Este século XXI, com as redes sociais, não resolveu os problemas, exacerbou-os. O racismo, a xenofobia, a discriminação sexual, mesmo que a lei os proteja, mesmo que, aos poucos, um pouco por todo o mundo, por exemplo, as pessoas com o mesmo sexo possam casar e qualquer discriminação é punido pela lei. E a cada dia que passa, um pouco por todo o mundo, acontecem crimes de ódio racial, violência doméstica contra mulheres e homossexuais, que muitas das vezes acabam em morte. A lei existe, a punição também, mas ela é aplicada quando o facto é consumado e sentença é aplicada. Infelizmente, não salva a vítima.
Porque falo disto tudo? Porque são exemplos, e nestes tempos que correm queremos exemplos, não símbolos. E no automobilismo, desporto onde muitas das vezes parece o último refúgio do homem branco, gosta mais de símbolos do que ações práticas. E ao longo destes mais de 70 anos de história da Formula 1, por exemplo, só tivemos três negros, cinco mulheres, três LGBT's (que se tem conhecimento) e dúzia e meia de asiáticos, três deles no atual pelotão. E o facto do piloto mais famoso e mais vitorioso do atual pelotão ser negro é provavelmente algo que veremos uma vez na vida, se não aparecer outro.
Mas também falo disto tudo porque a Formula 1 anunciou esta terça-feira que irá acabar o "We Race As One", ou seja o gesto de ajoelhamento que os pilotos faziam antes das corridas. Era simbólico, afirmando que eram contra o racismo e os gestos anti-racistas, de que as vidas negras importavam, como todas as outras. A ideia era boa, o gesto significativo, mas como se costuma dizer, o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções. E sempre que os via ajoelhar em todos os Grandes Prémios, ouvia na minha mente a musica dos AC/DC cantada pelo Bon Scott, no final dos anos 70. Sempre pareceu um gesto de "sportwashing", para aplacar os mais políticos.
Olhem o que a Formula 1 faz neste momento: corre em quatro nações da Península Arábica, está "afogada" em dinheiro árabe, e esses países - e o causo saudita é o mais flagrante - cujo registo histórico de direitos humanos é baixo - para não falar nulo - e a Formula 1 age como se fosse uma prostituta de luxo, que se vende por uma oferta muito alta. E do atual pelotão, quem está mais aplicado em tudo isto, da diversidade: somente Hamilton e Sebastian Vettel. Há outros que, sequer, se ajoelhavam antes das corridas, uns porque sabiam que o gesto era pouco mais que simbólico. Outros, porque nunca gostavam das causas que a Formula 1 defendia e eram a favor de remar contra a corrente.
Sim, sejamos honestos: a Formula 1 é uma elite. Que corre por dinheiro, e não quer saber muito sobre Direitos Humanos. E isso já vem de longe. E usa a diferença como "poster boys" para mostrar que é tolerante. E os que detestam a diferença e aplaudem a decisão tomada hoje, ainda pedirão à Formula 1 para que regressem as "grid girls", apenas vestidas de bikini, e os motores muito barulhentos, V10 ou V12, sem "traquitanas" para poderem dizer que "tudo regressou a normalidade". São esses os que vêm este desporto, como se podemos congelar algum ano da infância deles (de preferência, algures nos anos 70 ou 80) para sempre.
Mas a grande ironia é que isto seja feito numa altura em que temos o pelotão mais diversificado de sempre. Temos um mestiço britânico, um japonês, um chinês, e um anglo-tailandês a correrem. E se quisermos ir mais além, dos dois canadianos que lá estão presentes, um é neto de judeus - Stroll é a anglicanização do original Strulovich - e o outro, Nicholas Latifi, é descendente de iranianos. E se for um pouco mais atrás, poderemos falar de Pascal Wehrlein, que correu na Sauber e Manor entre 2016 e 2018, e agora está na Formula E, é filho de alemão e de uma habitante da ilha Maurícia, situada no sul de África.
Mas sejamos honestos: hoje, a máscara caiu para aqueles lados. A Formula 1 tão cedo não largará certos vícios, e sem isso, estes gestos não terão propósito real. A Formula 1, se algum dia quiser entrar de cabeça no século XXI, tem de fazer uma volta de 180 graus. Teria de fazer uma revolução tão radical e tão irreversível que teria de ser irreconhecível para os que viveram antes. É duro e parece ser quase impossível, mas lembro-vos que já foi mais machista, mais "branca" e europeia.
E tenho de ser honesto: já vi muitos "impossíveis" acontecerem.
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