sábado, 1 de janeiro de 2022

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Niki Lauda no seu Brabham BT46 no GP do Canadá de 1978. O austríaco largou da sétima posição, e acabou na quinta volota devido a um problema de travões. 

Mas quem o conhece, sabe que... nada como uma boa publicidade para mostrar que ainda andas por aí. E após o seu acidente quase fatal, Niki Lauda teve uma oferta boa demais, vinda de uma firma não muito longe de Maranello: que usasse um boné vermelho, da sua marca, com o logotipo da sua marca. O austríaco aceitou, e foi renovado, mesmo após a sua retirada da Formula 1, em 1985. 

Aproveitei a calvície, arrecadando dinheiro [da marca] com a condição de usar constantemente o seu boné. Mesmo depois da minha reforma, mantive no mesmo valor“, contou, anos depois.

O boné vermelho acabou por ser o "trademark" do austríaco, do qual muitos usaram na cabeça no fim de semana do GP do Mónaco de 2019, dias depois da sua morte, aos 70 anos. Na altura, o patrocinador era outro, mas por mais de 25 anos, era um: a italiana Parmalat, um conglomerado de laticinios fundado em 1961 por Calisto Tanzi, na cidade de Parma, que se tornou milionário e também se tornou vitima da ambição desmedida, causando uma das maiores falências de sempre em Itália, em 2003, e acabou com ele condenado a 18 anos de prisão por fraude fiscal e corrupção. 

A história da marca começou inesperadamente, quando teve de largar os estudos universitários para ajudar o seu pai doente, no seu negócio de laticinios. Poucos anos depois, fez uma viagem à Suécia e conhece a embalagem TetraPak, que melhorava a conservação, mantendo a qualidade do leite, permitindo ganhar milhares de milhões de liras e expandindo-se por toda a Itália. E em 1975, já tinha olhos para fora dela. Faturando mais de cem mil milhões de liras por ano, Tanzi adorava publicidade, e o desporto era o melhor veículo. Investiu massivamente, primeiro no ski, depois no automobilismo. E foi nessa altura que apareceu forte e feio, primeiro nos macacões dos pilotos locais, como Vittorio Brambilla, Clay Regazzoni e claro, Niki Lauda.

Em 1978, com a Brabham a perder o patrocínio da Martini, que foi para a Endurance - e depois, os ralis, através da Lancia - a Parmalat apareceu no lugar para ser o mais generoso benfeitor, ao ponto de, em 1979, pagar um milhão de dólares por temporada a Lauda... para ficar na Brabham! A marca ficou na equipa mesmo depois da retirada do austríaco na Formula 1, e no lugar veio Nelson Piquet, que com ele, conseguiu dois títulos mundiais de pilotos em 1981 e 1983, e pelo meio, colocou um italiano na equipa, Riccardo Patrese, que conquistou ali as primeiras duas das treze vitórias que teve na sua carreira. A marca ficou na Brabham até ao final de 1984, altura em que decidiu focar-se nos patrocínios pessoais, especialmente do de Lauda, que tinha voltado à Formula 1 em 1982 e fora campeão em 84. 

Pelo meio, Tanzi fez amizade com gente importante como Ciriaco de Mita, líder da Democracia Cristã italiana e primeiro-ministro entre 1988 e 89, que lhe deu facilidades em termos financeiros e transporte, e até abriu uma fábrica na pequena cidade de Nusco, a terra natal de De Mita. Mas isso não impedia de ter problemas de capitalização por causa da sua ambição obsessiva de levar o nome da marca para os quatro cantos do mundo. 

E quando voltou à Formula 1, em 1995, era através do braço brasileiro da marca, tão poderosa que tinha financiado o Palmeiras, o clube da colonia italiana. Pouco tempo antes, o próprio Tanzi tinha comprado o Parma AC e levado para a Serie A italiana, determinada a ser campeã. Venceu competições europeias - duas Taças UEFA, uma Taça das Taças - e três Coppa Itália, mas nunca o Scudetto, apesar de ter jogadores do calibre de Hernan Crespo, Lilian Thuram, Gianfranco Zola, Alessandro Lucarelli, Faustino Asprilla, Alberto Gilardino e outros. 

Mas a marca regressava à Formula 1 naquele ano de 1995 através da novata Forti Corse, e os patrocinadores eram todos de origem brasileira porque pertenciam ao pai de um dos pilotos: Abilio Diniz. O seu filho, Pedro Paulo Diniz, lá chegou e fez o que sabia de melhor: não sendo um vencedor, esforçou-se por não ser um embaraço, e assim, a marca lá ficou até à saída de cena do piloto, no final do ano 2000, tendo andado pela Ligier, Arrows e Sauber.  

Mas por essa altura, a Parmalat era um conglomerado em dificuldades. Em 2003, a situação alcançou a insustentabilidade e explodiu. O buraco era de 14 mil milhões (ou biliões) de euros e a falência era, em muitos aspetos, fraudulenta. O próprio Tanzi poderá ter apoderado para seu beneficio próprio cerca de 800 milhões de euros. Toda a gente queria saber porque é que alguém, quase 40 anos depois de começar tudo do quase zero, tinha chegado a este ponto. 

Cinco anos depois, em 2008, os tribunais condenaram-o a nove anos de prisão, por uma das fraudes, ao que foi dobrada para 18 anos em 2010. As suas condecorações foram retiradas por ordem do presidente da República, e para tentar recuperar parte do dinheiro, a sua coleção de arte fora apreendida e vendida em leilão com o resultado, avaliado em cerca de cem milhões de euros, a ser revertido para o Estado. Quanto à sua companhia, ainda existe, mas foi vendida para o grupo francês Lactalis.  

Tanzi morreu hoje, aos 83 anos.

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