segunda-feira, 24 de maio de 2021

The End: Max Mosley (1940-2021)


Max Mosley, antigo presidente da FIA entre 1991 e 2009, morreu esta segunda feira em Londres aos 81 anos de idade. O anuncio da sua morte foi dado por Bernie Ecclestone, seu amigo. Mosley sofria de cancro há algum tempo.

"É como perder um familiar, como perder um irmão, Max e eu", começou por dizer Eccclestone, que foi seu representante legal por mais de vinte anos. "Ele fez muitas coisas boas não apenas para o automobilismo, mas também para a indústria. Ele foi muito bom em garantir que as pessoas construíssem carros seguros."

Mosley foi uma figura controersa desde o dia em que nasceu, a 13 de abril de 1940, em Londres. Filho de Sir Oswald Mosley e Diana Mitford, os seus pais eram figuras proeminentes do fascismo britânico, tanto que, quando nasceu, o país estava em guerra com a Alemanha nazi. Pouco tempo depois, os seus pais foram presos e internados em Anglesey, no País de Gales, Curiosamente, Mosley era primo em terceiro grau... de Winston Churchill.

Licenciado em Direito em 1964 pelo Gray's Inn, depois de ter estudado Fisica no Christ Church, em Oxford, por esta altura tinha tido o seu primeiro contacto com o automobilismo, quando viu corridas em Silverstone, na altura em que estudava em Oxford. O facto de ele ter sido recebido com indiferença naquele mundo o fez sentir em casa e o desinteressou definitivamente pela politica. Anos depois, Mosley contou sobre a sua recepção nesse mundo, em meados dos anos 60:

"Sempre tive alguns problemas [sendo filho de Sir Oswald] até eu entrar no automobilismo. E numa das primeiras corridas que eu participei tinha uma lista de pessoas quando colocavam os tempos de treino [...] e eu ouvi alguém dizer, 'Mosley, Max Mosley, ele deve ser algum parente do Alf Mos [e] ley, o construtor de carroçarias. 'E pensei para mim mesmo: 'Encontrei um mundo onde eles não sabem [nada] sobre Oswald Mosley.' E sempre foi um pouco assim no automobilismo: ninguém quer saber [de onde vens]."

Em 1968, monta a London Racing Team, onde vai correr na Formula 2 europeia, com Brabhams preparados por um jovem chamado Frank Williams. A sua primeira corrida foi na Alemanha, a 7 de abril daquele ano, e um dos participantes era Jim Clark, a bordo de um Lotus de Formula 2. Na sétima volta dessa corrida, o escocês perdeu o controlo do seu carro e sofreu um acidente mortal, causando ondas de choque no automobilismo. Alguns meses depois, a 28 de julho, o seu companheiro de equipa, Chris Lambert, morre noutra prova de Formula 2, no circuito de Zandvoort, quando colidiu com o carro de Clay Regazzoni.


No ano seguinte, decide pendurar o capacete e dedica-se montagem daquilo que iria a ser a March, ao lado de Robin Herd, Alan Rees e Graham Coaker. O nome deveu-se às suas iniciais - o M era de Mosley - ele estava encarregado dos aspectos legais. Colocou 2500 libras do seu próprio bolso, em conjunto com os seus sócios, e contratou como seu primeiro piloto o sueco Ronnie Peterson, que foi correr com os seus chassis na Formula 3, Formula 2, e depois na Formula 1. Os carros ficaram prontos em fevereiro de 1970, e na sua primeira corrida, na África do Sul, Chris Amon colocou o carro na pole-position.

Sobre esse momento, Mosley contou numa entrevista em 1989:

"Tudo o que tínhamos planeado fazer, tínhamos feito. E havia dois de nossos carros parados na primeira fila [...] você podia sentir o aborrecimento, o ódio quase, de alguns dos 'estabelecidos' do Grand Prix porque nós tínhamos conseguido. Foi um dos momentos mais extraordinários da minha vida.

Na corrida seguinte, em Jarama, Jackie Stewart ajudou a equipa a conseguir a sua primeira vitória, e conseguiu também mais alguns pódios, quer com o escocês, quer com o neozelandês Chris Amon. Outros pilotos, como o suíço Jo Siffert, os franceses Johnny Servoz-Gavin e Francois Cevért, o americano Mário Andretti, o alemão Hubert Hahne e o sueco Ronnie Peterson, andaram em chassis March ao longo de 1970.


Mas apesar dos bons chassis, a equipa andou sempre na corda bamba em termos de finanças: uma injeção de capital de 20 mil libras por parte de um dos seus meio-irmãos, Jonathan Guiness, salvou a equipa de uma possível falência, e os sócios cedo ou tarde se desentendiam sobre o rumo a seguir a e maneira como eram reguladas as finanças - tiveram um prejuízo de 71 mil libras no final de 1971 - e seguiam a sua vida. Em meados de 1972, apenas Mosley e Herd se mantinham na equipa, quando sofreram nova injeção de quase 50 mil libras para salvar a marca de nova possibilidade de falência, em troca de um lugar para o seu jovem financiador, que queria correr na Formula 1 e Formula 2. O seu nome? um austríaco chamado Niki Lauda.

Com o passar dos anos, Mosley começou a ficar mais interessado dos aspectos organizativos da Formula 1, e em conjunto com o dono da Brabham, Bernie Ecclestone, e gente como Ken Tyrrell (Tyrrell), Colin Chapman (Lotus) e Teddy Mayer (McLaren) ajudou a criar a Formula One Constructors Association, FOCA. A March continuou a ganhar quer na Formula 1, quer na Formula 2, mas em 1977, Mosley abandonou a marca que ajudou a fundar e se tornou consultor legal da FOCA. E foi nesse campo que esteve envolvido na luta entre FISA e FOCA em 1980, no qual a Formula 1 quase se dividiu em dois e resultou, por exemplo, na "corrida-pirata" que foi o GP da África do Sul em 1981. 

Mosley contou depois que a decisão de Ecclestone em negociar com Jean-Marie Balestre, então presidente da FISA, foi bem acolhida. "Estávamos absolutamente arrasados. Se Balestre tivesse segurado o apoio dos fabricantes [Ferrari, Renault e Alfa Romeo] por um pouco mais de tempo, os construtores estariam de joelhos. O resultado teria sido muito diferente." Por causa disso, ajudou a elaborar o primeiro Acordo da Concórdia, assinado em 1981.

No final da década de 80, Mosley voltou à atividade de construtor, ao ajudar a fundar a Simtek, com o projetista Nick Wirth. Construíram chassis para projetos que acabaram por não acontecer, como a Bravo, a BMW e em 1992, a Andrea Moda, mas por essa altura, tinha vendido a sua parte para uma grande ambição: ser presidente da FISA, contra Jean-Marie Balestre. A eleição aconteceu em outubro de 1991, e surpreendentemente, Mosley ganhou. Dois anos depois, Mosley também se tornou no presidente da FIA, no lugar de Balestre, e decidiu fundir ambas as organizações. Pelo meio, vendeu a sua participação na Simtek, que por esta altura, decidiu tentar a sua sorte na Formula 1.


Quando chegou ao poder, a sua principal ideia era a segurança no automobilismo, e começou por fazer uma série de alterações nos regulamentos no final de 1993, com o banimento de dispositivos como o controle de tração, a suspensão ativa e caixas de velocidades de variação continua, o CVT. Mas logo na terceira corrida da temporada de 1994, a Formula 1 sofreu um forte abalo com os eventos de Imola, onde Roland Ratzenberger e Ayrton Senna sofreram acidentes mortais. Duas semanas depois, no Mónaco, Karl Wendlinger sofreu um acidente grave, incapacitando-o por alguns meses, e a segurança tornou-se central na sua politica, no qual tinha de tomar ações concretas, sob pena da competição sofrer danos irreparáveis.

Mosley contou que foi dos poucos que compareceu no funeral de Roland Ratzenberger, em Salzburgo. Depois, comentou: "Fui ao funeral porque todos iam ao do Senna. Achei importante que alguém fosse ao dele."

Nos anos seguintes, a comissão que organizou adoptou medidas importantes como uma maior proteção na cabeça e a inclusão do dispositivo HANS (Head and Neck Support), que visa proteger os pilotos do "chicote" que sofrem na desaceleração em caso de acidente, que cria fraturas na base do crânio, causa da morte de Ratzenberger, por exemplo. O HANS tornou-se obrigatório na temporada de 2003.

Mas houve medidas controversas. Em 1997, Mosley tentou de tudo para atrasar a adopção de medidas anti-tabagistas por parte da União Europeia, afirmando que a dependência das marcas de tabaco era grande e esse corte poderia levar a prejuízos na ordem das 900 milhões de libras e a perda de 50 mil empregos diretos. Mosley chegou a influenciar o novo governo trabalhista britânico, liderado por Tony Blair, para que atrasasse a legislação, mas este foi adiante. Um donativo de 900 mil libras para a campanha trabalhista fora entretanto descoberta e causou alvoroço, e o partido resolveu devolver o dinheiro para resolver o embaraço.

Outra medida controversa foi a passagem dos direitos de televisão que a FIA tinha para Ecclestone por 15 anos, em 1995. Em 2001, ela foi alargada para cem anos, ao preço de 110 milhões de libras, dinheiro esse que era para ser usado para o desenvolvimento da tecnologia digital para a as transmissões televisivas da Formula 1. Ou seja, um canal só da marca, com transmissão centralizada, cujos espectadores acederiam apenas por assinatura. A proposta era boa no papel, mas a falência da alemã Kirch, em 2002, e as dúvidas colocadas pela Comissão Europeia devido aos regulamentos anti-concorrência, adiou a ideia.

Em 2008, Mosley estava já no seu quarto mandato e a batalhar para a introdução de medidas para tornar os carros mais eficientes, tendo como critério o impacto ambiental - que resultou na introdução do KERS em 2009 - quando a sua vida privada entrou na página principal dos tabloides. Uma "brincadeira" dele com cinco prostitutas de luxo, onde faziam "role-playing" de temática nazi caiu nas redações dos tablóides britânicos, que não deixaram passar em branco. Especialmente quando ninguém tinha esquecido que era um dos filhos de Oswald Mosley, o maior proponente do fascismo no Reino Unido. Ultrajado, Mosley filho (o pai tinha morrido em 1980) processou os tabloides, alegando que tinha o direito à sua vida privada. O caso chegou aos tribunais, onde venceu, mas o apelo da imprensa fez com que o casso chegasse até ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, onde acabou por ser rejeitado a favor da imprensa.

Mosley depois processou a Google em França, Alemanha e Grã-Bretanha, para que deixasse de disponibilizar as fotografias da orgia nos seus motores de busca, alegando o seu direito à privacidade. Acabou por ganhar os casos, mas o motor de busca não obedeceu às ordens. No final, em maio de 2015, ambas as partes chegaram a um acordo fora dos tribunais. 

Enquanto tudo isso acontecia, as equipas de Formula 1 voltavam a juntar-se para criar a FOTA, Formula One Teams Association. A ideia era de ver melhor representadas nas instâncias, ter uma melhor distribuição dos dinheiros vindos da Formula 1, sem intermediários. Contudo, quando Mosley promoveu um 2009 um teto salarial baixo e que as novas equipas tivessem elementos em comum como caixas de velocidades e motores sa Cosworth, a FOTA ameaçou criar uma competição paralela. As tensões elevavam-se a cada final de semana - e o anuncio que queria concorrer a um quinto mandato não ajudou -  em junho desse ano, no fim de semana do GP da Grá-Bretanha, a FOTA anunciou a sua ruptura.

Tudo ficou resolvido em poucos dias: Mosley abdicava de novo mandato na FIA, promovendo Jean Todt, antigo diretor desportivo da Peugeot no WRC e da Ferrari na Formula 1, as medidas de contenção de despesas seriam descartadas - mas não impediu a entrada de três equipas em 2010 - e haveria uma melhor distribuição dos dinheiros, num novo Acordo da Concórdia.

Questionado sobre o que iria ser o seu legado, Mosley afirmou que preferiria ser lembrado pelas contribuições que deu à segurança na estrada. O Euro NCAP, feito em aliança com a União Europeia, obrigando os construtores a melhorarem a segurança dos seus carros, fazendo assim diminuir fortemente as mortes nas estradas, aliado à melhoria nas vias rodoviárias. Iniciado em 1996, quatro anos depois, a União Europeia afirmou que "o EuroNCAP tornou-se o mecanismo mais importante para alcançar avanços na segurança dos veículos e a ação de segurança rodoviária mais eficaz em termos de custos à disposição da UE". 

Em suma, apesar das suas controvérsias, nunca se pode pensar dele como uma personagem cinzenta, mesmo desde o berço. Marcou toda uma geração numa área onde escolheu ser relevante. E foi. Ars longa, vita brevis.

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