segunda-feira, 7 de junho de 2021

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Na foto, Hans Metzger, engenheiro-chefe de Porsche, a ver o TAG-Porsche V6 num chassis da McLaren, provavelmente em 1983, nos testes iniciais na Alemanha. A foto de Rainer Schegelmilch

Certo dia, Walter Hayes referiu às 700 mil libras que a Ford pagou para desenvolver o motor DFV V8, fabricado por Mike Costin e Keith Duckworth como "o dinheiro mais bem gasto do automobilismo". Apesar da frase de Walter Hayes ter muita carga de razão, pelas 155 vitórias que aquele motor teve entre 1967 e 1983, creio que os 800 mil libras (um milhão de marcos) de Mansour Ojjeh investiu no projeto da Porsche Turbo, quinze anos mais tarde, deve ser um forte candidato ao segundo lugar em termos de investimento bem gasto em motores.

Tudo começa no final de 1981, quando Ron Dennis compra os 50 por cento da McLaren que pertencia a Teddy Mayer e fica com a propriedade da equipa. O chassis MP4 - que mais tarde se chamará MP4/1 - desenhado por John Barnard e com a tecnologia de fibra de carbono - é um sucesso e Dennis marca outro grande golo de placa quando convence Niki Lauda a largar o negócio da aviação e voltar a correr, a troco de um milhão de libras por temporada. Mas para isso tudo, teve de arranjar dinheiro em algum lado, e diz a Mansour Ojjeh que o futuro não é na Williams, mas sim na sua equipa.

Ojjeh nasceu em berço de ouro, em Paris, filho de Akram Ojjeh, um sírio, e da sua mulher francesa. Com educação europeia e americana, o seu pai está bem relacionado com a família real saudita e é o intermediários de diversos negócios entre eles e o governo francês, que vai desde as armas até à engenharia petrolifera. Quando ele volta a trabalhar com o pai, em 1974, ajuda a fundar no Luxemburgo a TAG, Techniques D'Avant Garde, que aposta na tecnologia da aviação, para além de negócios imobiliários e finanças. O automobilismo é a paixão de Mansour, que não sendo piloto, faz amizades nesse mundo pequeno, e sempre que quer ajudar um amigo, o faz. Especialmente Ron Dennis, que consegue persuadir na sua visão de uma equipa vencedora. Ele tinha a visão, Ojjeh o dinheiro.

Em 1983, a McLaren está atrasada na introdução do motor Turbo. Por esta altura, Brabham, Ferrari e até a Toleman já tem motores desses nos seus chassis, mas eles, ao lado da Williams, estão atrasados nesse quesito. E pior: não tem uma fábrica por trás. Contudo, Ojjeh sabe que a Porsche até estaria interessada nessa parte, apesar da notória aversão de Ferdinand Piech à Formula 1, ele que vive na euforia dos 956 de Grupo C, dominantes em Le Mans e no Mundial de Endurance. A condição para isso? Eles pagam, nós desenvolvemos.

O trabalho começa em finais de 1981, e é desenvolvido em segredo, através de um... mero Porsche 911, escondido à vista de todos, e o motor V6 Turbo, equipado com dois turbocompressores KKK (é o nome da firma alemã que o desenvolve, não fiquem com ideias...) fica pronto para ser testado no verão de 1983, num dos MP4/1 em Eisenach, a pista privativa da marca, com todos da McLaren presentes, desde os pilotos, Lauda e John Watson, passando por Dennis e Ojjeh, que já tinha passado o seu patrocínio da Williams para a equipa de Woking. Os testes são promissores, com ele a dar um máximo de 715 cavalos às 11.500 rotações, com os turbo a 2.5 bar, e decidem estrear o carro o mais depressa possível, em Zandvoort, no GP dos Países Baixos, nas mãos de Lauda.

Ojjeh sabe que o projeto está em boas mãos e o resto da combinação será um sucesso, mas quer algo em troca: uma participação minoritária na equipa. Dennis aceita e cede 14 por cento em troca de ele financiar a cem por cento o motor Turbo que eles tanto desejam para não ficar para trás. 

Compensou: até ao GP da Austrália de 1987, a McLaren conseguirá 25 vitórias, 54 pódios, sete pole-positions e 18 voltas mais rápidas, para além dos títulos de pilotos de 1984 a 1986, dois deles com Alain Prost, depois do primeiro, por parte de Niki Lauda, conquistado no Estoril por meio ponto, a diferença mais pequena de sempre. Um investimento que compensou bastante, mas os pilotos que tinha e o chassis desenhado também ajudou imenso. Quando se retira de vez, no final de 1987, o motor já dava mais de mil cavalos na qualificação e 960 em corrida, às 12.600 rpm.   

Ojjeh, morto ontem aos 68 anos, sabia mexer-se no mundo da alta finança e das tecnologias. Era um sujeito bem humorado e despretensioso, que nunca deixou de dizer que apesar de ter todo o dinheiro do mundo, e ser astuto nos seus negócios, sabia onde estava o seu coração e a sua paixão. Braço direito de Dennis, parceiro silencioso em muitos dos investimentos e aventuras, muitas delas com muito sucesso, acompanhou-o quando ela decidiu construir carros de estrada, a McLaren Automotive, como a Ferrari, cimentando o legado iniciado pelo neozelandês Bruce McLaren. E mais do que investir o dinheiro na sua paixão, também ajudou a consolidar a sua estrutura acionaria, com a entrada do fundo soberano do Bahrein no capital da marca.

Não admira que Zak Brown o tenha chamado de "titã" no seu elogio fúnebre. É que muito daquilo que a McLaren é hoje deve-se a ele. E tudo começou com as 800 mil libras que ele gastou para desenvolver um motor Turbo, há quase 40 anos.  

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