Quase por coincidência, colidi com um artigo do Joe Saward escrito na americana Autoweek sobre o seu "calendário de sonho", no qual ele metia 22 corridas, espalhadas pelo mundo inteiro, e claro, pensei que cada um tem a sua ideia na cabeça. E na discussão sobre o tamanho do calendário, redescobri que, trinta anos antes, já sabia que haveria um limite para ter tantas provas. O melhor exemplo que tenho é um suposto calendário de 24 provas, onde eu, um pré-adolescente, antecipava os "doublehaeders" e os "tripleheaders" e tinha a consciência de que havia um limite para tudo. E isto, numa altura em que a Formula 1 se corrida com 16 provas.
Claro, a minha imaginação tinha limites. Não pensava em corridas no Médio Oriente e na China, julgava que três provas em África seria o "futuro" da Formula 1, pelo menos na minha imaginação. Mas com isto tudo, agora, já adulto e a caminho da meia-idade, volta-se a pensar no que seria o "calendário ideal", agora que sabemos sobre o regresso de uma segunda corrida a terras americanas, a primeira desde 1984. E também isso se fala em tempos onde iremos entrar na "pós-pandemia", onde se discute, por exemplo, sobre novos meios de comunicação, o sucesso do "Drive to Survive" no Netflix, entre outras coisas, economias globalizadas, etc, etc.
Assim sendo, decidi voltar aos meus tempos de adolescente, pegar nesses papéis e (re)imaginar o calendário da Formula 1 à minha maneira, nos meus critérios. Claro, cada um faz o seu calendário, está no seu direito.
Vou usar quatro critérios:
- Um país por corrida.
- Número máximo de 22 provas.
- Dinheiro não conta, mas direitos humanos sim.
- Capacidade do circuito ser desafiador para pilotos e espectadores.
Começo a Formula 1 na Argentina, em janeiro. Não é anormal - a Formula 1 sempre fez isso quando ia a Argentina, porque janeiro é verão austral, enquanto na Europa, a grande maioria dos circuitos estão sob uma camada de neve. O país é apaixonado pelo automobilismo - acho que os campeonatos locais são os mais subestimados do mundo - e a sua grandeza permite que tenham quase 40 circuitos. Sim, leram bem: quarenta. Nem todos tem capacidade de receber corridas de automóveis sem serem totalmente renovados, mas há alternativas ao Oscar Galvez, em Buenos Aires. Há o Termas del Hondo, que recebe a MotoGP, há o Villecum, no sopé dos Andes, construído recentemente e está dentro dos critérios da FIA, e há Potrero de los Funes, em San Luis.
Mas ficaria por Buenos Aires por alguns motivos: é a capital, está perto do aeroporto, e os outros circuitos estão longe ou não tem infraestruturas para poder mover em termos logisticos. Para vos dar uma ideia: Potrero de los Funes está a mais de 1500 km da capital, e o seu aeroporto mais próximo está a 40 km da cidade... e não é um aeroporto internacional. Logo, um Oscar Galvez com um complexo mais moderno seria o ideal.
2 - Interlagos
No final dos anos 80 do século passado, Rio de Janeiro era ideal: tinha praia, calor, a pista à beira do mar, todas as equipas iam fazer ali os testes de inverno. Agora, a pista foi destruída porque receberam os Jogos Olímpicos, construir uma nova vai ser uma saga que não acabará tão cedo, e pistas brasileiras com Grau 1 não há muitas, apesar da vastidão do território. Assim sendo, Interlagos, em São Paulo, é o sitio ideal para correr por ali. A pista é clássica, mas constantemente modernizada, é feita contra os sentidos do relógio, o que é raro e os pilotos tem dificuldade em adaptar-se e claro, enche sempre de adeptos apaixonados. Claro que, a acontecer no final de janeiro, principio de fevereiro, seria uma complicação devido ao calor, mas a visão de camiões de bombeiros a regar espectadores, como acontecia em meados dos anos 70, teria a sua graça...
3 - Algures na África do Sul
Indo para África era o que fazia a Formula 1 entre o final de janeiro e o inicio de março, para aproveitar o verão austral. Chegou a haver o cúmulo onde os pilotos comemoravam por lá o Ano Novo porque no dia seguinte... haveria corrida.
Mas Kyalami foi totalmente renovada em 1988, e a Formula 1 regressou em 1992 e 93 numa pista totalmente diferente dos anos 70. Era algo sinuosa e lenta, não era tão desafiante como anteriormente. Quando não foi renovado para a temporada de 1994, os pilotos não tiveram muitas saudades. Mas foi modernizada e os organizadores querem o Grau 1 da FIA para receber a Formula 1 e a Endurance - reavivar as Nove Horas de Kyalami, para ser mais preciso.
Mas há uma alternativa, pouco falada. Perto da cidade de Welkom, no Estado Livre de Oranje, a uns 350 km a sul de Joanesburgo, há o circuito de Phakisa, aberto em 1999 e usado para provas de motociclismo, com a MotoGP a correr entre 1999 e 2004. Tem uma oval e um circuito dentro dela, estilo Daytona ou Motegi, e não seria má ideia se fosse uma alternativa a Kyalami. Contudo, como por exemplo acontece com os circuitos argentinos, é longe dos centros urbanos e sai prejudicada.
Uma outra alternativa seria um circuito de raíz na zona da Cidade do Cabo, pois o cenário de ver a Formula 1 a correr com a Table Mountain no fundo valeria a pena. Portanto, comigo... Kyalami não era uma opção cem por cento segura.
4 - Marrocos ou Angola
A ideia marroquina já aconteceu num passado muito distante, mas na última década, ganhou força com a construção de uma pista semi-urbana em Marrakesh. O WTCC e a Formula E já correram lá, mas a parte urbana estraga um pouco as coisas, embora se entenda o porquê, devido à proximidade do centro. Construir pistas de raíz seria uma boa alternativa, mas ali, o petróleo não abunda, e o critério tinha de ser muito bem feito.
Outra alternativa africana pode ser Angola. No tempo colonial foram construídos dois circuitos, um em Luanda e outro em Benguela, com condições para receber a Formula 1, caso o projeto crescesse e amadurecesse. Mas isso foi em 1972, e entretanto, a agitação que foi a independência e a guerra civil, que durou até 2002, estragou os planos. Recuperar o circuito de Luanda, por exemplo, seria um bom principio, se tivessem aproveitado o "boom" dos anos do petróleo alto. Agora, esse tempo passou, e a oportunidade foi-se.
Sendo assim, uma corrida em Marrakesh - Rabat ou Casablanca seriam boas alternativas, se construírem circuitos de raiz - seria uma boa ideia para uma segunda prova em África.
Acho que toda a gente está conquistada com estas duas visitas ao Autódromo de Portimão nestes tempos de pandemia. Colocar esta corrida como a etapa inicial da Formula 1 em terras europeias seria excelente quer para os espectadores até à economia local, pois não colidira com a épica alta do turismo, numa região onde ela é a sua principal industria. Os saudosistas podem pensar no Estoril, que tem Grau 1, mas não há muito espaço para expansão, infelizmente.
6 - Espanha, mas onde?
Há 40 anos, só havia um circuito permanente em Espanha: Jarama, nos arredores de Madrid. Desde então, construiram-se quase uma dezena de circuitos como Jerez, Barcelona, Aragão, Navarra, Valencia - dois, um urbano e o Ricardo Tormo, nos arredores - para além de pistas mais pequenas, umas privadas, outras nem tanto.
Barcelona seria o ideal, mas os pilotos queixam-se muito dela, por ser aborrecida. Uma boa alternativa poderia ser Jerez, mas também não é um pista fantástica, e os pilotos não se entusiasmam muito com ela. Claro, em termos logísticos seria o ideal - 338 quilómetros - mas o que seria um descanso para a logistica, não é um entusiasmo para o resto.
O circuito de Aragão seria algo interessante de se ver. Está longe dos grandes centros - fica em Alcaniz - mas o desenho da pista parece ser entusiasmante. Apenas a MotoGP andou por ali, mas nunca se sabe. Ricardo Tormo também tem o seu interesse, e as bancadas permitem ver o circuito todo, mas falta aquele "wow factor", ou seja, o deslubramento.
Correr em França deve ser um daqueles sitios que deveria ficar inscrito na pedra, como na Grã-Bretanha ou Itália. Corremos ali e pronto. Mas há problemas que existiam no tempo em que fiz esse calendário imaginário e não foram resolvidos, uma geração depois.
Paul Ricard tem meio século e quando apareceu, todos diziam que tinham chegado ao século XXI. Mas tem um grande problema: os acessos são um pesadelo. As estradas não aguentam todo um fluxo de trânsito que seria necessário para as pessoas entrarem e saírem de lá. A alternativa seria Magny-Cours, situado no meio do país, mas tem um defeito: o ser no "meio de nenhures" é mesmo o deserto: não há uma auto-estrada que sirva aquela região, e quem consulte um guia de estradas Michelin sabe que tão cedo não haverá uma.
Contudo, indepentemente do local, fazer isto um atrás do outro poderia ser aqui o meu primeiro "tripleheader", porque se percorrem pouco na movimentação dos camiões com os carros e demais peças, e qualquer coisa que possa ser transportada do Reino Unido, esta bem servida de estradas e aeroportos. Aliás, Paul Ricard tem um aeroporto ao lado do circuito, por exemplo...
Eles têm de estar ali e pronto. A minha única dúvida era saber se fazia quatro de uma vez ou abria um intervalo de 15 dias entre Espanha e França. Talvez faria esse último, porque esta corrida tinha de calhar em maio.
Interlúdio:
Aqui, eu chego a uma bifurcação, porque normalmente é a altura da Formula 1 ir ao Canadá, correr em Montreal. Junho é a altura ideal para correr, porque setembro é complicado, pois ora apanhas sol, ora apanhas chuva e frio quase glacial. A alternativa seria estar em conjunto com outras provas na América, porque uma visita isolada, como fazem agora - excepto nos últimos dois anos devido à pandemia - creio ser um desperdício de recursos. Contudo, ir ao Texas em junho é um convite a um forno. É como ir a Montreal em setembro e teres o azar de estarem 5 graus Celsius e ameaças de neve. Como quase aconteceu em 1978, a meio de outubro, na primeira vez em Montreal.
Então, como decidirei isto? Isso eu deixo para o próximo episódio, não se importam?
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comentem à vontade, mas gostava que se identificassem, porque apago os anónimos, por bem intencionados que estejam...