Passou ontem, mas fala-se na mesma: há meio século, em Kyalami, na África do Sul, Mário Andretti vencia o seu primeiro Grande Prémio na Formula 1, e ao serviço da sua equipa do coração: a Ferrari. Curiosamente, o piloto americano nascido de Montovun, agora na Croácia, italiano de raiz, mas emigrado nos Estados Unidos na adolescência, estava ali a cumprir a sua primeira corrida na Formula 1... nas cores de Maranello. Quando começou a andar na categoria máxima do automobilismo, em 1968, foi pela Lotus, e em 1970, foi graças ao seu patrão de equipa na IndyCar, Andy Granatelli, ele arranjou um March 701 para poder correr quatro provas naquela temporada, enquanto os seus compromissos na América o permitiam.
O que pouca gente sabe é que depois desse dia, Andretti teve também outra grande proeza, ao correr no Questor Grand Prix com o Ferrari 312, acabando com nova vitória. E algum tempo depois, recebeu uma chamada de Maranello.
"O senhor Ferrari me convidou para ser seu piloto número um”, disse o vencedor das 500 milhas de Indianápolis em 1969. “Mas a Formula 1 não pagava muito naquela época e meus contratos e compromissos eram tão lucrativos aqui [na América] que eu não podia abrir mão disso pela segurança da minha família. O momento ainda não era certo, então tive de recusar; mas sempre achei que teria nova oportunidade.”, contou recentemente à revista Racer.
Mas esse Grande Prémio, onde o italo-americano venceu depois de um duelo com Jackie Stewart, Dennis Hulme e um dos seus companheiros de equipa, o suíço Clay Regazzoni, foi uma das provas que fez em part-time nesse tempo, porque a sua prioridade era competir na América, ser campeão e ganhar dinheiro suficiente para poder dar uma vida confortável para a sua familia. E num tempo onde não se ganhava muito na Formula 1, a América era um lugar muito melhor pago, e pagar oito mil libras para ter um chassis March, como fizera Granatelli para o seu piloto, era uma possibilidade.
Andretti sempre quis a Formula 1, mas apenas se as circunstâncias fossem as ideais. Tanto que nem sequer participou na temporada de 1973. Quando voltou a sério, no final de 1974, a aventura era com Parnelli Jones e Vel Miletich, num chassis desenhado por Maurice Philippe, onde teve resultados modestos, e muita frustração porque sempre foi um projeto apenas para satisfazer os caprichos de Andretti em correr na Formula 1. Depois do GP de Long Beach de 1976, a Parnelli arrumou as malas e ele decidiu apostar a sério na Europa. Algumas horas depois, cruza-se por acaso com Colin Chapman, e com uma conversa e um aperto de mão, ficou como piloto da Lotus, como tinha acontecido oito anos antes.
Mas Enzo Ferrari nunca estava longe. No GP de Itália de 1977, uma corrida onde ele tinha vencido, e ele se tornava num dos favoritos a um título, recebeu uma chamada de Maranello. As circunstâncias eram conhecidas: Niki Lauda estava de saída, e o lugar era apetecível. E na Lotus, Ronnie Peterson estava de volta, porque o carro que aí vinha - e que Mário tinha ajudado bastante a desenvolver - iria ser revolucionário. Houve conversa, mas mais uma vez, circunstâncias externas impediram um acordo para correr a tempo inteiro pela Scuderia.
“Eu venci o Grande Prêmio da Itália e o Sr. Ferrari queria conversar. Tinha um acordo de cavalheiros com Colin [Chapman] e ele já tinha concordado em me pagar o que Ronnie Peterson estava ganhando, que era o maior salário da Formula 1. Então perguntei ao Sr. Ferrari quanto ele estava disposto a me pagar. Ele disse: ‘Sabe, Mario, não posso colocar um preço no seu talento, então me diga.’ Aquele FDP jogou de volta ao meu colo”, contou com uma gargalhada. “Bem, a minha esposa Dee Ann estava sentada ao meu lado e eu perguntei o que eu deveria fazer. E ela disse ‘pede o dobro’. E o Sr. Ferrari concordou.
“No dia seguinte, recebo um telex de Maranello dizendo: 'Vamos deixar as coisas como estão' porque ele tinha acabado de receber a visita de Colin [que] me seguira até Maranello e arrasou com o Sr. Ferrari. Você pode imaginar? Então eu disse a Colin que ele sempre foi bom para mim, mas não queria ter um piloto infeliz. Então eu disse a ele que queria dez mil dólares por ponto ganho - você ganhava nove pontos pela vitória naqueles tempos - e ele teve que concordar.”, concluiu.
No final, o lugar ficou para Gilles Villeneuve, e Andretti acabou por entrar na história por ter conseguido ganhar o título pela Lotus, em Monza, e também por ter corrido numa equipa italiana, a Alfa Romeo, em 1981, mas com resultados modestos. Nunca correu a tempo inteiro pela Scuderia, excepto duas provas na temporada de 1982, com o 126C2, onde conseguiu uma pole-position no GP de Itália, em Monza, aos 42 anos. Tinha ido para substituir o acidentado Didier Pironi, e acabou por conseguir um terceiro lugar, os últimos quatro pontos da sua carreira, longa na Formula 1, e ainda mais longa na IndyCar.
Aquela tarde de Kyalami iria para a história como a única vez que o americano venceu com as cores da Scuderia na Formula 1.
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