Numa altura de pandemia, e também quando ele já não tem mais o poder que tinha antes, vale a pena falar de Bernie Ecclestone, no dia em que faz 90 anos. No ano em que foi pai mais uma vez - verdadeiro! - tenho de ser aqueles que, sendo critico dele e das suas politicas, não posso deixar de pensar que a Formula 1 moderna deve imenso a ele. Pela sua visão, em meados da década de 1970, ao trazer a televisão para o meio, como forma de comunicação para as massas, trazendo assim centenas de milhões de dólares para a competição e tirando-o do fundo da garagem para as luzes da ribalta.
Nunca escondeu que é de origem trabalhadora, e começou a interessar-se pelo meio depois do final da II Guerra. Primeiro como piloto, depois como empresário de pilotos - primeiro, Stuart Lewis-Evans, depois Jochen Rindt - e a década de ausência para enriquecer no meio do imobiliário e da venda de automóveis, chegando até a deixar circular o rumor de que ele tinha fornecido carros para o bando que fez o "Grande Assalto ao Comboio" de 1963, um dos roubos mais mediáticos da segunda metade do século XX.
No final de 1971, deu 150 mil libras a Ron Tauranac para que este vendesse a Williams e entrasse na Formula 1 de modo mais permanente. Apesar das suas perdas pessoais - ele estava em Monza e carregou o capacete ensanguentado de Jochen Rindt minutos depois do seu acidente fatal - o apelo da Formula 1 era mais irresistível, e levou como sua a batalha para atrair mais dinheiro e mais construtores, e mexer no calendário. Brigou com quem tinha de brigar, ameaçou quem tinha de ameaçar e deu alguns passos em falso - a tentativa de cisão de 1981, no meio da guerra FOCA-FISA, foi uma delas - mas o final, conseguiu levar a sua água ao moinho, enquanto a Brabham era bem gerida nas mãos de Gordon Murray, que oficialmente era o projetista da marca, mas na realidade geria o dia-a-dia... excepto na parte dos dinheiros. Uma parceria que funcionou bem por 14 anos.
Depois de 1986, Ecclestone quis ser apenas o dono da Formula 1. Ali, expandiu fortemente para a Ásia e as Arábias, indo onde estava o dinheiro. Não quis saber dos direitos humanos para nada, pois competiu na África do Sul do regime do "apartheid", bem como na América do Sul no tempo das piores ditaduras, para não falar da China e Bahrein. Aliás, a sua politica do "quero, posso e mando" criou amores e ódios, mas ele, que sempre admirou Margaret Thatcher e Robert Mugabe - para não falar de Adolf Hitler - achou que a sua palavra era lei numa competição sem os "checks and balances" típicos de uma democracia.
Em 2017, após três décadas de liderança, a Liberty Media comprou as ações da CC Capital Partners e Ecclestone saiu de cena para dar lugar a Chase Carey. Por esta altura, ele já estava desfasado com a realidade, não tendo tido a mesma visão em relação às redes sociais que teve quatro décadas antes com a televisão e o "pay per view", que praticamente cortou o acesso às novas gerações, que não tem o mesmo poder de compra que os mais velhos, "os velhotes com um Rolex no pulso", como disse certa vez. E ao mesmo tempo, ele, que nos anos 90, ao lado de Max Mosley, seu advogado nos anos 70 e depois o colocou como presidente da FIA, no lugar de Jean-Marie Balestre, tinha desertificado outras categorias que poderiam ser uma ameaça, como a Endurance e a IndyCar, agora observava a ascensão da Formula E e a chegada de marcas em catadupa sem fazer frente.
Agora, sem Bernie no caminho, a Liberty Media corrigiu essa parte das redes sociais, melhorando a sua comunicação e recuperando boa parte da juventude. Mesmo com um evento único como o coronavírus, onde a competição foi adiada, o calendário refeito e existiram imensas condicionantes para a presença de espectadores nos circuitos, a Formula 1 está mais ativo que nunca.
Mesmo assim, tiremos o chapéu ao que fez, no seu dia de aniversário.
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