, cada vez mais cavalos, cada vez mais velozes, num jogo de gato e rato. E aos fins de semana, iam para os "dirt tracks" e ver quem era o melhor. E Junior Johnson era dos melhores.
Triunfou em Daytona, em 1960, uma das suas 50 vitórias na competição, e essa vitória ficou nos anais da competição pelo uso do "slipstream", uma técnica onde o carro ficava atrás de outro, usando o vácuo para ser mais veloz. Johnson ficou atrás do carro da frente durante boa parte da corrida, até à penúltima volta, quando acelerou e ficou com a liderança, cortando a meta no lugar mais alto do pódio. Contudo, nunca venceu um campeonato como piloto. Como Stirling Moss.
Como chefe de equipa, foi diferente: seis vezes campeão, três com Cale Yarborough, outras tantas com Darrel Waltrip. E no meio disto tudo, graças ao artigo de Tom Wolfe, a reputação de Johnson elevou-se bastante. Tanto que em 1973, virou filme, com Jeff Bridges como ator principal. E Ronald Reagan, o ator de Hollywood que acabou presidente, decidiu perdoá-lo em 1985 pelos seus atos de contrabandista. No final, não foi ele mesmo que se tornou no herói americano, foram os seus atos que atraíram fascínio dos que não viviam nesse meio.
E agora, como todos aqui retratados, faz parte da história. North Wilkesboro é uma oval abandonada aos elementos, Wolfe morreu em 2018 e a NASCAR há muito deixou as origens do "moonshinig". De uma certa maneira, é um mundo e um tempo que não regressa. Ars lunga. vita brevis, Junior.
E agora, como todos aqui retratados, faz parte da história. North Wilkesboro é uma oval abandonada aos elementos, Wolfe morreu em 2018 e a NASCAR há muito deixou as origens do "moonshinig". De uma certa maneira, é um mundo e um tempo que não regressa. Ars lunga. vita brevis, Junior.
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