segunda-feira, 28 de setembro de 2020

A nova luta de Martin Donnelly


Há precisamente trinta anos, numa sexta-feira, o mundo ficava horrorizado com a visão de um homem no meio de uma pista, aparentemente, sem se poder mexer. Todos se convenceram que estava morto. Na na realidade... não. Tinha sobrevivido a um acidente com uma força de 44 G's, que pulverizara o seu carro, e estava gravemente ferido. A história de Martin Donnelly, o veloz norte-irlandês, que estava a ter a sua temporada de estreia na Lotus, terminava ali, como piloto. Iria ter uma longa recuperação até voltar a ser uma pessoa válida, e não deixara de estar ligado ao automobilismo. 

Contudo, em julho de 2019, quando competia num evento de caridade, a bordo de uma moto vintage, caiu e quebrou a sua perna direita, na zona da anca. Os ferimentos foram graves ao ponto de se contemplar a amputação, e por isso, a comunidade se aliou para o ajudar, contribuindo com mais de 55 mil libras, dos dez mil iniciais que andavam a pedir. Entre os que o ajudaram estavam Toto Wolff, Ralf Schumacher e Luciano Burti

Quero agradecer a todos que doaram dinheiro. Sinto-me muito humilde e elogiado pelo fato de a comunidade automobilística ter se unido para me apoiar”, disse no final de 2019, na altura em que se encontrava em convalescença.

Mas mais do que isso, a luta de alguém ligado ao automobilismo é que não há estabilidade garantida. Consultor e instrutor na Lotus Driving Academy, no Reino Unido, é um trabalho sazonal, pois as pistas costumam estar fechadas de outubro a março devido ao rigoroso inverno naquelas latitudes. E arranjar salário nessas alturas é complicado.

E Donnelly sabe até que ponto o sucesso pode iludir. No final do ano passado, numa entrevista à Motorsport, contou que no dia do acidente, o seu contrato com a Lotus tinha sido melhorado, e a equipa tinha dado um cheque de 40 mil dólares como adiantamento do seu novo contrato. Antes, tinha duzentas mil libras de salário anual, mas quando outras equipas estavam interessadas nele, Donnelly teve uma melhoria no seu salário, passando a receber ao todo 5,6 milhões de libras para as temporadas de 1991 e 1992. Antes, nesse período de tempo, iria receber 1,2 milhões para guiar o Lotus-Lamborghini ao lado de Derek Warwick.

No final, o novo contrato foi invalidado devido ao acidente, e pegou os mais de 250 mil libras do seguro para montar a sua equipa, a Martin Donnelly Racing (MDR), que correu na Formula 3, Formula Vauxall e o BTCC. Mas no final de 2004, tinha de declarar falência, devido às dívidas acumuladas. Depois, foi trabalhar para a Comtec como instrutor e angariador de patrocinios.

Era 24 horas por dia, 7 dias por semana. Você estaria perseguindo pilotos e patrocinadores em todo o mundo, em diferentes fusos horários. Foi exaustivo. Mas, ao mesmo tempo, foi muito divertido. Houve satisfação em fazê-lo. Era meu trabalho explorar as áreas cinzentas em torno das regras de corrida. As coisas que fazíamos dentro de portas - era absolutamente hilariante!”, exclamava, falando do seu tempo na MDR.

Contudo, o acidente que sofreu em junho de 2019, inicialmente não levado muito a sério, acabou por ser pior do que se esperava. Quando se pensava que tinha sido nada de especial - uma queda a meros 60 km/hora - tornou-se numa fratura no fémur, que se tornou numa septicémia que colocou em risco não só a sua perna esquerda - a que está fragilizada pelo acidente de 1990 - como a sua própria vida. Acabou por ser salvo por um dos melhores cirurgiões do país, que por coincidência, vive na mesma localidade onde mora a sua irmã.

A perna de que estamos falando não é normal. Se tivesse acontecido com a perna direita, estaria tudo bem; procedimento fácil, aparafuse algumas placas, pronto. Mas porque minha perna esquerda passou por muito trauma no acidente anterior, o grande, não há muito osso e foi muito difícil para ele [Nish Chirodian, o cirurgião] fazer. Então ele colocou uma placa mais ou menos no centro da perna, perto da minha rótula, e outra mais acima na velha cicatriz. Ele espera que isso dê ao osso alguma estabilidade para que o calcio comece a crescer ao redor da placa e dos parafusos, dando-lhe a força de que precisa.”, contou.

Quanto à sua vida, apesar de ter mais um episódio para contar aos netos, o espírito é de luta, como aconteceu há trinta anos, para sobreviver e ter uma vida normal.

Não sou o tipo de pessoa que se deita e se finge de morto. Eu vou lutar contra isso. É como um jogo de poker. Todos os dias você recebe uma mão diferente. Às vezes você recebe boas cartas e outras recebe más. É [a maneira] como você joga as cartas que recebe é que é importante.” Como aconteceu naquela manhã de sexta-feira, no calor andaluz de setembro.

1 comentário:

  1. Que cara azarado ... lamentavel ter de deixar a paixão pessoal por conta de fatalidades como essa !

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Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...