quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

A imagem do dia


Grande Prémio da Bélgica de 1961, Spa-Francochamps. Wolfgang von Trips, que morava relatiamente perto dali, à conversa com Romolo Tavoni, o diretor desportivo da Scuderia. Nessa prova, os carros da marca ficaram... com os quatro primeiros lugares, embora tenha sido Phil Hill o vencedor. 

A estadia de Romolo Tavoni no automobilismo foi relutante. Na realidade, ele entrou porque o banco onde trabalhava tinha concedido um empréstimo e um dos seus clientes mais própseros, que tinha pedido um empréstimo para alargar a sua fábrica. E um certo dia, esse cliente fez uma oferta irrecusável... e ele não queria aceitar.

Ouvi dizer que ele tinha um novo secretário a cada dois ou três meses e trabalhava das oito da manhã às dez da noite. Entramos no seu escritório e ele perguntou onde eu trabalhava antes de entrar para o banco. Eu disse a ele que havia trabalhado como contabilista para a Maserati, esperando que ele dissesse,‘Vá embora!’. Porque em Modena, se você trabalhou para a Maserati, nunca trabalhará para a Ferrari. Mas ele disse: ‘Tudo bem, acho que você é o secretário para mim, mas por que apenas dois meses - por que não 10 anos?’ Essa foi a minha apresentação ao Sr. Ferrari.”, afirmou, meio século mais tarde, numa entrevista à Motorsport britânica.

A pessoa em questão era Romolo Tavoni, que se tornou secretário para Enzo Ferrari durante 12 anos, ao longo dos anos 50. Um homem alto - cerca de 1.85 metros - descobriu uma pessoa para além da sua faceta temível. Generoso com os seus trabalhadores, era um "workaholic" que trabalhava de manhã até à noite, algo do qual faia confusão a alguém que trabalhava das nove às cinco, como um funcionário público. No escritório, tratava das cartas que chegavam à fábrica, encomendas, receber visitas, e fazer as contratações.

Um dos pilotos que gostou particularmente foi Mike Hawthorn, que o conheceu em 1952. Uma carta a Tony Vandervell o recomendou, e depois de uma conversa, acabou por ser contratado. Um relacionamento que durou até 1958, com altos e baixos, e nenhum deles não deixava nada por falar.

Ele era um grande piloto, muito inteligente e um cavalheiro. Também muito direto. O Sr. Ferrari disse-lhe uma vez: ‘Por que você tem dificuldade nesta corrida?’ Mike disse: ‘A caixa de velocidades está má, era impossível para mim mudar de marcha corretamente.' 

"Ferrari ficou furioso. 'Você diz que minha caixa de velocidades não é boa? Minha caixa é a melhor e se você disser que não adianta uma segunda vez, pode ir embora!

“‘Adeus!’, disse Mike, e ele deixou a Ferrari. Rapidamente o chamou de volta. Ele gostava de um motorista que pensava por ele mesmo. Se um piloto apenas reclamasse de seu carro, ele não chegaria a lugar nenhum com a Ferrari, mas depois de uma corrida Mike diria: 'Romolo, os travões não estavam bons', e quando estávamos de volta a Maranello ele dizia a Ferrari: 'O carro era fantástico, mas tivemos algumas dificuldades com os travões. Talvez devêssemos fazer alguns testes.' Ferrari gostou disso e ele ficava noite e dia no Departamento de Competições para tentar consertar as coisas. Ele sempre construía o melhor carro possível e os pilotos o admiravam porque primeiro ele próprio era piloto, depois gerente e depois proprietário. Ele era um homem fantástico.

Sobre outros pilotos, Tavoni dizia que alguns dos pilotos tinham relações contorbadas com o Commendatore porque, no caso de Juan Manuel Fangio, tinha a ver com dinheiro. O argentino queria um salário, algo do qual Ferrari nunca gostou muito. Depois do título mundial de 1956, foi logo para a Maserati. E por essa altura, a vida de Tavoni dá uma grande volta, quando Nello Ugolini, o diretor desportivo da marca, sai para a Maserati seguindo Fangio. Ferrari convida Tavoni para o lugar.

E foi uma introdução muuito brutal: nos primeiros meses do seu consulado, em 1957, viu Eugenio Castelloti e Alfonso de Portago morrerem em acidentes, o último dos quais nas Mille Miglia, matando mais sete espectadores. Tavoni hesitou e pediu para voltar ao cargo anterior, mas Ferrari insistiu. No ano seguinte, mais mortes, primeiro com Luigi Musso, em Reims, e Peter Collins, no Nurburgring. Nessa altura, Ferrari considerou parar o seu envolvimento na Formula 1, porque Collins era amigo de Dino Ferrari, seu filho morto tempos antes por causa de uma distrofia muscular, mas Hawthorn, que também era grande amigo de Collins, afirmou que queria correr com eles e ganhar o campeonato. E ganharam.

Três anos depois, em 1961, a Ferrari regressaa à linha da frente, com o 156 "Nariz de Tubarão" e os seus dois pilotos, o alemão Wolfgang on Trips e o americano Phil Hill, com Tavoni a comandar as coisas. Tavoni era amigo pessoal de Von Trips, e quando ele morreu em Monza, quis ir ao funeral, mas o Commendatore vetou, afirmando que era necessário na fábrica. “Ele insistiu que eu ficasse em Modena e mandou sua esposa, Laura, e Franco Gozzi. Fiquei muito infeliz com isso e coloquei incertezas sobre minha posição como gerente de equipa.”, comentou.

Um mês depois, Tavoni e outros oito responsáveis decidem sair da Scuderia, causando uma tempestade em Maranello. E ele foi um deles. Tudo devido a Laura, a esposa de Enzo. 

Ela estava a nos criticar para o Sr. Ferrari”, diz Tavoni. “E em outubro tivemos grandes dificuldades após seu retorno do funeral [de Von Trips] na Alemanha. Tivemos uma grande discussão e ficamos todos muito tristes por escrever uma carta ao Sr. Ferrari pedindo que a Sra. Ferrari ficasse fora da fábrica. Ele ficou muito ofendido e em nossa reunião semanal ele disse: `Se é assim que você se sente, aí está a porta, aqui está o seu dinheiro - SAIA!' Era uma Ferrari típica, que achava impossível admitir que estávamos certos.

Apesar da saída amargurada, Tavoni e Ferrari premaneceram amigos até ele norrer em 1988, e o Commendatore convidou-o por mais de uma vez para regressar, que recusou. Porque entretanto foi trabalhar para a organização dos 1000 km de Monza, a mitica prova de Endurance. Reformou-se em 1992 e teve tempo mais que suficiente para contar a sua vida e carreira às novas gerações.

Tavoni morreu no passado dia 20 de dezembro, aos 94 anos. Uma vida longa dedicada ao automobilismo, e o fechar de uma época já longinqua com cada vez menos sobreviventes. Ars lunga, vita brevis. 

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